domingo, 7 de dezembro de 2025

Revisão A2 Lições Preliminares (parte 1)

 *    Personalidade e capacidade jurídica

  • Pessoa física:

Capacidade jurídica da pessoa física refere-se à aptidão geral para ser sujeito de direitos e obrigações na ordem civil, e divide-se em duas vertentes principais:

1       capacidade de direito - É inerente a toda pessoa humana. No Brasil, o Código Civil, em seu Artigo 1º, estabelece que "Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil".

2       capacidade de exercício –  é a aptidão para a pessoa praticar pessoalmente os atos da vida civil, sem a necessidade de um representante ou assistente, que se adquire aos 18 anos.

Pessoas que não possuem a capacidade plena de exercício são consideradas incapazes (absoluta ou relativamente) e precisam de representação (para os absolutamente incapazes, como menores de 16 anos) ou assistência (para os relativamente incapazes, como maiores de 16 e menores de 18 anos) para praticar validamente os atos jurídicos.

A ausência desencadeia um processo que pode levar à morte presumida, mas a capacidade jurídica da pessoa (ser titular de direitos) não é diretamente afetada pela ausência em si. O que ocorre é a nomeação de um curador para administrar os bens, e a declaração de ausência visa a proteção patrimonial, não a restrição da capacidade de direito. A morte presumida, sim, extingue a personalidade jurídica. 

 

  • Pessoa jurídica:

A aquisição da personalidade jurídica no Brasil ocorre, geralmente, a partir do registro dos seus atos constitutivos (contrato social, estatuto ou ato de fundação) nos órgãos competentes. Antes disso, a pessoa jurídica é uma sociedade irregular ou de fato.

O registro dos atos constitutivos é o que confere a personalidade jurídica à entidade, tornando-a capaz de exercer direitos e assumir obrigações em seu próprio nome.

Principais características da pessoa jurídica:

  • A obtenção da personalidade com o registro do seu ato constitutivo no órgão competente.
  • Existe independência (separação) entre a pessoa jurídica e seus membros (pessoas físicas que a compõem) em termos de responsabilidades.
  • Existem formas de extinção previstas em lei, que encerram sua existência legal.
  • Autonomia patrimonial em relação aos seus membros.

Sem o registro do ato constitutivo, temos um ente sem personalidade jurídica,  o que impede que adquira direitos em seu nome e resulta na responsabilidade ilimitada dos sócios pelas dívidas. Embora a doutrina faça distinção entre "sociedade de fato" (sem contrato escrito) e "sociedade irregular" (com contrato, mas sem registro), ambas são consideradas não personificadas e sem personalidade jurídica, respondendo os sócios com seu patrimônio. 

 Obs. Os entes despersonalizados, como o condomínio edilício ou o espólio, embora não possuam personalidade jurídica plena, são reconhecidos pelo ordenamento para a prática de determinados atos processuais e patrimoniais, conferindo-lhes uma capacidade limitada para a defesa de interesses coletivos ou a administração de bens específicos. O condomínio defende os interesses comuns dos condôminos e o espólio administra e defende o patrimônio do falecido (a herança). Esses entes não têm capacidade para a defesa de interesses coletivos. 

 

*     Causas de Nulidade (Art. 166 CC)

·        Incapacidade Absoluta: Celebrado por absolutamente incapaz.

·        Objeto: Ilícito, impossível, indeterminável.

·        Motivo: Comum às partes e ilícito, se for determinante.

·        Forma: Não reveste a forma prescrita em lei ou omite solenidade essencial.

·        Finalidade: Tiver por objetivo fraudar lei imperativa ou for proibido por lei. 

 *     Causas de Anulabilidade (Art. 171 CC)

·        Incapacidade Relativa: Celebrado por relativamente incapaz sem assistência.

