quarta-feira, 13 de março de 2013

A contratação de deficientes ou portadores de necessidades especiais

A lei 8213/91, criada em mau momento, manda contratar deficientes, estabelecendo enorme percentual incidindo sobre o número de empregados mantidos pelas empresas, percentual dificílimo de ser atendido por várias razões. O não preenchimento das quotas gera punições. Ressalte-se que as autoridades não informam, com eficiência, onde os deficientes podem ser encontrados, no escopo de admiti-los, argumentando que o problema é das empresas. Não se pode controlar qualquer um, porque os riscos do negócio são da empresa, conforme art. 2º/CLT, de modo que qualquer deslize praticado pelo deficiente implicará em obrigação de a empresa indenizar a vitima ou familiares, conforme artigos 5º, X/CF/88, 186, 944, 927/CCB. O pedido de indenização pelos danos morais virou modismo no pretório trabalhista, com a concessão de vultosos valores, todos fora dos princípios da razoabilidade e do bom senso.

A contratação de deficientes tem sido tarefa muito difícil pelas empresas, por vários motivos. Em primeiro lugar, inexistem empresas fornecedoras de deficientes. Os anúncios nos jornais não surtem efeitos. O mesmo ocorre quando as empresas, através de circulares internas, pedem aos empregados para encaminhar deficientes e lhes dar ciência da existência dos empregos. Há casos – e muitos – que as empresas necessitam de mão de obra qualificada, a qual inexiste. Um hospital, por exemplo, não pode contratar deficiente visual para trabalhar no CTI, UTI e enfermaria. Uma empresa de transporte não pode contratar motorista sem braços, pernas, cego ou surdo. E assim vai em todas as áreas. Um enfermeiro sem braços não pode trabalhar na enfermaria do hospital, porque, se colaborar para a morte do paciente, o hospital terá que indenizar a família do falecido, com base nos artigos 5º, X/Constituição Federal, 186 e 927/Código Civil de 2002, mesmo se tiver feito o contrato de seguro. Dita indenização constitui modismo na Justiça do Trabalho, com condenações elevadas, porque não há critérios objetivos para a sua fixação, de modo que cada Juiz, a seu modo, arbitra valores incomensuráveis.

Os Auditores do MTE e os Procuradores do Trabalho, ávidos pela assinatura de leoninos Termos de Ajustamento de Conduta e para encher, mais ainda, os cofres do FAT, reduto do PDT no Ministério do Trabalho, enxergam a seu modo a lei 8213/91, sendo que os Procuradores ajuízam, na Justiça do Trabalho, as nefandas Ações Civis Públicas, fazendo letra morta do princípio da razoabilidade e do bom senso.

Pela Lei 8213/91, as empresas, contando mais de 100 empregados, são obrigados a destinar de 2% a 5% de suas vagas para deficientes. Chegam a pedir a despedida de empregados sadios para o preenchimentos das vagas com deficientes, gerando o terrível caos social e notória discriminação! A Justiça do Trabalho, contando com alguns Juízes bons, tem cancelado as arbitrárias multas impostas pelos Auditores do Trabalho, os quais asseveram que a contratação constitui problema e obrigação das empresas, em odioso entendimento da lei 8213/91, esquecidos da função social das empresas: dão empregos, pagam elevados tributos e taxas, colaboram para extirpar a crise social e quejandos. Há o crescimento econômico do país.

Na interpretação da lei, que é de 1991, o Juiz, deve respeitar o princípio da razoabilidade, porque existem as vagas, mas inexistem profissionais qualificados para seu preenchimento, com notória escassez no mercado de trabalho. Assim, obrigar as empresas a contratar qualquer um, uma pessoa despreparada, é o mesmo que colocar, às escâncaras, em risco o empreendimento. O empenho em contratar os portadores de necessidades tem sido só das empresas, havendo inércia dos Poderes, mormente do Executivo, via MTE e Procuradoria do Trabalho, que não colaboram em nada. Pelo contrário, querem metas para o FAT, enchendo seus cofres e cujo destino, como a mídia divulga, não é dos melhores.

