Personalidade e capacidade jurídica
- Pessoa
física:
Capacidade
jurídica da pessoa física refere-se à aptidão geral para ser sujeito de direitos e
obrigações na ordem civil, e divide-se em duas vertentes principais:
1
capacidade
de direito - É inerente a toda
pessoa humana. No Brasil, o Código Civil, em seu Artigo 1º,
estabelece que "Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem
civil".
2 capacidade de exercício – é a aptidão para a pessoa praticar pessoalmente os atos da vida civil, sem a necessidade de
um representante ou assistente, que se adquire aos 18 anos.
Pessoas que não possuem a capacidade plena de
exercício são consideradas incapazes (absoluta ou relativamente) e precisam de representação
(para os absolutamente incapazes, como menores de 16 anos) ou assistência
(para os relativamente incapazes, como maiores de 16 e menores de 18
anos) para praticar validamente os atos jurídicos.
A ausência
desencadeia um processo que pode levar à morte presumida, mas a capacidade jurídica da pessoa (ser titular de direitos) não
é diretamente afetada pela ausência em si. O que ocorre é a nomeação de um
curador para administrar os bens, e a declaração de ausência visa a proteção
patrimonial, não a restrição da capacidade de direito. A morte presumida,
sim, extingue a personalidade jurídica.
- Pessoa
jurídica:
A aquisição da personalidade jurídica no
Brasil ocorre, geralmente, a partir do registro dos seus atos constitutivos
(contrato social, estatuto ou ato de fundação) nos órgãos competentes. Antes disso, a pessoa jurídica é uma
sociedade irregular ou de fato.
O registro dos atos constitutivos é o que
confere a personalidade jurídica à entidade, tornando-a capaz de exercer
direitos e assumir obrigações em seu próprio nome.
Principais características da pessoa jurídica:
- A obtenção da personalidade com o registro do seu ato constitutivo no
órgão competente.
- Existe independência (separação)
entre a pessoa jurídica e seus membros (pessoas físicas que a compõem) em
termos de responsabilidades.
- Existem formas de extinção previstas
em lei, que encerram sua existência legal.
- Autonomia
patrimonial em
relação aos seus membros.
Sem o registro do ato constitutivo, temos um ente
sem personalidade jurídica, o que
impede que adquira direitos em seu nome e resulta na responsabilidade ilimitada
dos sócios pelas dívidas. Embora a doutrina faça distinção entre "sociedade
de fato" (sem contrato escrito) e "sociedade irregular"
(com contrato, mas sem registro), ambas são consideradas não personificadas e
sem personalidade jurídica, respondendo os sócios com seu patrimônio.
Causas de
Nulidade (Art. 166 CC)
·
Incapacidade
Absoluta: Celebrado por
absolutamente incapaz.
·
Objeto: Ilícito, impossível, indeterminável.
·
Motivo: Comum às partes e ilícito, se for
determinante.
·
Forma: Não reveste a forma prescrita em lei ou omite
solenidade essencial.
·
Finalidade: Tiver por objetivo fraudar lei imperativa ou
for proibido por lei.
Causas de
Anulabilidade (Art. 171 CC)
·
Incapacidade
Relativa: Celebrado por
relativamente incapaz sem assistência.
·
Vícios de Consentimento:
o Erro/Ignorância: Falsa percepção da realidade.
o Dolo: Engano provocado por uma das partes.
o
Coação: Ameaça que vicia a vontade.
o
Estado de Perigo: Assumir obrigação excessiva para salvar-se ou
parente de mal grave e iminente.
o
Lesão: Assumir obrigação manifestamente
desproporcional por inexperiência ou premente necessidade.
·
Fraude
contra Credores: Em prejuízo de credores
(ação pauliana).
Elementos
estruturais indispensáveis para a validade de um negócio jurídico
Conforme estabelecido pelo art. 104 do Código Civil
brasileiro, são:
1
Agente
Capaz: As partes envolvidas no negócio jurídico
devem ter capacidade civil para exercer pessoalmente os atos da vida civil.
Caso sejam incapazes (absoluta ou relativamente), devem ser representadas ou
assistidas, na forma da lei.
2
Objeto
Lícito, Possível, Determinado ou Determinável: O objeto do negócio (a prestação, o bem ou o serviço) deve estar
em conformidade com a lei, a moral e a ordem pública (lícito); deve ser
material e juridicamente realizável (possível); e deve ser claramente
identificado ou, pelo menos, passível de identificação futura (determinado ou
determinável).
3
Forma
Prescrita ou Não Defesa em Lei: A forma pela qual o
negócio jurídico é celebrado deve obedecer àquela determinada pela lei (ex:
escritura pública para compra e venda de imóveis acima de determinado valor)
ou, na ausência de exigência legal específica, não ser proibida (não defesa)
por ela.
Obs. Embora não explicitamente
listado como um item separado no art. 104, a manifestação de vontade é
um elemento de existência do negócio jurídico e, para sua validade, deve ser livre,
espontânea e de boa-fé, ou seja, livre de vícios como erro, dolo, coação,
simulação, entre outros.
