terça-feira, 7 de outubro de 2025

Revisão da parte geral do Direito Civil com questões da OAB (parte 1)

 

  • Direitos da personalidade:

 

  1. Prova: FGV - 2013 - OAB - Exame de Ordem Unificado - XII - Primeira Fase

João Marcos, renomado escritor, adota, em suas publicações literárias, o pseudônimo Hilton Carrillo, pelo qual é nacionalmente conhecido. Vítor, editor da Revista “Z”, empregou o pseudônimo Hilton Carrillo em vários artigos publicados nesse periódico, de sorte a expô-lo ao ridículo e ao desprezo público.
Em face dessas considerações, assinale a afirmativa correta.

A A legislação civil, com o intuito de evitar o anonimato, não protege o pseudônimo e, em razão disso, não há de se cogitar em ofensa a direito da personalidade, no caso em exame.

B A Revista “Z” pode utilizar o referido pseudônimo em uma propaganda comercial, associado a um pequeno trecho da obra do referido escritor sem expô-lo ao ridículo ou ao desprezo público, independente da sua autorização.

C O uso indevido do pseudônimo sujeita quem comete o abuso às sanções legais pertinentes, como interrupção de sua utilização e perdas e danos.

D O pseudônimo da pessoa pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, quando não há intenção difamatória.

 

2. Prova: FGV - 2012 - OAB - Exame de Ordem Unificado - VII - Primeira Fase

A proteção da pessoa é uma tendência marcante do atual direito privado, o que leva alguns autores a conceberem a existência de uma verdadeira cláusula geral de tutela da personalidade. Nesse sentido, uma das mudanças mais celebradas do novo Código Civil foi a introdução de um capítulo próprio sobre os chamados direitos da personalidade. Em relação à disciplina legal dos direitos da personalidade no Código Civil, é correto afirmar que

A havendo lesão a direito da personalidade, em se tratando de morto, não é mais possível que se reclamem perdas e danos, visto que a morte põe fim à existência da pessoa natural, e os direitos personalíssimos são intransmissíveis.
B como regra geral, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, mas o seu exercício poderá sofrer irrestrita limitação voluntária.

C é permitida a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, com objetivo altruístico ou científico, para depois da morte, sendo que tal ato de disposição poderá ser revogado a qualquer tempo.
D em razão de sua maior visibilidade social, a proteção dos direitos da personalidade das celebridades e das chamadas pessoas públicas é mais flexível, sendo permitido utilizar o seu nome para finalidade comercial, ainda que sem prévia autorização.

 

·       Capacidade, incapacidade e emancipação:

 

3. Prova: FGV - 2020 - OAB - Exame de Ordem Unificado XXXI - Primeira Fase

Márcia, adolescente com 17 anos de idade, sempre demonstrou uma maturidade muito superior à sua faixa etária. Seu maior objetivo profissional é o de tornar-se professora de História e, por isso, decidiu criar um canal em uma plataforma on-line, na qual publica vídeos com aulas por ela própria elaboradas sobre conteúdos históricos. O canal tornou-se um sucesso, atraindo multidões de jovens seguidores e despertando o interesse de vários patrocinadores, que começaram a procurar a jovem, propondo contratos de publicidade. Embora ainda não tenha obtido nenhum lucro com o canal, Márcia está animada com a perspectiva de conseguir custear seus estudos na Faculdade de História se conseguir firmar alguns desses contratos. Para facilitar as atividades da jovem, seus pais decidiram emancipá-la, o que permitirá que celebre negócios com futuros patrocinadores com mais agilidade.

Sobre o ato de emancipação de Márcia por seus pais, assinale a afirmativa correta. 

A Depende de homologação judicial, tendo em vista o alto grau de exposição que a adolescente tem na internet.

B Não tem requisitos formais específicos, podendo ser concedida por instrumento particular.

C Deve, necessariamente, ser levado a registro no cartório competente do Registro Civil de Pessoas Naturais.