·        Vícios de Consentimento:

o   Erro/Ignorância: Falsa percepção da realidade.

o   Dolo: Engano provocado por uma das partes.

o   Coação: Ameaça que vicia a vontade.

o   Estado de Perigo: Assumir obrigação excessiva para salvar-se ou parente de mal grave e iminente.

o   Lesão: Assumir obrigação manifestamente desproporcional por inexperiência ou premente necessidade.

·        Fraude contra Credores: Em prejuízo de credores (ação pauliana). 

 

*     Elementos estruturais indispensáveis para a validade de um negócio jurídico

Conforme estabelecido pelo art. 104 do Código Civil brasileiro, são: 

1        Agente Capaz: As partes envolvidas no negócio jurídico devem ter capacidade civil para exercer pessoalmente os atos da vida civil. Caso sejam incapazes (absoluta ou relativamente), devem ser representadas ou assistidas, na forma da lei.

2        Objeto Lícito, Possível, Determinado ou Determinável: O objeto do negócio (a prestação, o bem ou o serviço) deve estar em conformidade com a lei, a moral e a ordem pública (lícito); deve ser material e juridicamente realizável (possível); e deve ser claramente identificado ou, pelo menos, passível de identificação futura (determinado ou determinável).

3        Forma Prescrita ou Não Defesa em Lei: A forma pela qual o negócio jurídico é celebrado deve obedecer àquela determinada pela lei (ex: escritura pública para compra e venda de imóveis acima de determinado valor) ou, na ausência de exigência legal específica, não ser proibida (não defesa) por ela.

Obs. Embora não explicitamente listado como um item separado no art. 104, a manifestação de vontade é um elemento de existência do negócio jurídico e, para sua validade, deve ser livre, espontânea e de boa-fé, ou seja, livre de vícios como erro, dolo, coação, simulação, entre outros. 

A ausência de qualquer um desses requisitos essenciais acarreta a nulidade absoluta do negócio jurídico, o que significa que ele não produzirá efeitos legais desde a sua origem (é nulo de pleno direito). 

 

*     Abordagens filosóficas do Direito

·       Jusnaturalismo – defende a existência de um direito superior, baseado em princípios morais ou de justiça universal, que deve ser a base para a validade das leis positivas. Para os jusnaturalistas, uma norma injusta não seria considerada verdadeiro direito.

Historicamente, o jusnaturalismo moderno tendeu a focar em liberdades individuais formais, mostrando-se, por vezes, inerte diante das crescentes desigualdades econômicas e sociais, o que pode frustrar demandas por justiça social substantiva. 

 

·       Juspositivismo ou  Positivismo Jurídico - define o Direito como o conjunto de normas formalmente válidas e emanadas pelo Estado, independentemente de considerações morais intrínsecas. Essa abordagem enfatiza a segurança jurídica, a previsibilidade das relações sociais e a estabilização das instituições democráticas por meio da aplicação consistente de regras claras e estabelecidas (o "Direito posto"). 

Uma aplicação estrita pode levar a um formalismo que ignora as desigualdades materiais, aplicando a lei de forma cega, o que, na prática, beneficia as classes dominantes (estruturas de poder que já existem) e frustra as demandas por redistribuição ou reconhecimento substantivo, negligenciando as desigualdades sociais.

·       Pós-positivismo – é uma corrente do pensamento jurídico que reconhece a importância das normas positivadas (leis), mas argumenta que a aplicação do Direito não pode se limitar apenas a elas. Ele defende uma interpretação mais ampla e contextualizada, que incorpora: valores, princípios e a ponderação (casos complexos).

A principal crítica à aplicação excessivamente livre do pós-positivismo é que a flexibilização das normas-regras em favor dos princípios pode levar à imprevisibilidade das decisões judiciais. 

 

·       Teoria Marxista do Direito – o Direito é visto como parte da superestrutura social, que reflete e legitima a infraestrutura econômica (as relações de produção). Ele serve como um instrumento ideológico nas mãos da classe dominante (burguesia) para manter o controle, perpetuar as desigualdades sociais e proteger a propriedade privada, o que, em última análise, favorece a hegemonia de determinados grupos em detrimento da classe trabalhadora (proletariado). 

