A pretensão resistida só pode ser levada ao conhecimento do Estado-juiz para buscar a tutela jurisdicional mediante o processo.
Imaginando o transcurso normal do processo até o julgamento definitivo
da lide, a análise do mérito da demanda depende do preenchimento de
certos requisitos que permitirão o seu desenvolvimento válido e regular.
Justamente tais requisitos são chamados de pressupostos processuais, e
sua não observância acarreta a extinção do processo, sem resolução do
mérito, consoante o art. 267, inc. IV, do Código de Processo Civil.
Os pressupostos processuais subdividem-se em pressupostos de existência
e validade. Dentre os pressupostos de validade, merece destaque a
capacidade processual, também chamada de capacidade de estar em juízo,
que é a aptidão para praticar sozinho os atos processuais.
Em regra, quem tem capacidade civil tem capacidade processual. Mas há
exceções, v.g.: i) pessoa jurídica de direito público é capaz
civilmente, mas não tem capacidade de estar no polo ativo nos Juizados
Especiais Federais, por exemplo; ii) o preso é pessoa capaz, embora não
tenha capacidade nos Juizados Especiais; iii) o eleitor entre 16 e 18
anos pode propor ação popular, mas não tem capacidade civil.
Dispõe o art. 13, do Código de Processo Civil, que:
“Art. 13. Verificando a incapacidade processual ou a irregularidade da representação das partes, o juiz, suspendendo o processo, marcará prazo razoável para ser sanado o defeito.
Não sendo cumprido o despacho dentro do prazo, se a providência couber:
I - ao autor, o juiz decretará a nulidade do processo;
II - ao réu, reputar-se-á revel;
III - ao terceiro, será excluído do processo.”
Então, como consequência da falta de capacidade processual, o juiz
deverá determinar a correção do defeito, atuando, desse modo, em
observância ao princípio da cooperação. Acaso não corrigida a
irregularidade, o juiz deverá decretar a nulidade do processo, se a
providência competia ao autor; reconhecerá a revelia, se a providência
cabia ao réu; excluirá da lide o terceiro, se a medida tivesse de ser
sanada por ele.
Extrai-se das diversas normas de direito material e processual que o
ordenamento jurídico pátrio dedica especial atenção aos incapazes de
praticar atos na vida civil – como não poderia ser diferente.
E não há dúvidas de que essas normas protetivas visam à defesa do
hipossuficiente no processo. Não faria qualquer sentido editar normas de
proteção de certas minorias que estão em situação de maior
vulnerabilidade e não conferir maior defesa àquele que se encontra em
situação de hipossuficiência.
Têm-se diversos exemplos no ordenamento jurídico pátrio que comprovam
isso. Dentre eles, podem ser citados: i) o art. 9º, inciso I, do CPC: o
juiz dará curador especial ao incapaz se ele não possuir representante
legal ou se os interesses deste colidirem com o daquele. Ora, se não for
para defender o incapaz, faria algum sentido instituir esse dispositivo
com a figura do curador especial no processo? ii) art. 982, do CPC:
havendo interesse de incapazes, proceder-se-á ao inventário judicial.
Alguém tem dúvida de que tal norma reveste de maiores formalidades o
inventário – que já há algum tempo pode ser realizado extrajudicialmente
em determinadas situações –, exigindo, no caso de interesse de
incapazes, que seja procedido mediante ação judicial, justamente a fim
de conferir maior proteção aos próprios incapazes? A título
exemplificativo, cite-se, ainda, o art. 98, do CPC, que impõe que as
ações em que o incapaz for réu serão processadas no foro do domicílio do
seu representante, e a necessária intervenção do Ministério Público
quando houver interesses de incapazes, conforme preceitua o art. 82,
inc. I, do CPC, sob pena de nulidade do processo (art. 84, do Codex
processual).
Todo esse raciocínio é construído para demonstrar que os incisos do
art. 13, do CPC, encontram-se, em certa medida, na contramão dessa noção
de maior proteção do incapaz.