D É nulo, pois ela apenas poderia ser emancipada caso já contasse com economia própria, o que ainda não aconteceu.  

 

4. Prova: FGV - 2016 - OAB - Exame de Ordem Unificado - XX - Primeira Fase (Reaplicação Salvador/BA)

Pedro, em dezembro de 2011, aos 16 anos, se formou no ensino médio. Em agosto de 2012, ainda com 16 anos, começou estágio voluntário em uma companhia local. Em janeiro de 2013, já com 17 anos, foi morar com sua namorada. Em julho de 2013, ainda com 17 anos, após ter sido aprovado e nomeado em um concurso público, Pedro entrou em exercício no respectivo emprego público.

Tendo por base o disposto no Código Civil, assinale a opção que indica a data em que cessou a incapacidade de Pedro.

A Dezembro de 2011.

B Agosto de 2012.

C Janeiro de 2013.

D Julho de 2013.

 

5. Prova: FGV - 2019 - OAB - Exame de Ordem Unificado XXX - Primeira Fase

Alberto, adolescente, obteve autorização de seus pais para casar-se aos dezesseis anos de idade com sua namorada Gabriela. O casal viveu feliz nos primeiros meses de casamento, mas, após certo tempo de convivência, começaram a ter constantes desavenças. Assim, a despeito dos esforços de ambos para que o relacionamento progredisse, os dois se divorciaram pouco mais de um ano após o casamento. Muito frustrado, Alberto decidiu reunir algumas economias e adquiriu um pacote turístico para viajar pelo mundo e tentar esquecer o ocorrido.

Considerando que Alberto tinha dezessete anos quando celebrou o contrato com a agência de turismo e que o fez sem qualquer participação de seus pais, o contrato é

A válido, pois Alberto é plenamente capaz.

B nulo, pois Alberto é absolutamente incapaz.

C anulável, pois Alberto é relativamente incapaz.

D ineficaz, pois Alberto não pediu a anuência de Gabriela.

 

6. Prova: FGV - 2015 - OAB - Exame de Ordem Unificado - XVI - Primeira Fase

Os tutores de José consideram que o rapaz, aos 16 anos, tem maturidade e discernimento necessários para praticar os atos da vida civil. Por isso, decidem conferir ao rapaz a sua emancipação.
Consultam, para tanto, um advogado, que lhes aconselha corretamente no seguinte sentido:

A José poderá ser emancipado em procedimento judicial, com a oitiva do tutor sobre as condições do tutelado.

B José poderá ser emancipado via instrumento público, sendo desnecessária a homologação judicial. 

C José poderá ser emancipado via instrumento público ou particular, sendo necessário procedimento judicial.

D José poderá ser emancipado por instrumento público, com averbação no registro de pessoas naturais.

 

7. Prova: FGV - 2013 - OAB - Exame de Ordem Unificado - X - Primeira Fase

Gustavo completou 17 anos de idade em janeiro de 2010. Em março de 2010 colou grau em curso de ensino médio. Em julho de 2010 contraiu matrimônio com Beatriz. Em setembro de 2010, foi aprovado em concurso público e iniciou o exercício de emprego público efetivo. Por fim, em novembro de 2010, estabeleceu-se no comércio, abrindo um restaurante.

Assinale a alternativa que indica o momento em que se deu a cessação da incapacidade civil de Gustavo.

A No momento em que iniciou o exercício de emprego público efetivo.

B No momento em que colou grau em curso de ensino médio.

C No momento em que contraiu matrimônio.

D No momento em que se estabeleceu no comércio, abrindo um restaurante.

