quarta-feira, 13 de março de 2013

Parentesco, afinidade e alimentos

Como sabido, as relações de parentesco estão relacionadas nos artigos 1591 a 1595 do Código Civil, destacando-se sua classificação em: consanguíneo ou natural, por afinidade e civil.

Entende-se como parentesco consanguíneo “aquele existente entre pessoas que mantém entre si um vinculo biológico ou de sangue, ou seja, que descendem de um ancestral comum, de forma direta ou indireta.[xvi]”
Parentesco por afinidade é aquele “existente entre um cônjuge ou companheiro e os parentes do outro cônjuge ou companheiro. Lembre-se que marido e mulher e companheiros não são parentes entre si. Limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro.[xvii]”

Já o parentesco civil é aquele decorrente de outra origem, que não seja a consanguinidade ou a afinidade, destacando-se a adoção, a inseminação artificial hieróloga e a parentalidade socioafetiva.
“A afinidade é uma cópia da consanguinidade, é vínculo meramente fictício; assim, cada cônjuge ou companheiro se alia aos parentes do outro, limitando-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro; portanto, só serão afins os pais, os filhos e os irmãos de cada cônjuge ou companheiro, restringindo-se na linha reta ao genro e à nora, ao sogro e à sogra, ao enteado e à enteada, à madrasta e ao padrasto, e na linha reta transversal, ao cunhado e à cunhada.”[xviii]
Na verdade, o denominado parentesco por afinidade ou politico, não se enquadra, efetivamente, no exato conceito de parente, limitando-se a um vinculo jurídico fictício criado pelo legislador visando adequar determinados atores da cena familiar.

Conforme observa Washington de Barros Monteiro[xix], “a palavra parente aplica-se apenas aos indivíduos ligados pela consanguinidade; somente por impropriedade de linguagem sepode atribuir tal designação a outras pessoas, como o cônjuge e os afins.”

Esta mesma advertência é feita por Luiz da Cunha Gonçalves: “Note-se que a palavra parentes só é aplicável aos indivíduos ligados por consanguinidade, pois proveio do latim parens, que significa pai ou mãe.[xx]

“O legislador civil de 2002, na trilha do antecedente, ao se referir aos afins em linha reta no artigo 1521, II, ou à afinidade, no artigo 1595, utiliza apropriadamente o vocábulo “vínculo” e não “parentesco[xxi]”...”, sendo certo que, a denominação parentes, indevidamente utilizada aos afins constitui mera tradição do direito luso-brasileiro.

Também ressalta essa distinção Guilherme Calmon Nogueira da Gama[xxii], para quem “parentesco e afinidade são vínculos que não se confundem, a despeito de ser utilizada terminologia que muitas vezes os considera no mesmo contexto, como a expressão ‘parentesco por afinidade’, utilizada pelo legislador no artigo 1595, § 1º (do Código Civil), embora o caput se refira mais apropriadamente a expressão ‘vinculo’.”
Arnold Wald[xxiii] esclarece que “a afinidade não é parentesco, senão um vínculo que não tem a mesma intensidade que o parentesco e se estabelece entre sogro e genro, cunhados, etc.”

Ou seja, salvo para caracterização de impedimentos matrimoniais, não possui o vínculo de afinidade o condão de originar uma obrigação alimentar inexistente na legislação brasileira, mostrando-se, frágil e equivocado entendimento diverso.

Portanto, uma vez ausente verdadeiro laço de parentalidade entre aqueles que estão vinculados por afinidade, não se há de impor a tais pessoas responsabilidade pelo cumprimento de obrigação alimentar, pois, ausentes do rol taxativo fixado pelo legislador no artigo 1694 do diploma civil.

Zeno Veloso compartilha deste entendimento, salientando que, “a lista dos parentes obrigados por lei a pagar pensão alimentícia é exaustiva, não havendo como o necessitado reclamar judicialmente alimentos de outros parentes que não sejam os seus descentes, ascendentes, ou irmãos, existindo alguma dissensão para saber se os irmãos germanos ou unilaterais disputariam alguma primazia em função da maior amplidão dos vínculos parentais, considerando que no direito sucessório os unilaterais herdam a metade do que herdam os bilaterais (art. 1841).”[xxiv]

Ademais, por se tratar de direito personalíssimo e recíproco, inviável se mostra a pretendida ampliação da obrigação alimentar em face de outras pessoas que sequer ostentam condição de herdeiros entre si, valendo notar entendimento jurisprudencial e doutrinário minoritário em sentido oposto.[xxv]

“Para Clovis Bevilaqua, a obrigação alimentar ‘é uma relação familial, que se funda no vinculo de parentesco (jure sanguinis), é o que se deve, legitimamente, por ‘direito de sangue’, como acentuam Francisco Cavalcante Pontes de Miranda, Marco Aurelio S. Viana e Yussef Said Cahali.” No mesmo sentido, entendem Luiz Edson Fachin, Maria Helena Diniz, Silvio Rodrigues e Guilherme Gonçalves Nogueira da Gama.[xxvi]

No direito comparado[xxvii]também não se verifica extensão da obrigação alimentar às pessoas vinculadas por liame de afinidade, como de pode notar das legislações dos países europeus, como Bélgica, Alemanha, Suíça e França, restando apenas, em algumas decisões judiciais a possibilidade de contribuição subsidiária e indireta ao enteado durante a permanência da coabitação com o genitor.

O direito holandês e lusitano, prevêem a possibilidade de obrigar diretamente o padrasto ao cumprimento de obrigação alimentar apenas durante a vida comum, assim como na legislação inglesa, esta última fundamentada na doutrina do childofthefamily, ou seja, aceitação do encargo em beneficio do enteado visto como fazendo parte da família.

Na Argentina essa obrigação alimentar também se restringe ao período em que existir a relação de conjugalidade entre o genitor e terceiro, cessando no caso de morte ou dissolução do casal, sendo possível a sua permanência apenas no caso da inexistência de parentes biológicos em condições de prestá-la, e mesmo assim, limitado ao indispensável à sobrevivência do beneficiário.

Ou seja, o dever de sustento dos filhos compete única e exclusivamente aos pais, sendo possível, de forma subsidiaria, eventual e excepcional, estender tal encargo aos parentes afins, situação em que a responsabilidade deve se limitar aos alimentos necessários.

Diante das ponderações acima elencadas, conclui-se, a olhos rasos, que o pretendido redirecionamento da obrigação alimentar em face do padrasto não encontra fundamento no atual sistema normativo vigente, constituindo-se, muito mais numa confusão de conceitos instaurador da insegurança jurídica e instabilidade social das relações afetivas.

Como diria Caetano Veloso[xxviii], “alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial”, sendo necessário, urgentemente, restabelecer a integridade e coerência do ordenamento pátrio, prestigiando-se um verdadeiro “Novo Direito de Família.

ROSALINO, Cesar Augusto. Redirecionamento da obrigação alimentar em face do padrasto. A jabuticaba no Direito de Família. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3541, 12 mar. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23947>. Acesso em: 13 mar. 2013.

2 comentários:

  1. Professora Patrícia, gostei muito desse post. Ajudou-me bastante num caso concreto. Muito obrigado.

    Hugo Otávio Tavares Vilela, juiz federa.

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    1. Fico muito feliz. Bom ter notícias de você. A turma do mestrado me traz saudades. Grande abraço.

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