Acórdão da 9ª Câmara de
Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo analisou, em ação de
reparação civil, comportamento desidioso de genitor que diante de ação
de investigação de paternidade ajuizada por sua filha, recalcitrante não
contribuiu para a regular tramitação do processo, subtraindo-se ao
exame de DNA. A demanda tramitou, em primeiro grau, por nove anos
(1998/2007), apurando-se a responsabilidade, mesmo cessado o poder
familiar, para fins indenizatórios.
No processo, colimaram-se
reunidas, a um tempo instante, situações de extrema relevância jurídica a
saber que a paternidade protraída ou postergada implicou, de forma
iniludível (i) à subtração de uma paternidade alimentar, para fins
educacionais, mesmo quando cessada a menoridade, firme a jurisprudência
nesse sentido; (ii) a perda de uma chance de melhoria existencial de
vida da investigante, quando inacessível tornou-se a ela obter, de logo,
a paternidade, com os benefícios advenientes de um imediato e inadiável
amparo material e afetivo; e (iii) “os notórios prejuízos de toda ordem
sofridos pela filha em razão do descaso do pai no seu dever de
cuidado.”
Pois bem. Em perfeito diálogo do direito com a situação
dos fatos, na busca de empreender a solução adequada diante de
proposição de uma regra jurídica, a decisão judicial proferida pelo
tribunal paulista apurou a devida reparação civil, com atenção às
peculiaridades do caso.
Na hipótese, ante a especial circunstância
de prévia ação de investigação de paternidade, onde o pai,
subtraindo-se de realizar exame genético de DNA postergou a demanda de
sua filha, agora já adulta, deixando de prestar-lhe o apoio necessário,
não apenas resultou reconhecida a obrigação de indenizar.
Para
além disso, apurou-se, efetivamente, o fato jurídico de uma melhoria
existencial negada à filha, quando em toda a adolescência faltou-lhe o
pai, diante de sua resistência ao controle judicial da existência do
vínculo biológico.
É nesse cenário que a ilicitude civil ganha
imediata materialidade, a saber do axioma bem traçado pelo relator,
desembargador Galdino Toledo Júnior.
Ele asseverou, com precisão, a estilete:
“(...)
obteve o apelante noticia de que a autora estava lhe imputando a
condição de pai e, nesse momento, sem dúvida alguma tomou conhecimento
da possibilidade de existência da suposta descendente. Nesse passo, como
pessoa responsável, cabia-lhe o quanto antes, realizar o exame pericial
(DNA), a fim de ter a certeza sobre a paternidade ou não, demonstrando,
inclusive, sua boa-fé em relação aos fatos narrados”.
Ora. A
paternidade investigada resultou durante algum tempo frustrada, em
níveis de um proveito adverso arbitrário, rendendo ensejo, portanto, à
indenizabilidade, apurada na ação indenizatória a circunstancia lesante
ao princípio da boa-fé, cuja presença é exigida nas relações
comportamentais, produtoras de efeitos jurígenos próprios.
No
ponto, a resistência injustificada à demanda, esquivando-se o
investigado, por inúmeras vezes, de realizar o exame genético,
configurou, como admitido no julgado, conduta bastante reprovável e mais
que isso, de lesa-jurisdição, à falta da devida contribuição com a
justiça. Eximiu-se o demandado da paternidade que lhe era posta à prova,
com o poder-dever de exercê-la perante a filha, em todos os níveis que a
relação paterno-filial vem exigir e proclamar.
Precisamente,
tem-se em conta que a imputação da paternidade estava a exigir do
imputado pai contribuir ele com a busca da verdade, abreviando a solução
do litígio, com a razoável duração do processo (garantia
constitucional).
Em ações de tal natureza, a verdade material tem sido paradigma moderno do processo civil.
Aliás,
o fenômeno jurídico do processo, tomado como ciência processual, em
face da verdade, defronta-se com o mesmo problema da filosofia do
direito, segundo o axioma de André Comte-Sponville: “Filosofar é pensar
mais longe do que se sabe. É do que se esquece o cientista, que toma as
ciências por uma filosofia, e é o que recusa o positivista, para o qual
as ciências bastam.” Parece claro, atualmente, que o conceito de verdade
é o do desate necessário a dar funcionalidade à própria segurança
jurídica do fato em si mesmo, na juridicidade que ele produz.
Em
ações como as de investigação de paternidade, o direito da identificação
genética da origem de quem demanda, obriga o magistrado a um amplo
poder de iniciativa probatória para a determinação do fato imputado.
De
tal efeito, “tem o julgador iniciativa probatória quando presentes
razões de ordem pública e igualitária”, principalmente quando “na fase
atual da evolução do Direito de Família não se justifica inacolher a
produção de prova genética pelo DNA, que a ciência tem proclamado idônea
e eficaz.” (STJ – 4ª Turma, REsp. 222.445-PR). Ou, lado outro, deixar a
mesma perícia de ser realizada.
Assim, a jurisprudência vem
orientando “no sentido de que o magistrado deve perseguir, especialmente
nas ações que tenham por objeto direito indisponível, como nas ações de
estado, o estabelecimento da verdade real” (STJ – 3ª Turma, Resp.
348007/GO).
Nessa perspectiva, a inação do investigado em permitir
fosse obtida a verdade real, de interesse de todos, como valor social,
somada a circunstancia de vir a ser, ao fim e ao cabo da lide
personalíssima, declarada a sua paternidade, bem demonstram o acerto da
obrigação de indenizar, fixada na ação própria.
Não se trata, no particular, referir ao “contempt of court”,
mas sobremodo, ao fato decisivo da paternidade protraída, quando
importa considerar, com especificidade, a privação de convivência e de
incumprimento aos deveres paternais.
Assim, malgrado se entenda
que antes do reconhecimento judicial do vínculo, inexistem deveres
decorrentes do poder familiar, caso é pensar que, formada a relação do
processo, a resistência do investigado à lide, postergando a mais não
poder, a declaração judicial da paternidade, afinal reconhecida, implica
inexoravelmente em graves prejuízos ao regular e obrigatório exercício
dos deveres paternais, sacrificados tão somente por embaraços
procrastinatórios do investigado.
É nessa modelagem, que a omissão
de cuidado, o abandono afetivo, a desídia, refletem uma circunstancia
mediata, a intolerância abusiva com os fatos da vida, inclusive com a
própria responsabilidade parental que se pretende assentada na ação
investigatória.
Mais que isso, quando se posterga, adredemente, o
reconhecimento da paternidade (voluntário ou judicial), nega-se ao filho
uma melhoria existencial de vida, potencializada pela identidade
genética e pelo poder parental desempenhado em coesão, o que pode
reclamar, sim, efeitos retrooperantes de responsabilidade civil.
Jones Figueirêdo Alves é
desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco, diretor
nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e
coordenador da Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras
jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia
Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).
Revista Consultor Jurídico, 19 de setembro de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-set-19/jones-figueiredo-pai-posterga-reconhecimento-indenizar-filho
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