 

 

  • Deficiência:

 

8. Prova: FGV - 2022 - OAB - Exame de Ordem Unificado XXXV - Primeira Fase

Maurício, ator, 23 anos, e Fernanda, atriz, 25 anos, diagnosticados com Síndrome de Down, não curatelados, namoram há 3 anos. Em 2019, enquanto procuravam uma atividade laborativa em sua área, tanto Maurício quanto Fernanda buscaram, em processos diferentes, a fixação de tomada de decisão apoiada para o auxílio nas decisões relativas à celebração de diversas espécies de contratos, a qual se processou seguindo todos os trâmites adequados deferidos pelo Poder Judiciário. Assim, os pais de Maurício tornaram-se seus apoiadores e os pais de Fernanda, os apoiadores dela. Em 2021, Fernanda e Maurício assinaram contratos com uma emissora de TV, também assinados por seus respectivos apoiadores. Como precisarão morar próximo à emissora, o casal terá de mudar-se de sua cidade e, por isso, está buscando alugar um apartamento. Nesta conjuntura, Maurício e Fernanda conheceram Miguel, proprietário do imóvel que o casal pretende locar.

Sobre a situação apresentada, conforme a legislação brasileira, assinale a afirmativa correta. 

A Maurício e Fernanda são incapazes em razão do diagnóstico de Síndrome de Down

B Maurício e Fernanda são capazes por serem pessoas com deficiência apoiadas, ou seja, caso não fossem apoiados, seriam incapazes.

C Maurício e Fernanda são capazes, independentemente do apoio, mas Miguel poderá exigir que os apoiadores contra-assinem o contrato de locação, caso ele seja realmente celebrado.

D Miguel, em razão da capacidade civil de Maurício e de Fernanda, fica proibido de exigir que os apoiadores de ambos contra-assinem o contrato de locação, caso ele seja realmente celebrado. 

 

  • Ausência:

 

9. Prova: FGV - 2019 - OAB - Exame de Ordem Unificado XXIX - Primeira Fase

Gumercindo, 77 anos de idade, vinha sofrendo os efeitos do Mal de Alzheimer, que, embora não atingissem sua saúde física, perturbavam sua memória. Durante uma distração de seu enfermeiro, conseguiu evadir-se da casa em que residia. A despeito dos esforços de seus familiares, ele nunca foi encontrado, e já se passaram nove anos do seu desaparecimento. Agora, seus parentes lidam com as dificuldades relativas à administração e disposição do seu patrimônio.

Assinale a opção que indica o que os parentes devem fazer para receberem a propriedade dos bens de Gumercindo.

A Somente com a localização do corpo de Gumercindo será possível a decretação de sua morte e a transferência da propriedade dos bens para os herdeiros.

B Eles devem requerer a declaração de ausência, com nomeação de curador dos bens, e, após um ano, a sucessão provisória; a sucessão definitiva, com transferência da propriedade dos bens, só poderá ocorrer depois de dez anos de passada em julgado a sentença que concede a abertura da sucessão provisória.

C Eles devem requerer a sucessão definitiva do ausente, pois ele já teria mais de oitenta anos de idade, e as últimas notícias dele datam de mais de cinco anos.

D Eles devem requerer que seja declarada a morte presumida, sem decretação de ausência, por ele se encontrar desaparecido há mais de dois anos, abrindo-se, assim, a sucessão.

 

10. Prova: FGV - 2016 - OAB - Exame de Ordem Unificado - XX - Primeira Fase

Cristiano, piloto comercial, está casado com Rebeca. Em um dia de forte neblina, ele não consegue controlar o avião que pilotava e a aeronave, com 200 pessoas a bordo, desaparece dos radares da torre de controle pouco antes do tempo previsto para a sua aterrissagem. Depois de vários dias de busca, apenas 10 passageiros foram resgatados, todos em estado crítico. Findas as buscas, como Cristiano não estava no rol de sobreviventes e seu corpo não fora encontrado, Rebeca decide procurar um advogado para saber como deverá proceder a partir de agora.

Com base no relato apresentado, assinale a afirmativa correta.  

A A esposa deverá ingressar com uma demanda judicial pedindo a decretação de ausência de Cristiano, a fim de que o juiz, em um momento posterior do processo, possa declarar a sua morte presumida.

