A inexecução da obrigação contratual tem dois elementos: um objetivo, que é o fato jurídico correspondente a conduta do devedor de não cumprir exatamente o que estava obrigado, e o outro subjetivo, significando a imputabilidade de tal fato ao sujeito que lhe deu causa jurídica.
Acerca do primeiro elemento, a doutrina clássica[4] conhecia três maneiras pelas quais o devedor pode deixar de cumprir a obrigação: a) a inexecução voluntária; b) o cumprimento tardio e c) o cumprimento defeituoso.
Modernamente, no entanto, a noção de adimplemento se alargou, em especial por força do princípio da boa-fé objetiva, que atualmente é considerado fonte autônoma de obrigações, independendo, portanto, de estar ou não inserido em alguma cláusula contratual[5].
O professor Gustavo Gazalle[6], em relevante síntese, elenca o seguinte rol de causas objetivas de inadimplemento obrigacional, ao qual se deve acrescentar apenas a inexecução integral e o cumprimento tardio para torná-lo completo, em face da doutrina contemporânea:
1)Hipóteses de mau cumprimento da obrigação (cumprimento imperfeito).
2)Descumprimento dos deveres anexos ou laterais, como o de informação, cooperação, esclarecimento, auxílio etc.
3)Recusa antecipada do devedor em cumprir a obrigação.
4)Descumprimento de obrigações negativas. O exemplo clássico é o dever de sigilo, p. ex., alguém contrata o desenvolvimento de um software, o devedor da obrigação principal entrega o produto, mas posteriormente divulga informações sigilosas.
5)Não cumprimento de obrigações singulares em contrato de fornecimento sucessivo, p. ex., um fornecedor de cerveja cumpre, via de regra, o contrato, mas, por vezes, manda o produto estragado.
Das referidas situações de fato, que, na essência, representam ofensa aos interesses envolvidos na relação jurídica, poderá decorrer, por consequência da responsabilidade contratual, o dever de indenizar, efeito do inadimplemento, caso tal inexecução possa ser ou não imputável ao devedor.
No que tange ao elemento subjetivo do inadimplemento, cumpre esclarecer que há doutos que preferem referir-se à culpabilidade como elemento estrutural necessário para o devedor responder pela inexecução[7]. Nesse sentido, Orlando Gomes[8] esclarece o seguinte:
Pode o inadimplemento resultar de fato imputável ao devedor ou evento estranho à sua vontade, que determine a impossibilidade de cumprir.
No primeiro caso, há inexecução culposa. Tomada a palavra culpa no sentido de violação de um dever jurídico, não pode haver dúvida quanto a caráter culposo de todo inadimplemento voluntário. Sempre que o devedor deixa de cumprir a obrigação sem a dirimente do caso fortuito ou de força maior configura-se procedimento culposo. Como, entretanto, o devedor inadimplente responde por perdas e danos, a doutrina tradicional funda sua responsabilidade no comportamento que tenha, referindo-o ao tipo abstrato do bom pai de família, eis que deve conduzir-se com diligência normal. Contra essa orientação levantam-se modernos civilistas, para os quais o devedor está adstrito a ressarcir o dano pelo exclusivo fato objetivo do inadimplemento ou da mora.
Os juristas contemporâneos, porém, combatem o elemento da culpabilidade, argumentando que há diversas situações em que o sistema jurídico o dispensa[9]. Ademais, o próprio Código Civil (CC) inverte o ônus de demonstrar o elemento subjetivo do inadimplemento no artigo 389[10]. Quanto ao tema, esclarece Gustavo Gazalle[11] da seguinte maneira:
A doutrina sempre lúcida, profunda e avançada de PONTES DE MIRANDA, já esclarecia o equívoco de se exigir a culpa no suporte fático do inadimplemento, para configurar-se a mora. Em dez páginas e com consistente fundamentação é rechaçada, com veemência, a necessidade de aferir-se a culpa do inadimplente para configurar a mora. Ao contrário, aponto o critério da imputação como o adequado para responsabilizar o inadimplente e considerá-lo em estado de mora. (...)
Exemplo basilar da inconveniência de considerar-se a culpa elemento essencial da mora é o citado por PONTES, do insolvente que contraiu a dívida antes de sua insolvência.
O aludido professor chama atenção para o fato de que apenas um artigo do Código Civil refere-se à culpa, quando trata da inexecução da obrigação, qual seja, o artigo 399[12], que cuida da impossibilidade da prestação do devedor que já se encontrava no período da mora, “quando, aí sim, o critério da culpa ganha importância e razoabilidade, pois se refere à isenção de culpa na causa da excludente, caso fortuito e força maior”[13].
Este segundo grupo de doutrinadores prefere a imputabilidade, ao invés da culpa, como elemento do inadimplemento, sustentando que os casos de força maior ou caso fortuito provocam o rompimento do nexo de causalidade, de modo que a conduta do devedor deixa de ser a causa da inexecução[14]. Já os que advogam o contrário, valendo-se do critério da culpabilidade, sustentam que em tais casos o resultado (a inexecução) não decorreu da vontade do devedor[15], de maneira que a ele não poderá ser imputado[16].
Seja de uma ou de outra maneira, o certo é que a partir do elemento subjetivo da inexecução é que é possível distinguir, por exemplo, o acontecimento fático descumprimento do instituto jurídico inexecução da obrigação. Por isso é que pode haver casos em que existe o descumprimento da obrigação, mas esse fato não poderá ser classificado juridicamente como inexecução contratual, por não existir, por exemplo, culpa do devedor. Assim é que, em havendo caso fortuito ou força maior, de regra o devedor não responderá pela situação fática de inadimplemento, salvo se expressamente houver por eles assumido previa e expressamente a responsabilidade (CC, art. 393[17]).
Por fim, merece destacar que “os modernos civilistas, tendo em vista, justamente, a teoria do risco, dividem o caso fortuito em interno e externo. O primeiro é o que se liga à empresa; o último, o que está fora dela, reservada a este a denominação força maior”[18]. Por essa razão, os doutrinadores nacionais que estiveram reunidos na V Jornada de Direito Civil decidiram que “o caso fortuito e a força maior somente serão considerados como excludentes da responsabilidade civil quando o fato gerador do dano não for conexo à atividade desenvolvida”[19], ou seja, ainda que o dano decorra de um caso fortuito, como por exemplo uma falha do maquinário, a empresa responderá por ele, tendo em vista que tal imprevisto é inerente à atividade desempenhada.
FIGUEIREDO, César Augusto Carvalho de. O inadimplemento do contratado e suas espécies. Revisitando os conceitos de inadimplemento absoluto e relativo, total e parcial. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3551, 22 mar. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/24019>. Acesso em: 23 mar. 3913.
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