A ausência de qualquer um desses requisitos essenciais acarreta a nulidade
absoluta do negócio jurídico, o que significa que ele não produzirá
efeitos legais desde a sua origem (é nulo de pleno direito).
Abordagens filosóficas do
Direito
· Jusnaturalismo – defende a existência de um direito superior, baseado em princípios morais ou de justiça universal, que deve ser a base para a validade das leis positivas. Para os jusnaturalistas, uma norma injusta não seria considerada verdadeiro direito.
Historicamente, o jusnaturalismo moderno tendeu
a focar em liberdades individuais formais, mostrando-se, por vezes, inerte
diante das crescentes desigualdades econômicas e sociais, o que pode frustrar
demandas por justiça social substantiva.
· Juspositivismo
ou Positivismo Jurídico - define
o Direito como o conjunto de normas formalmente válidas e emanadas pelo Estado,
independentemente de considerações morais intrínsecas. Essa abordagem enfatiza
a segurança jurídica, a previsibilidade das
relações sociais e a estabilização das instituições democráticas por
meio da aplicação consistente de regras claras e estabelecidas (o "Direito
posto").
Uma aplicação estrita pode levar a um
formalismo que ignora as desigualdades materiais, aplicando a lei de forma
cega, o que, na prática, beneficia as classes dominantes (estruturas
de poder que já existem) e frustra
as demandas por redistribuição ou reconhecimento substantivo, negligenciando as
desigualdades
sociais.
· Pós-positivismo
– é uma corrente do pensamento
jurídico que reconhece a importância das normas positivadas (leis), mas
argumenta que a aplicação do Direito não pode se limitar apenas a elas. Ele
defende uma interpretação mais ampla e contextualizada, que
incorpora: valores, princípios e a ponderação (casos complexos).
A principal crítica à aplicação excessivamente
livre do pós-positivismo é que a flexibilização das normas-regras em favor dos
princípios pode levar à imprevisibilidade das decisões judiciais.
·
Teoria Marxista do Direito –
o Direito é visto como parte da superestrutura
social, que reflete e legitima a infraestrutura econômica (as relações de
produção). Ele serve como um instrumento ideológico nas mãos da classe
dominante (burguesia) para manter o controle, perpetuar as desigualdades
sociais e proteger a propriedade privada, o que, em última análise, favorece a
hegemonia de determinados grupos em detrimento da classe trabalhadora
(proletariado).
Direciona a ação social para a superação do
sistema capitalista como um todo, em vez de buscar a melhoria das condições
dentro do sistema legal existente, o que pode levar a um impasse político no
curto prazo.
A
natureza e o objeto de estudo do Direito
O Direito se manifesta
como norma (dogmática), fato social (sociologia) e valor (filosofia).
A ciência jurídica debate a validade, vigência e eficácia
das normas através dessas lentes.
A função do Direito, sob a ótica
da interdependência sistêmica, não isola uma dimensão em detrimento das outras,
mas as vê como componentes essenciais e interdependentes de um sistema jurídico
que busca a ordem, a justiça e a adaptação social contínua. Destaque-se:
·
A complexidade do Direito para
além das normas.
·
A atuação do Direito em
múltiplas dimensões: como fato social (fática), como valor (valorativa) e como
norma (normativa).
·
A função do Direito na mediação
de conflitos, proteção de direitos, promoção da justiça social e regulação
econômica (regulação social, justiça distributiva, equilíbrio de mercado).
·
O Direito como instrumento
contínuo de adaptação e transformação (ordenamento jurídico adaptável).
Hermenêutica jurídica – abordagens:
· Gramatical - promove a segurança jurídica e a previsibilidade, pois restringe o arbítrio do intérprete ao texto
expresso da norma. No entanto, frequentemente, o sentido literal é
insuficiente ou ambíguo, não capturando a complexidade das situações da vida
real, que demandam ponderação.
· Lógica - ajuda a identificar a estrutura lógica
subjacente da lei e a intenção racional do legislador (a mens legis), preenchendo lacunas ou resolvendo contradições
aparentes no texto legal. Focar apenas na lógica
interna do sistema pode ignorar a realidade social e as consequências práticas
da aplicação da norma, resultando em decisões que, embora logicamente
coerentes, são socialmente indesejáveis.
· Teleológica - concentra-se na finalidade social ou no objetivo da norma, buscando o bem
jurídico que ela visa proteger. Permite que o Direito se adapte às mudanças
sociais e garanta que a lei cumpra seu propósito, mesmo que o texto original
seja limitado. Pode abrir margem para um alto grau de subjetividade, pois a determinação da "finalidade
social" pode variar entre diferentes intérpretes.
· Axiológica - orienta-se pelos valores e princípios éticos fundamentais do
ordenamento jurídico, como a justiça, a igualdade, a dignidade da pessoa humana
e a razoabilidade. A interpretação axiológica é altamente dependente da
visão de mundo do intérprete e pode levar a decisões imprevisíveis se não for
ancorada em princípios constitucionais claros.
