sexta-feira, 12 de abril de 2013

Histórico de usucapião

A usucapião, como modo de aquisição de bens, é mais antiga do que se possa imaginar. O instituto ao longo dos anos evolui conforme a evolução humana para se adequar ás sociedades que se utilizam dele.
Farias e Rosenvald ao explanarem sobre o surgimento do instituto afirmam que: “A usucapião restou consagrada na Lei das XII Tábuas, datada de 455 antes de Cristo, como forma de aquisição de coisas móveis e imóveis pela posse continuada por um ou dois anos (..)” (2012, p.395).
O instituto na Lei das Doze Tábuas, dispunha na Tábua 6ª, inciso III, que se intitula “Da propriedade e da posse”: “III – A propriedade do solo se adquire pela posse de dois anos; e das outras coisas, pela de um ano”.
Sendo desde então, modalidade de aquisição de bens também pela posse continuada, porém o lapso temporal era substancialmente menor, qual seja, entre um e dois anos.
Só poderia ser utilizada pelo cidadão romano, eis que os estrangeiros não gozavam dos direitos preceituados nos iuscivile. Desta forma, os romanos mantinham seus bens perante os peregrinos e podiam reivindicá-los quando bem entendessem. (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p.395)
A priori somente o cidadão romano poderia se utilizar dessa manobra para adquirir bens, pois os estrangeiros não tinham direitos. Porém, com o passar dos anos, e a evolução dos direitos, que é inerente a evolução humana, os peregrinos, que outrora não podiam gozar dos frutos do instituto da usucapião, passaram a ter os mesmos direitos que os cidadãos romanos.
Com o tempo, expandem-se as fronteiras do império, concedendo-se ao possuidor peregrino que não tinha acesso à usucapião, uma espécie de prescrição, como forma de exceção fundada na posse por longo tempo das coisas, nos prazos de 10 e 20 anos, servindo de defesa contra ações reivindicatórias. O legítimo dono não mais teria acesso à posse se fosse negligente por longo prazo, mas a exceção de prescrição não implicava perda da propriedade. (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p.395)
Passava então os peregrinos a ser brindados com os benefícios do instituto, bastando que se mantivessem na posse pelo prazo determinado em lei. Masembora tivessem a posse do bem e desta não pudessem mais ser privados, preenchido o requisito temporal na posse, não se tornavam proprietário dos bens usucapidos.
Em 528 d.C., Justiniano funde em um só instituto a usucapio e a praescriptio, pois já não mais subsistiam diferenças entre a propriedade civil e a pretoriana (dos peregrinos). Ambos os institutos se unificam na usucapião, concedendo-se ao possuidor longitemporis a ação reivindicatória para obter propriedade e não a mera exceção, que não era capaz de retirar o domínio do proprietário. (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 396)
O instituto da usucapião sofreu modificação quando no ano de 528 d.C., Justiniano, o então imperador da Constantinopla,hoje Istambul, capital da Turquia, fundiu a prescrição aquisitiva à usucapião, concedendo ao possuidor de um bem a longo tempo a possibilidade de reivindicar também a propriedade do mesmo.
No Brasil, a codificação influenciada pelos juristas alemães, manteve a dualidade conceitual diferenciando a prescrição da usucapião que se consolidava em trinta ou quarenta anos, (bens do estado, imóveis da igreja, do imperador etc.) a depender da modalidade dos bens. Hoje, esse lapso temporal foi reduzido substancialmente, o que se poderá averiguar no transcurso do presente trabalho.
Embora haja uma forte ligação entre prescrição aquisitiva e usucapião, o legislador brasileiro optou por abordar a primeira na parte geral do Código Civil Brasileiroe a outra no Livro do Direito das Coisas.
Acerca da historicidade do referido instituto, Gonçalves (2011, p. 257) pontua que a prescrição aquisitiva é uma instituição multissecular, transmitida pelos romanos. E que a primeira vista, o instituto parece ferir o direito a propriedade, pois favorece o usurpador do bem em face do verdadeiro proprietário, permitindo que o possuidor passe a ocupar o lugar do antigo proprietário, despojando-o do seu domínio.
Assim, a prescrição aquisitiva permite que o possuidor passe a ter o domínio do bem usucapido, em detrimento do antigo proprietário negligente.
A propriedade, embora seja perpétua, não pode conservar este caráter senão enquanto o proprietário manifestar a sua intenção de manter o seu domínio, exercendo uma permanente atividade sobre a coisa possuída; a sua inação perante a usurpação feita por outrem, durante 10,20 ou 30 anos, constitui uma aparente e tácita renúncia ao seu direito. De outro lado, à sociedade interessa muito que as terras sejam cultivadas, que as casas sejam habitadas, que os móveis sejam utilizados; mas um indivíduo que, durante largos anos, exerceu esses direitos numa coisa alheia, pelo seu dono deixada ao abandono, é também digno de proteção. Finalmente, a lei faculta ao proprietário esbulhado o exercício da respectiva ação para reaver a sua posse; mas esta ação não pode ser de duração ilimitada, porque a paz social e a tranqüilidade das famílias exigem que os litígios cessem desde que não foram postos em juízo num determinado prazo. (GONÇALVES, 2011, p. 257-258 apud Cunha Gonçalves, Da propriedade e da posse, p. 207-208)
Permitir que o proprietário do bem pudesse reaver a posse do mesmo a qualquer tempo, muito embora tenha se mantido inerte durante a ocupação de seu bem por outrem num lapso temporal razoável, seria imputar um ônus a quem imprimiu ao bem usucapido a real finalidade dele.
Neste sentido de dar ao bem a finalidade social, é que o instituto aparece como uma forma célere de garantir ao possuidor a longo tempo, a propriedade do bem no qual manifestou sua vontade de ser dono ao utilizá-lo para sua moradia e de sua família, ou nos casos dos imóveis rurais, onde passou por largos anos tornando aquelas terras anteriormente abandonadas, terras produtivas.
O fundamento da usucapião está assentado, assim, no princípio da utilidade social, na conveniência de se dar segurança e estabilidade à propriedade, bem como de se consolidar as aquisições e facilitar a prova do domínio. Tal instituto, segundo consagrada doutrina, repousa na paz social e estabelece a firmeza da propriedade, libertando-a das reivindicações inesperadas, corta pela raiz um grande número de pleitos, planta a paz e a tranqüilidade na vida social: tem aprovação dos séculos e o consenso unânime dos povos antigos e modernos (GONÇALVES, 2011, p. 258 apud Orlando Gomes, Direitos Reais, p. 187-188)
Como acima indicado, a usucapião faz valer o princípio da utilidade social, e ainda, faz prevalecer a paz social, inibindo o antigo proprietário desidioso a reivindicar o bem que por tanto tempo deixou ao léu.
Sobre o instituto da prescrição, Farias e Rosenvald (2012, p. 399-400) ensinam ainda que a prescrição é forma de neutralizar as pretensões obrigacionais que existem, por conta da inércia do titular da propriedade através do direito subjetivo que se estabelece no tempo.
Enquanto prescrição aquisitiva implica extinção da pretensão, em face do não exercício de certo direito, diante de um decurso temporal, a usucapião é modo de aquisição de propriedade em decorrência de o usucapiente se manter na posse do imóvel negligenciado pelo dono de direito.

PENA, Stephanie Lais Santos. Aspectos inconstitucionais da usucapião familiar. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3571, 11 abr. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/24163>. Acesso em: 12 abr. 2013.

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