Andou bem o legislador ao possibilitar que a irregularidade seja sanada
mediante determinação do juiz, conferindo aplicabilidade aos princípios
da instrumentalidade das formas, da economia processual, dentre outros.
É estreme de dúvidas que ao mandar suprir o defeito, o que se quer é
justamente proteger o incapaz. Não obstante, esta não foi a lógica dos
incisos do aludido dispositivo legal, pois imputou consequências severas
àqueles que não cumprirem a ordem judicial.
No caso de a providência caber ao autor, o juiz decretará a nulidade do
processo; se couber ao réu, ensejará o reconhecimento da revelia; por
fim, se competir ao terceiro, será excluído da lide.
Ora, reconhecer a nulidade representaria drástica consequência naquela
demanda, o que poderia acarretar até mesmo a extinção do processo acaso
verificadas as hipóteses do art. 267, incs. II, III e IV, do CPC, com a
extinção anormal do processo, é dizer, sem se alcançar a desejada
resolução do mérito da coisa deduzida em juízo. Convém mencionar que
essa drástica consequência, conquanto endoprocessual, não deixa de ter
relevância, pois inviabiliza o prosseguimento regular daquela demanda,
embora se admita o ajuizamento de nova ação após a correção do vício –
tal extinção, em princípio, não produz efeitos extraprocessuais.
Por sua vez, o reconhecimento da revelia traria grave consequência
jurídica para o réu, na medida em que seriam reputados verdadeiros os
fatos afirmados pelo autor, salvo naquelas hipóteses que tais efeitos
não são produzidos (art. 320, do CPC), e os prazos ainda correriam
independentemente de sua intimação, como prevê o art. 322, do Codex
processual.
No caso dos terceiros, justamente por não ser parte na lide, ele
sofrerão as consequências menos severas, conquanto não menos
importantes: basicamente, serão excluídos da lide, devendo valer-se de
instrumentos processuais próprios ou ajuizar outra demanda judicial para
discutir em juízo aquilo que redundaria na sua intervenção naquela
demanda em curso.
Então, que proteção aos incapazes os incisos do art. 13, do CPC,
conferiu? Se o espírito do legislador ao instituir normas protetivas é
justamente proteger, como conciliar esse dispositivo com todo o
arcabouço normativo brasileiro?
A melhor interpretação deve ser aquela que demanda uma apuração de prejuízo ou não contra o incapaz.
A doutrina e jurisprudência vêm conferindo aplicabilidade ao princípio
pas de nullité sans grief nas mais diversas situações de nulidade e, no
presente caso, não poderia ser diferente.
Não há que se reconhecer nulidade se não houver prejuízo, segundo o próprio princípio da instrumentalidade das formas.
Ao partir da premissa de que toda incapacidade procura defender o
incapaz, é possível, então, ao juiz, superar a irregularidade apontada
no aludido pressuposto processual, desde que seja clarividente a
inexistência de prejuízo àquele hipossuficiente no processo.
Tal conclusão é a que melhor se harmoniza com a visão processualística
moderna. De fato, se a norma veio para proteger o incapaz, não se deve
simplesmente extinguir o processo quando o incapaz for autor, ou
reconhecer a revelia quando o incapaz for réu, ou processar sua exclusão
da lide, quando o incapaz for terceiro, pois, acima de tudo, deve-se
lembrar que toda a incapacidade visa à proteção do incapaz, não podendo
uma norma protetiva desvirtuar seu objetivo para trazer maiores entraves
e prejuízos ao interesse daquele hipossuficiente, o que seria por
demais contraditório.
De fato, o vício só deverá acarretar aquelas gravosas consequências dos
incisos do art. 13, do CPC, na hipótese em que forem intransponíveis os
obstáculos criados por aquele defeito, raciocinando-se sempre sob a
ótica do incapaz, e não privilegiando normas meramente processuais que
se encontram desfocadas de um fim legítimo.
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