A construção civil e vigilância, por exemplo não conseguem deficientes qualificados. Nos Tribunais de Brasília, Rio e São Paulo, as empresas têm logrado sucesso, porque para eles não se pode interpretar a lei 8213/91 de forma isolada e literal. Adite-se que, segundo o próprio MTE, na Instrução Normativa 20/2001, esses profissionais teriam de ser reabilitados pela Previdência Social ou terem características comprovadas para uma determinada atividade na empresa.

Por falta de deficientes habilitados, como é público e notório, as empresas têm sido penalizadas injustamente. A Ministra Cristina Peduzzi, do TST, em certo julgamento, prelecionou que é impossível o portador de deficiência física participar de cursos de formação de vigilantes e, dependendo do tipo de deficiência, possa exercer a função. Infelizmente, os Auditores e Procuradores do Trabalho, fazendo literal interpretação da lei, em nada oferecem de útil, porque só visam aplicar multas em prol do FAT, fugindo, infelizmente, da razoabilidade e do bom senso. Felizmente, há Juízes do Trabalho, dotados de saber jurídico, bom conhecimento de hermenêutica e sabedoria, anulam as violentas multas e julgam improcedentes as ações civis públicas. Sugiro que eles, ávidos pela permanente punição às empresas, incentivem a criação de empresas fornecedoras de mão de obra composta de deficientes, valendo-se de todos os meios de ampla publicidade, porque o impossível não se cumpre.
O Desembargador André R. P. V. Damasceno, do TRT de Brasília, no processo 00437-2007-018.10.00.1, assim decidiu:
“Empresas de vigilância privada. Vagas destinadas a deficientes físicos. Artigo 93, da Lei 8213/91. Cálculo do percentual. Incidência sobre o efetivo das empresas, excluídos os empregos de vigilância. A empresa que contar com 100 ou mais trabalhadores deverá obedecer a um percentual de empregados portadores de necessidades especiais, segundo estabelece o caput do art. 93 da lei 8213/91. Contudo, tal dispositivo de lei deve ser interpretado levando-se em consideração as peculiaridades materializadas no caso concreto. As empresas de vigilância privada são regidas pela lei 7102/83 que traz normas especificas para o exercício da profissão de vigilante, sendo obrigatória a aprovação em curso de formação de vigilante, envolvendo matérias relativas à defesa pessoal, armamento e tiro, entre outras, além de aprovação de exames de saúde física, mental e psicotécnico. É de se notar que as habilidades exigidas no curso de qualificação para vigilantes revelam-se incompatíveis com as restrições de uma pessoa portadora de necessidades especiais, defendo o cálculo de percentual a que alude o referido dispositivo de lei incidir sobre o efetivo das empresas de vigilância excluídos os empregos de vigilante”.
O auto de infração foi anulado pelo TRT, em correta interpretação da lei. A possibilidade de se mitigar o alcance da legislação que promove a inserção dos portadores de deficiência no mercado de trabalho está expressa, inclusive no Decreto 3298/99, que regulamenta a lei 7853, 24/10/89 e dispõe sobre a politica nacional para integração da pessoa deficiente, cujo artigo é taxativo, estabelecendo que não se aplica o disposto no artigo anterior nos casos de admissão que exija aptidão plena do candidato.
O Desembargador Braz Henriques de Oliveira, relator do processo 00440-2009-005.10.00.0, do TRT de Brasília, assim prelecionou:
“Artigo 93 da lei 8213/91. Auto de infração. Multa. Nulidade. É certo que as empresas devem atender ao preceito constitucional regulamentado pelo artigo 93 da lei 8213/91, que visa a adaptação social do portador de deficiência. Todavia, no caso concreto, não pode a empresa ser punida pela dificuldade de se encontrar mão-de-obra com o perfil previsto na norma legal, reabilitadas ou portadoras de deficiência, que atendam os requisitos necessários para assumir os cargos colocados à disposição”.
A multa foi anulada, bem como o auto de infração. Constou no acórdão que a empresa não é a única que tem tido dificuldades para cumprir integralmente o comando legal, visto que a lei 8213/91 se dirige aos beneficiários da previdência social, reabilitados ou pessoa portadora de deficiência habilitada e estas são raras a se apresentar.

