domingo, 13 de novembro de 2011

Da relação de consumo


Considerando as noções exaradas, tem-se que a noção do que seja uma relação jurídica mostra-se de fundamental importância para o entendimento do espectro de abrangência de qualquer norma.

Nesse sentido, as palavras de Miguel Reale [09] são proverbiais, ao explicar que:
(...) as normas jurídicas projetam-se como feixes luminosos sobre a experiência social: e só enquanto as relações sociais passam sob a ação desse facho normativo, é que elas adquirem o significado de relações jurídicas. (...) Quando uma relação de homem para homem se subsume ao modelo normativo instaurado pelo legislador, essa realidade concreta é reconhecida como sendo relação jurídica.
Assim, ao se buscar fixar o alcance das normas jurídicas é necessário verificar e analisar os componentes da respectiva relação jurídica que nela se subsumem; notadamente quando ocorre um concurso aparente de normas.

E nesse sentido, quanto a determinação do âmbito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, o próprio diploma normativo, em seu artigo de abertura propugna pela proteção e a defesa do consumidor, estatuindo normas de ordem pública nesse aspecto, em atendimento ao imperativo constitucional, conforme determinam os Arts. 5º, XXXII, e 170, V, da Constituição Federal.

Nesse diapasão, o Código de Defesa do Consumidor, em seus artigos 2º e 3º, trata da conceituação do que, para os seus efeitos, vêm a ser consumidor, fornecedor, produtos e serviços.

Assim, verifica-se que a primeira preocupação do legislador fora a de estabelecer parâmetros para a identificação dos componentes da relação jurídica de consumo, do qual trata primordialmente a lei sob comento.

Nesse sentido, Celso Marcelo de Oliveira [10], buscando evidenciar as hipóteses dos atos jurídicos de consumo, explica que:
A partir das definições, pode-se propor uma classificação tripartida para os atos jurídicos de consumo - para a qual em muito contribui a experiência vinda da divisão clássica do direito privado brasileiro e as construções doutrinárias desenvolvidas no seu âmbito para a tipificação dos atos de comércio -, a saber: I – Os atos de consumo próprios ou por essência: são os atos de consumo por excelência, de regra praticados pelo consumidor nas pontas finais da cadeia de circulação dos produtos e serviços; II – Os atos de consumo por acessão ou dependência: são os atos de consumo próprio praticados pelos fornecedores para a viabilização do seu empreendimento e alavancagem das atividades da sua agência produtora de consumo, no fluxo circulatório de bens nos setores primário, secundário e terciário da economia; III- Os atos de consumo por força de lei: são os atos de consumo objetivos, cujas relações jurídicas são submetidos mandatoriamente, por força de lei, à disciplina regulatória - direta ou incidental - do Código de Defesa do Consumidor e seus consectários normativos, independentemente da qualificação ou funcionalidade dos sujeitos envolvidos na relação jurídica
Nesse sentido, partindo-se da premissa de que a relação jurídica é composta por um sujeito ativo - assim entendido como o beneficiário da norma -, um sujeito passivo - aquele sobre o qual incidem os deveres impostos pela norma -, um objeto - que se identifica com o bem sobre o qual recai o direito -, e um "fato propulsor" - assim considerado como o tipo de vínculo que liga o sujeito ativo ao sujeito passivo -, deve-se analisar a relação de consumo sob o ponto de vista de cada um de seus componentes. Desse modo tem-se, o consumidor, o fornecedor, o produto ou serviço, e o seu fato propulsor, seja ele de natureza contratual ou extracontratual.

Em prosseguimento, uma vez identificados os elementos componentes da relação jurídica de consumo, poder-se-á, com clareza, mensurar a "ação do facho normativo" da Lei 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor.

Ademais, vale ressaltar que a utilidade da correta identificação dos elementos componentes da relação jurídica de consumo prende-se, também, à necessidade da observância do princípio da legalidade previsto no Art. 5º da Constituição Federal, considerando ser, o Código de Defesa do Consumidor, um estatuto multidisciplinar, definindo em seu bojo inclusive tipos criminais, a par de regras de comportamento mais gravosas em cotejo com as estabelecidas pelo Código Civil e pelo Código Comercial.

Nesse diapasão, as relações de consumo são as relações jurídicas por excelência, as quais envolvem sempre, basicamente, duas partes bem definidas.

Como primeira parte, uma relação tendo como vértices, de um lado um adquirente de um produto ou serviço (consumidor); de outro o fornecedor ou vendedor de um produto ou serviço (produtor/fornecedor).
Desse modo, Newton De Lucca, citando Alberto do Amaral Jr, pondera que:
(...) por exemplo, em trabalho que merece ser citado à exaustão pelos estudiosos do direito do consumidor no Brasil, parece identificar ambos os conceitos ao afirmar que "a relação de consumo não se verifica entre simples particulares e que os produtos e serviços de que trata devem ser colocados no mercado por um sujeito no exercício de sua atividade empresarial [11].
Como segunda parte, tem-se o objeto destinado a satisfação de uma necessidade privada do consumidor.
Portanto, o Código de Defesa do Consumidor fora criado para disciplinar as relações de consumo em geral.
Portanto, para aferir com precisão a existência de uma relação de consumo, é indispensável ter conhecimento prévio de dois conceitos fundamentais, necessários para se identificar tal relação, quais sejam: consumidor e fornecedor.
SIMÕES, Alexandre Gazetta. Apontamentos sobre a caracterização da relação de consumo. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3055, 12 nov. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20425>

Do âmbito de incidência do Código de Defesa do Consumidor

O Direito do Consumidor está adstrito à atividade econômica.