B A esposa não poderá requerer a declaração de morte presumida de Cristiano, uma vez que apenas o Ministério Público detém legitimidade para tal pedido.

C A declaração da morte presumida de Cristiano poderá ser requerida independentemente de prévia decretação de ausência, uma vez que esgotadas as buscas e averiguações por parte das autoridades competentes.

D A sentença que declarar a morte presumida de Cristiano não deverá fixar a data provável de seu falecimento, contando-se, como data da morte, a data da publicação da sentença no meio oficial.

 

11. Prova: FGV - 2014 - OAB - Exame de Ordem Unificado - XIV - Primeira Fase

Raul, cidadão brasileiro, no meio de uma semana comum, desaparece sem deixar qualquer notícia para sua ex-esposa e filhos, sem deixar cartas ou qualquer indicação sobre seu paradeiro.
Raul, que sempre fora um trabalhador exemplar, acumulara em seus anos de labor um patrimônio relevante. Como Raul morava sozinho, já que seus filhos tinham suas próprias famílias e ele havia se separado de sua esposa 4 (quatro) anos antes, somente após uma semana seus parentes e amigos deram por sua falta e passaram a se preocupar com o seu desaparecimento.   
Sobre a situação apresentada, assinale a opção correta.

A Para ser decretada a ausência, é necessário que a pessoa tenha desaparecido há mais de 10 (dez) dias. Como faz apenas uma semana que Raul desapareceu, não pode ser declarada sua ausência, com a consequente nomeação de curador.

B Em sendo declarada a ausência, o curador a ser nomeado será a ex-esposa de Raul.

C A abertura da sucessão provisória somente se dará ultrapassados três anos da arrecadação dos bens de Raul.

D Se Raul contasse com 85 (oitenta e cinco) anos e os parentes e amigos já não soubessem dele há 8 (oito) anos, poderia ser feita de forma direta a abertura da sucessão definitiva.



Gabarito:

1.C

2.C

3.C

4.D

5. A

6. A 

7. C

8. C 

9. C

10. C

11. D

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

O poluidor indireto e a extensão da responsabilização ambiental, segundo a jurisprudência do STJ

 01/06/2025 06:00 

A responsabilidade pelos danos causados ao meio ambiente normalmente está associada àqueles que realizam alguma ação direta contra a natureza – como o indivíduo que ateia fogo na floresta, joga lixo nos rios ou constrói em áreas de proteção permanente.

No entanto, o sistema jurídico brasileiro – reconhecido internacionalmente por sua avançada legislação ambiental – traz uma abordagem mais profunda sobre o tema, ampliando as hipóteses de responsabilização para incluir também aqueles que, mesmo que indiretamente, contribuem para a degradação do ecossistema.

É nesse contexto que surge o conceito de poluidor indireto, que pode ser definido como quem, sem participar diretamente do ato de dano, de alguma forma favorece ou facilita a ocorrência do prejuízo ao meio ambiente. Assim, a responsabilidade ambiental no Brasil é mais extensa e preventiva, buscando proteger nossos bens naturais de forma efetiva e consciente.

Essa definição do poluidor indireto está prevista em dispositivos legais como o artigo 3º, inciso IV, da Lei 6.938/1981, segundo o qual pode ser considerado poluidor qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, responsável, direta ou indiretamente, por atividades que causam degradação ambiental.

Com a proximidade do Dia Mundial do Meio Ambiente – data celebrada em 5 de junho –, a reflexão sobre a responsabilidade do poluidor indireto e a importância de outras ações de preservação do planeta se tornam ainda mais necessárias.

No Superior Tribunal de Justiça (STJ), o tema vem sendo abordado em sua jurisprudência em decisões que reforçam, entre outros aspectos, a responsabilidade do poder público, especialmente em casos de omissão na fiscalização ambiental.