Mas não é só.

Sabidamente o artigo 93 é inconstitucional, porque discrimina os candidatos sadios aos empregos. Ressalto que o Censo do IBGE de 2010 apurou que 23,9% da população tinha pelo menos um dos tipos de deficiência investigados (visual, auditiva, motora e mental).

O grande Cícero prelecionou que: “Direito é a arte do bom senso”, verdade incontestável. A experiência de vida, razoabilidade, bom senso e sensibilidade jurídica dos Juízes resolvem eterna e rapidamente os pedidos de anulação dos autos de infração impostos pelos Auditores, violadores da Lei de Abusos de Autoridade (Lei 4898/65). O bom Juiz não pensa que é capaz, porque sabe é mesmo capaz na mais elevada acepção para corrigir os abusos de autoridades.

A seguir consta uma bela sentença de Juiz culto e de bom senso.

O Juiz José Mateus Alexandre Romano, da 38ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro no processo 0025800-83-2008-501.0038, bem fundamentou sua sentença, ensinando: no entanto, o certo é que há provas nos autos que, de várias formas, mesmo através de concursos a empresa tentou repetidamente preencher a cota prevista no art. 93 da lei 8213/91. Disse que a interpretação da norma é teleológica e dentro do princípio da razoabilidade, não entanto a empresa obrigada a contratar pessoas despreparadas, sem noção técnica para o cargo que irá ocupar, sem as habilidades necessárias para o cargo. A colocação daqueles que não são portadores de deficiência está difícil, apesar dos noticiários em jornais demonstrar a existência de vagas. As vagas existem mas o que não está existindo é a qualificação dos candidatos a emprego. Obrigar empresas a contratar qualquer um, um despreparado, sem qualificação profissional, é o mesmo que colocar em risco o empreendimento. A empresa não pode ser apenada por não ter conseguido atingia a cota, porque a percentagem do art. 93 da lei 8213/91 tem que ser interpretada dentro do princípio da razoabilidade. Contrato é a manifestação bilateral de vontades. Não tem a empresa, por outro lado, o poder de obrigar o candidato ao emprego a aceitar a remuneração oferecida, as condições de trabalho previstas em norma regulamentar. Normalmente as empresas não conseguem cumprir a cota por motivos alheios à sua vontade. O princípio da razoabilidade não pode ser esquecido pelo Julgador. Basta a empresa tomar alguma providência para contratar o deficiente para ficar inume à pesada multa em favor do FAT que, na realidade, nunca se reverterá para os deficientes.

O princípio da solidariedade previsto nos artigos 208 e 227§1º/CR revela não ser plausível que o Estado se omita em tão importante questão que é a adaptação social integral do portador de deficiência, esperando que as empresas supram as falhas das famílias, das escolas e da previdência social. Ressalte-se que a Juíza do Trabalho Patrícia Tostes Poli, da 21ª Vara do Trabalho de Curitiba, julgando o processo nº. 34173-2009-041.09.00.4, anulou um auto de infração lavrado por auditor fiscal federal, desconstituindo-se o débito tributário dele decorrente e deu uma verdadeira aula sobre o tema sempre ressaltando que o princípio da razoabilidade nunca pode ser ignorado por nenhuma autoridade.