Antinomia e lacuna da lei
Para
resolver antinomias (conflitos entre normas), usam-se principalmente três
critérios objetivos: Hierárquico (norma superior prevalece), Cronológico (lei posterior revoga a anterior) e de Especialidade (lei especial prevalece sobre a geral).
Frequentemente, um quarto critério, o da Norma Mais Benéfica, é aplicado em áreas como
Direito Penal, favorecendo a parte mais fraca. Às vezes, pode ser
necessário utilizar mais de um critério conjugado.
A hierarquia das
normas sempre prevalece sobre os outros critérios.
Ela é
fundamental para a organização jurídica e a resolução de antinomias, pois estabelece a coerência, a estabilidade
e a validade do sistema legal. Inspirada na teoria de Hans Kelsen (a
"Pirâmide de Kelsen"), essa estrutura define a supremacia da
Constituição Federal sobre todas as outras normas, criando um sistema
hierarquizado no qual as normas inferiores retiram sua validade das superiores.
Tipos de Antinomia
- Antinomia Aparente: Conflito que pode ser resolvido pela aplicação dos critérios
acima (o mais comum).
- Antinomia Real: Conflito lógico verdadeiro, onde não há solução objetiva,
exigindo uma decisão judicial para escolher qual norma aplicar, por
exemplo, pela via da ponderação de princípios.
Aplicação do Direito
O Direito não é um
sistema fechado e autossuficiente, mas sim um ordenamento que se nutre de
princípios morais e éticos. Muitas vezes, há tensão entre a legalidade
formal e a justiça material, pois mesmo com a conformidade legal literal, as
consequências indiretas de um sistema podem ferir princípios éticos e morais
fundamentais, como a equidade e a justiça social.
Assim, deve-se:
1. Ir Além da Literalidade: Evita a subsunção mecânica da norma ao fato,
reconhecendo que a "letra da lei" pode não ser suficiente para
abranger todas as complexidades da realidade social, especialmente em cenários novos.
2. Utilizar Vetores
Axiológicos: Ancorar a interpretação nos princípios
constitucionais da dignidade humana e da equidade (princípios éticos e morais
incorporados ao Direito) fornece a base necessária para uma aplicação justa,
mesmo quando a lei específica é omissa ou insuficiente em face de novos desafios.
3. Promover a Justiça
Material: Busca um resultado que seja efetivamente
justo na prática ("justiça material"), em oposição a uma mera
conformidade formal que perpetua iniquidades indiretas.
4. Manter a Estabilidade Jurídica: Diferente de ignorar o ordenamento jurídico ou
buscar soluções puramente políticas, esta abordagem propõe uma
interpretação dentro e a partir do próprio
sistema jurídico, utilizando seus princípios hierarquicamente superiores para
orientar a aplicação das normas inferiores.
Análise da
Consistência da Abordagem Probatória
· Em um litígio complexo, a eficácia da prova reside
na sua capacidade de construir uma narrativa coesa e irrefutável que
demonstre a conexão causal entre a conduta e o resultado. Há a
necessidade de:
- Integração e Correlação: O ponto central não é a mera apresentação de provas isoladas,
mas a articulação de diferentes tipos de evidências (documentos, perícias,
testemunhos) de forma a se complementarem e formarem uma cadeia lógica e
robusta.
- Demonstração do Nexo Causal: A prova precisa ir além da existência dos fatos e estabelecer
claramente a relação de causa e efeito (conexão causal) entre os atos
alegados e o resultado.
- Conformidade Legal: A abordagem deve aderir aos requisitos legais de validade e
pertinência, garantindo a admissibilidade formal e o peso decisório das
provas perante o julgador.
É uma falha focar em elementos
isolados (apenas documentos, apenas perícias) ou sugerir abordagens que não
constroem uma cadeia lógica e integrada de evidências, o que comprometeria a
robustez necessária para convencer o julgador em um cenário de alta
complexidade.
·
A
consistência lógica da prova em um ato jurídico, que determina sua validade
argumentativa e capacidade de sustentar uma pretensão, depende da sua capacidade de construir uma
narrativa fática robusta e juridicamente sustentável, garantindo a segurança
jurídica e a justiça da decisão.
A pertinência aos fatos
é essencial, mas a eficácia plena depende de como essa prova se conecta
logicamente à tese jurídica e sustenta a pretensão de forma coerente.
A licitude é um
requisito de validade constitucional da prova, sem o qual ela é ilícita e não
pode ser usada no processo, mas, assim como a formalidade, não é o único
determinante de sua força persuasiva.
O volume de provas pode
ajudar, mas a qualidade, a coerência lógica e a capacidade de persuasão são
mais importantes do que a quantidade. Uma única prova robusta e bem conectada
logicamente à tese pode ser mais eficaz do que várias provas fracas ou
irrelevantes.