Responsabilização por omissão na preservação do meio ambiente

Um bom exemplo é o posicionamento adotado pela Segunda Turma, em abril de 2021, no AREsp 1.678.232. O colegiado manteve a condenação do município e do estado de São Paulo, além de outros réus, em uma ação civil pública que apurava a responsabilidade sobre invasões e loteamentos clandestinos em áreas de risco e áreas públicas.

No entendimento da turma, o ente federado tem o dever de fiscalizar e preservar o meio ambiente e combater a poluição – conforme previsto no artigo 23, inciso VI, da Constituição Federal e no artigo 3º da Lei 6.938/1981 –, podendo sua omissão ser interpretada como causa indireta do dano, o que propicia sua responsabilidade objetiva.

O relator do processo, ministro Herman Benjamin, mencionou que o caso em análise também exige a interpretação conjunta dos artigos 13 da Lei 6.766/1979 e 225 da Constituição Federal, dos quais, para ele, é possível retirar a obrigação "de o Estado interferir, repressiva ou preventivamente, quando o loteamento for edificado em áreas tidas como de interesse especial, tais como as de proteção aos mananciais".

Ente público responde de forma objetiva e solidária, mas execução é subsidiária

No mesmo ano, o STJ aprovou a Súmula 652, a qual estabeleceu que a responsabilidade civil da administração pública por danos ao meio ambiente, decorrente de sua omissão no dever de fiscalização, é de caráter solidário, mas de execução subsidiária.

O entendimento, entretanto, já vinha sendo aplicado reiteradamente em julgados do tribunal, como no caso do REsp 1.376.199, também de relatoria do ministro Herman Benjamin, na Segunda Turma.

De acordo com o colegiado, a responsabilidade ambiental do ente público que se omite do dever-poder de controle e fiscalização é objetiva, solidária e ilimitada, mas a sua execução é de natureza subsidiária. Dessa forma, o ente só pode ser chamado quando o degradador original, direto ou material (devedor principal) não quitar a dívida, seja por total ou parcial exaurimento patrimonial ou insolvência, seja por impossibilidade ou incapacidade de cumprimento da prestação imposta pela Justiça, assegurado, sempre, o direito de regresso.

"Apesar de se ter por certo a inexequibilidade de vigilância ubíqua, é mister responsabilizar, em certas situações, o Estado por omissão, de forma objetiva e solidária, mas com execução subsidiária (impedimento à sua convocação per saltum), notadamente quando não exercida, a tempo, a prerrogativa de demolição administrativa ou de outros atos típicos da autoexecutoriedade ínsita ao poder de polícia", afirmou o ministro Herman Benjamin.

O caso analisado teve como origem uma ação civil pública na qual o Ministério Público buscava responsabilizar o estado de São Paulo e uma imobiliária pela construção indevida de um imóvel em área de manancial, na faixa non aedificandi – isto é, onde geralmente não é possível construir por questões de segurança. Ao julgar recurso especial, a Segunda Turma condenou solidariamente a Fazenda Pública estadual e a empresa. A execução contra o Estado, contudo, foi subsidiária.

Solidariedade é a regra na responsabilidade civil por dano ambiental

Esse tipo de responsabilização atribuída aos entes públicos pela jurisprudência do STJ não se confunde, contudo, com outras situações de responsabilidade solidária entre os poluidores.

Essa diferenciação ficou clara no julgamento do REsp 1.631.143, no qual proprietários rurais de área próxima a um igarapé alegaram que um grupo de frigoríficos foi responsável pela degradação ambiental do local em razão do despejo inadequado de resíduos.  

Ao STJ, uma das empresas do grupo alegou que os ribeirinhos, como particulares, não poderiam ser autores da ação de reparação por danos materiais, por suposta violação da Lei 7.347/1985. O frigorífico também declarou que a responsabilidade solidária das empresas não poderia ser presumida, sendo necessário a individualização das condutas.