O Executivo nada faz para preparar os deficientes para o mercado de trabalho, deixando-os a própria sorte. Seria interessante a criação pelo Executivo de um Órgão preparatório, visando acabar com a carência de portadores de deficientes habilitados. Saliento que a capacitação profissional é degrau obrigatório do processo de inserção do deficiente no mercado de trabalho. A Secretaria de Inspeção do Trabalho, através da Instrução Normativa 20/2001, orientou os auditores fiscais do trabalho na fiscalização do cumprimento do artigo 93 da 8213/91, definiu como pessoa portadora de deficiência habilitada, aquelas que não se submeteram a processo de habilitação, incluindo como habilitadas as capacitadas para o trabalho, indo além da vontade da lei e reconhecendo, implicitamente, a carência de portadores de deficiência habilitados.
Relembro, ao ensejo, para reflexão, as palavras de J. Bernstein, citado por Winston Churchiel 1940:
“Se todos soubessem como são feitas as leis e as salsichas, ninguém seguiria umas nem comeria as outras”.
O aforisma é bem pertinente aos tempos hodiernos, ressaltando-se que nem tudo que vem de Brasília é bom. Há leis que são como vacinas: umas pegam, outras não. A lei 8213/91 é exemplo típico, porque, na prática e à mingua de deficientes capacitados, ela não vingou, embora sancionada há 11 anos, repetindo que não tem a mínima condição de ser aplicada, pelas fortes razões aqui trazidas e outras de pessoas sérias e estudiosas.

O TRT/2ª Região, em recente decisão julgou o processo 05224001320065020081, relatora a Ilustre Desembargadora Ana Cristina Lobo Petinati, concluindo pela improcedência da ação civil pública movida pelo MPT, onde destacou a boa fé da empresa, que tudo vez para conseguir a mencionada mão de obra. Publicou os anúncios de emprego a candidatos portadores de deficiência, revelando que a empresa também tem por escopo o atendimento de sua função social no mercado produtivo coma inclusão de pessoas portadoras de deficiência, quando habilitadas a exercer o cargo disponível. Também implantou um programa de qualificação de pessoa com deficiência,  tendo assinalado que tal conduta não fora suficiente com o SENAI. A empresa se esforçou em habilitar empregados para o cumprimento das tarefas que por estes podem ser desempenhadas. É inequívoca a dificuldade de contratação de portadores de deficiência compatíveis com as funções a serem exercidas. Na sentença ficou destacada a confissão do MPT quanto à dificuldade da empresa em encontrar profissionais habilitados para o preenchimento das vagas, sendo inequívoca a dificuldade de cumprir a lei em face da precariedade e carência de profissionais pertencentes ao universo dos reabilitados pela previdência social ou portadores de deficiência. Importa sinalizar que o artigo 93 da lei 8213/91 não aponta como destinatário da norma o portador de deficiência sem nenhuma qualificação, mas, antes, os habilitados e reabilitados não havendo como concluir que para estes devam as empresa abrir sua portas pelo simples fato de serem deficientes, desempregados, desativados do mercado de trabalha, resumidas como condição “SINE QUA NOM”, para que as empresas estejam obrigadas a admiti-los sem o preenchimento do requisito habilitação para tanto. O Julgador na aplicação ao caso concreto deve observar o esforço da empresa para a contratação. Para corroborar meu entendimento, cito ainda as decisões proferidas nos julgamentos do TST nos AIRR 134200-63-2007-5.02.0083, julgado em 07/11/2012 e publicado no dia 09/11/2012 e AIRR 196400-23-2008-5.20.0002, julgado em 26/09/2012 e publicado em 28/09/2012. Verifico, com alegria, que o Colendo TST tem adotado o meu entendimento.

Não é justo que os empregadores assumam ônus exclusivos do Poder Executivo, sendo punidos com injustas e pesadas multas destinadas ao FAT, integrante do Ministério do Trabalho, repetindo-se que estas multas não se revertem para os deficientes, como é público e notório.

ANDRADE, Dárcio Guimarães de. A contratação de deficientes ou portadores de necessidades especiais. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3541, 12 mar. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23926>. Acesso em: 13 mar. 2013.

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