Direciona a ação social para a superação do sistema capitalista como um todo, em vez de buscar a melhoria das condições dentro do sistema legal existente, o que pode levar a um impasse político no curto prazo. 

 

*      A natureza e o objeto de estudo do Direito 

O Direito se manifesta como norma (dogmática), fato social (sociologia) e valor (filosofia). A ciência jurídica debate a validade, vigência e eficácia das normas através dessas lentes.

A função do Direito, sob a ótica da interdependência sistêmica, não isola uma dimensão em detrimento das outras, mas as vê como componentes essenciais e interdependentes de um sistema jurídico que busca a ordem, a justiça e a adaptação social contínua. Destaque-se:

·        A complexidade do Direito para além das normas.

·        A atuação do Direito em múltiplas dimensões: como fato social (fática), como valor (valorativa) e como norma (normativa).

·        A função do Direito na mediação de conflitos, proteção de direitos, promoção da justiça social e regulação econômica (regulação social, justiça distributiva, equilíbrio de mercado).

·        O Direito como instrumento contínuo de adaptação e transformação (ordenamento jurídico adaptável).

 

*     Hermenêutica jurídica abordagens:

·       Gramatical - promove a segurança jurídica e a previsibilidade, pois restringe o arbítrio do intérprete ao texto expresso da norma. No entanto, frequentemente, o sentido literal é insuficiente ou ambíguo, não capturando a complexidade das situações da vida real, que demandam ponderação. 

·       Lógica - ajuda a identificar a estrutura lógica subjacente da lei e a intenção racional do legislador (a mens legis), preenchendo lacunas ou resolvendo contradições aparentes no texto legal. Focar apenas na lógica interna do sistema pode ignorar a realidade social e as consequências práticas da aplicação da norma, resultando em decisões que, embora logicamente coerentes, são socialmente indesejáveis. 

·       Teleológica - concentra-se na finalidade social ou no objetivo da norma, buscando o bem jurídico que ela visa proteger. Permite que o Direito se adapte às mudanças sociais e garanta que a lei cumpra seu propósito, mesmo que o texto original seja limitado. Pode abrir margem para um alto grau de subjetividade, pois a determinação da "finalidade social" pode variar entre diferentes intérpretes. 

·       Axiológica - orienta-se pelos valores e princípios éticos fundamentais do ordenamento jurídico, como a justiça, a igualdade, a dignidade da pessoa humana e a razoabilidade. A interpretação axiológica é altamente dependente da visão de mundo do intérprete e pode levar a decisões imprevisíveis se não for ancorada em princípios constitucionais claros.

 

*     Antinomia e lacuna da lei

Para resolver antinomias (conflitos entre normas), usam-se principalmente três critérios objetivos: Hierárquico (norma superior prevalece), Cronológico (lei posterior revoga a anterior) e de Especialidade (lei especial prevalece sobre a geral). Frequentemente, um quarto critério, o da Norma Mais Benéfica, é aplicado em áreas como Direito Penal, favorecendo a parte mais fraca. Às vezes, pode ser necessário utilizar mais de um critério conjugado.

hierarquia das normas sempre prevalece sobre os outros critérios. Ela é fundamental para a organização jurídica e a resolução de antinomias, pois estabelece a coerência, a estabilidade e a validade do sistema legal. Inspirada na teoria de Hans Kelsen (a "Pirâmide de Kelsen"), essa estrutura define a supremacia da Constituição Federal sobre todas as outras normas, criando um sistema hierarquizado no qual as normas inferiores retiram sua validade das superiores. 