O ministro João Otávio de Noronha, relator do caso na Quarta Turma, comentou que os autores do processo não buscaram a reparação ambiental de forma específica, mas sim o ressarcimento dos prejuízos pessoais que sofreram em virtude das atividades poluentes, não havendo invasão da atuação dos legitimados para propor ação civil pública.

 


Imagem de capa do card  Imagem de capa do card 

Na responsabilidade civil por dano ambiental, há solidariedade entre os poluidores. Tal decorre da Lei 6.938/1981, cujo artigo 14, parágrafo 1º, dispõe sobre o dever de indenizar ou reparar danos independentemente de culpa, sendo o poluidor – pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado – responsável, direta ou indiretamente, pela atividade causadora da degradação ambiental.

Ministro  João Otávio de Noronha
STJ


Conforme destacou o relator, os danos ambientais têm efeitos diretos – afetando, nesse caso, o meio ambiente saudável, bem jurídico autônomo e unitário – e indiretos – ou seja, os prejuízos que atingem bens jurídicos particulares, os quais são prejudicados por ricochete.

Poluidor indireto e ressignificação do conceito de nexo causal

O conceito de poluidor indireto foi aplicado pela Segunda Turma em maio de 2022, ao analisar possível omissão do município de Joinville em relação a uma obra de desvio do curso de um rio que não recebeu licenciamento ambiental e não teve fiscalização adequada, o que teria facilitado a ocorrência de danos ambientais (AREsp 1.945.714).

No caso, a discussão avançou nas instâncias ordinárias a partir da tese de que a omissão fiscalizatória não teria sido claramente demonstrada. No entanto, o ministro Og Fernandes, relator, explicou que as causas de direito ambiental exigem a ressignificação de alguns conceitos tradicionais do direito, como o nexo causal.

"Ele deve estar presente, indubitavelmente, mas quando há diversos poluidores/transgressores das normas, e não se pode precisar com o grau de certeza ortodoxo a contribuição de cada um deles para a degradação constatada, qualquer ato comissivo ou omissivo que seja relevante para a existência do dano (o que inclui sua não reparação) enseja a responsabilização do agente", disse o ministro.

Para o relator, o processo trouxe inúmeras condutas omissivas imputadas ao município – como deixar de prevenir o dano com o licenciamento ambiental às obras públicas, não fiscalizar as obras executadas por particulares e não agir para recuperar os danos já verificados.

Dessa forma, prosseguiu o ministro, o nexo causal a ser investigado no processo "não é entre a conduta administrativa e os danos, mas entre a conduta administrativa e tais obrigações, sendo irrelevante que terceiros tenham também contribuído para os resultados prejudiciais ao meio ambiente".

Comprador de área degradada também responde pelo dano ambiental

Em outubro do ano seguinte, o STJ fixou um de seus entendimentos mais relevantes em direito ambiental ao julgar o Tema 1.204 dos recursos repetitivos. A Primeira Seção definiu que as obrigações ambientais têm natureza propter rem, de modo que elas podem ser exigidas do proprietário ou possuidor atual, de qualquer dos anteriores ou de ambos, "ficando isento de responsabilidade o alienante cujo direito real tenha cessado antes da causação do dano, desde que para ele não tenha concorrido, direta ou indiretamente".

De acordo com a relatora, ministra Assusete Magalhães (aposentada), esse entendimento já estava consolidado na Súmula 623, que se baseou na jurisprudência do STJ segundo a qual a obrigação de reparação dos danos ambientais está atrelada ao próprio bem degradado, uma vez que a Lei 8.171/1991 se aplica a todos os proprietários rurais, ainda que não sejam eles os responsáveis por desmatamentos anteriores.

A ministra esclareceu que o atual proprietário que permanece inerte diante da degradação ambiental, mesmo que ela seja preexistente, também comete ato ilícito. As áreas de preservação permanente e a reserva legal – continuou – são "imposições genéricas, decorrentes diretamente da lei", além de representarem "pressupostos intrínsecos ou limites internos do direito de propriedade e posse".

Ainda sobre o caráter propter rem das obrigações ambientais, Assusete Magalhães citou precedente do ministro Herman Benjamin, no REsp 948.921, que reforçou a noção de que aquele que adquire o imóvel o recebe não apenas com os atributos positivos e as benfeitorias, mas também com os ônus ambientais que incidem sobre a propriedade.

 

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Quem se beneficia da degradação ambiental alheia, a agrava ou lhe dá continuidade não é menos degradador. Por isso, o legislador se encarrega de responsabilizar o novo proprietário pela cura do malfeito do seu antecessor.

Ministro Herman Benjamin
STJ


Engenheiro agrônomo tem controle funcional da conduta ilícita poluente

Ao analisar o RHC 118.591, em fevereiro de 2020, a Quinta Turma estabeleceu que o engenheiro agrônomo, mesmo não sendo o autor dos atos materiais de poluição, pode ser responsabilizado por atividade causadora de danos ao meio ambiente.

De acordo com a denúncia oferecida pelo Ministério Público do Paraná, o profissional teria prescrito agrotóxicos para uma propriedade agrícola sem o adequado acompanhamento quanto à real necessidade do uso desses produtos, descumprindo exigências legais. Ao STJ, a defesa alegou que ele apenas prescreveu os agrotóxicos, sem qualquer participação na aplicação dos produtos, razão pela qual não poderia constar no polo passivo de ação penal.

O ministro Ribeiro Dantas, relator do caso, apontou que o engenheiro, ao prescrever o receituário agrônomo, "tinha o controle funcional da conduta ilícita poluente (teoria do domínio do fato) e, assim, apesar de não ter sido o autor material do ato de poluição, pode ser apontado como o responsável pela atividade causadora da degradação ambiental". 

Além de citar o conceito de poluidor indireto descrito na Lei 6.938/1991, o relator usou como base de seu voto o artigo 2º da Resolução 344, do Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia e o artigo 14 da Lei 7.802/1989 – posteriormente revogada pela Lei 14.785/2023 (Nova Lei dos Agrotóxicos), que atualizou as disposições sobre o tema.


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O engenheiro agrônomo, dotado da expertise da atividade agrícola e possuidor da confiança do agricultor, ao prescrever receituário agronômico em desacordo com as normais legais do uso de agrotóxico, possui controle funcional da conduta ilícita poluente (teoria do domínio do fato). Assim, mesmo não sendo o autor dos atos materiais de poluição, é, sem dúvida, responsável e, por isso, imputável, pela atividade causadora de danos ao meio ambiente.

Ministro Ribeiro Dantas
STJ

Poluidor indireto foi tema de enunciados de jornada jurídica

O poluidor indireto foi discutido recentemente nos enunciados aprovados na I Jornada Jurídica de Prevenção e Gerenciamento de Crises Ambientais, realizada em novembro de 2024, no Conselho da Justiça Federal (CJF), em Brasília. Os enunciados servem de referência para estratégias de prevenção aos conflitos decorrentes de crises climáticas e para a adoção de compliance ambiental pelos entes públicos ou privados para restauração de danos.

Um dos enunciados aprovados fixou que "o poluidor indireto responde de forma solidária pela reparação e pela restauração do dano ambiental cumulativamente".

Em outro enunciado, foi definido que "o conceito de 'empreendedor' da Lei 12.334/2010 (artigo 2º, IV) deve ser interpretado à luz do conceito amplo de poluidor, contemplando tanto o poluidor direto quanto o poluidor indireto, tal como estabelecido pela legislação ambiental (artigo 3º, inciso IV, da Lei 6.938/1981) e alcançando, a depender do caso concreto, os agentes (públicos e privados, pessoas físicas e jurídicas) identificados na cadeia causal multifatorial (fática e normativa) da atividade poluidora".