Tipos de Antinomia

  • Antinomia Aparente: Conflito que pode ser resolvido pela aplicação dos critérios acima (o mais comum).
  • Antinomia Real: Conflito lógico verdadeiro, onde não há solução objetiva, exigindo uma decisão judicial para escolher qual norma aplicar, por exemplo, pela via da ponderação de princípios

 Lacuna na lei deve ser resolvida: O artigo 4º da LINDB estabelece a ordem dos critérios a serem aplicados pelo juiz quando a lei for omissa: analogia, costumes e princípios gerais de direito. 

 

*     Aplicação do Direito

O Direito não é um sistema fechado e autossuficiente, mas sim um ordenamento que se nutre de princípios morais e éticos. Muitas vezes, há tensão entre a legalidade formal e a justiça material, pois mesmo com a conformidade legal literal, as consequências indiretas de um sistema podem ferir princípios éticos e morais fundamentais, como a equidade e a justiça social.

Assim, deve-se:

1.     Ir Além da Literalidade: Evita a subsunção mecânica da norma ao fato, reconhecendo que a "letra da lei" pode não ser suficiente para abranger todas as complexidades da realidade social, especialmente em cenários novos.

2.     Utilizar Vetores Axiológicos: Ancorar a interpretação nos princípios constitucionais da dignidade humana e da equidade (princípios éticos e morais incorporados ao Direito) fornece a base necessária para uma aplicação justa, mesmo quando a lei específica é omissa ou insuficiente em face de novos desafios.

3.     Promover a Justiça Material: Busca um resultado que seja efetivamente justo na prática ("justiça material"), em oposição a uma mera conformidade formal que perpetua iniquidades indiretas.

4.   Manter a Estabilidade Jurídica: Diferente de ignorar o ordenamento jurídico ou buscar soluções puramente políticas, esta abordagem propõe uma interpretação dentro e a partir do próprio sistema jurídico, utilizando seus princípios hierarquicamente superiores para orientar a aplicação das normas inferiores.

 

*     Análise da Consistência da Abordagem Probatória

·       Em um litígio complexo, a eficácia da prova reside na sua capacidade de construir uma narrativa coesa e irrefutável que demonstre a conexão causal entre a conduta e o resultado. Há a necessidade de:

  1. Integração e Correlação: O ponto central não é a mera apresentação de provas isoladas, mas a articulação de diferentes tipos de evidências (documentos, perícias, testemunhos) de forma a se complementarem e formarem uma cadeia lógica e robusta.
  2. Demonstração do Nexo Causal: A prova precisa ir além da existência dos fatos e estabelecer claramente a relação de causa e efeito (conexão causal) entre os atos alegados e o resultado.
  3. Conformidade Legal: A abordagem deve aderir aos requisitos legais de validade e pertinência, garantindo a admissibilidade formal e o peso decisório das provas perante o julgador.

É uma falha focar em elementos isolados (apenas documentos, apenas perícias) ou sugerir abordagens que não constroem uma cadeia lógica e integrada de evidências, o que comprometeria a robustez necessária para convencer o julgador em um cenário de alta complexidade.

 

·       A consistência lógica da prova em um ato jurídico, que determina sua validade argumentativa e capacidade de sustentar uma pretensão, depende da sua capacidade de construir uma narrativa fática robusta e juridicamente sustentável, garantindo a segurança jurídica e a justiça da decisão. 

 A validade formal (legalidade) é um pressuposto para a admissão da prova, mas não garante, por si só, sua força argumentativa ou capacidade de convencer o juiz sobre os fatos alegados.

A pertinência aos fatos é essencial, mas a eficácia plena depende de como essa prova se conecta logicamente à tese jurídica e sustenta a pretensão de forma coerente.

A licitude é um requisito de validade constitucional da prova, sem o qual ela é ilícita e não pode ser usada no processo, mas, assim como a formalidade, não é o único determinante de sua força persuasiva.

O volume de provas pode ajudar, mas a qualidade, a coerência lógica e a capacidade de persuasão são mais importantes do que a quantidade. Uma única prova robusta e bem conectada logicamente à tese pode ser mais eficaz do que várias provas fracas ou irrelevantes. 

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