Nesse sentido, como atividade econômica, na acepção de Eros Roberto Grau [04]: "compreende tudo aquilo que possa ser objeto de especulação lucrativa".

Por sua vez, a atividade econômica está ligada ao mercado. E quanto ao conceito de mercado, em sua existência concreta, Rizatto Nunes [05] explica que:
O mercador é uma ficção econômica, mas também é uma realidade concreta. Como dissemos, ele pertence à sociedade. Não é da propriedade, posse ou uso de ninguém em particular e também não é exclusividade de nenhum grupo específico. A existência do mercado é confirmada por sua exploração diuturna concreta e histórica. Mas essa exploração não pode ser tal que possa prejudicar o próprio mercado ou a sociedade.
Portanto, como "bem de uso comum do povo", a exploração do mercado é livre.

Esse é o sentido apontado pela Constituição Federal, a qual assegura a todos o livre exercício da atividade econômica.

No entanto, isso não se dá de forma incondicionada. É necessário asseverar, a partir do texto constitucional, que existem ditames a serem seguidos.

Portanto, o artigo 170 da Constituição Federal lista nove princípios gerais, assentando a atividade econômica em bases éticas e impingindo ao Empresário, responsabilidade social.

Entre os referidos princípios, encontra-se o da defesa do consumidor.

Nesse sentido, abordando essa conformação conceitual entre a atividade econômica e a proteção e defesa do consumidor, Antonio Jeová Santos [06] explica que:
Atílio Alterini parte do princípio de que é estatutário o regime jurídico de defesa do consumidor e adverte que, em se tratando de estatuto, há uma via de mão dupla, posto que podem ser diluídos os efeitos da incorporação ao direito comum de princípios mercantis. Assim, por exemplo, a exigência de auto-regulação dos comerciantes é contida pela expansão das regulamentações do contrato para cuidar dos interesses do consumidor; a máxima liberdade de formas tem como contrapartida certo renascimento do formalismo tendente à devida informação dos particulares; a celeridade do comércio é limitada pela existência de contratos nos quais a lei põe o consentimento em marcha lenta como uma proteção contra as tentações.
E não é só, no mesmo texto constitucional, em seu artigo 5º, XXXII, a Constituição Federal, dentre os deveres impostos ao Estado Nacional, estabelece o de promover, na forma da lei, a defesa do consumidor.

Portanto, por disposição do texto constitucional, veio a lume o Código de Defesa do Consumidor, o qual mais que uma lei, em uma acepção que se fia a uma sistematização de normas correlatas ao objeto de proteção, buscou uma feição principiológica, com um viés epistemológico e instrumental.

Nesse sentido, evidenciando tal faceta do diploma consumerista, José Geraldo Brito Filomeno [07] pondera que: "A novel "Ciência Consumerista", muito mais do que um conjunto de normas e princípios que regem a tutela dos consumidores de modo geral, direciona-se à implementação efetiva de instrumentos que os coloquem em prática".

E prossegue, concluindo que [08]:
Por isso mesmo é que o Código de Defesa do Consumidor, como se verá em passos seguintes, muito mais do que um corpo de normas, é um elenco de princípios epistemológicos e instrumental adequado àquela defesa. E, em última análise, cuida-se de um verdadeiro exercício de cidadania, ou seja, a qualidade de todo ser humano, como destinatário final do bem comum de qualquer Estado, que o habilita a ver reconhecida toda a gana de seus direitos individuais e sociais, mediante tutelas adequadas colocadas à sua disposição pelos organismos institucionalizados, bem como a prerrogativa de organizar-se para obter esses resultados ou acesso àqueles meios de proteção e defesa.
Assim, com a vigência do Código do Consumidor, passou-se a questionar o seu âmbito de incidência, considerando a sua concomitante existência com o Código Civil e do Código Comercial.

Ocorre que o âmbito de incidência do Código de Defesa do Consumidor está adstrito à proteção do consumidor, pressupondo uma relação jurídica desigual, ante a concepção da idéia de vulnerabilidade do consumidor, princípio estampado no artigo 4º, I, do diploma consumerista.

Ou seja, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor busca essencialmente a proteção do consumidor das ações predatórias do mercado de consumo, preceituando, para tanto, uma série de determinações protetivas, que normatizam a atividade econômica, impondo deveres, em grande medida, ao fornecedor.

Portanto, fora desse paradigma contextual, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor em uma relação jurídica de natureza cível ou mercantil mostra-se destituída de propósito, e representa, em última análise, a normatização do injusto.


SIMÕES, Alexandre Gazetta. Apontamentos sobre a caracterização da relação de consumo. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3055, 12 nov. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20425>

O neoconstitucionalismo

Essa nova "ideia" de se interpretar a Constituição podemos chamar de "neoconstitucionalismo" [27], que, numa breve explicação, é a teoria que repensa a teoria da norma, da interpretação e das fontes, superando o positivismo, a fim de que se realize transformações teóricas e práticas, ligando-as a uma base integradora do direito. Integradora porque não se separa da política, como visto acima, não renegando os aspectos morais, éticos e culturais da sociedade. [28]

Esse novo modo de pensar a Constituição é preocupado com o intérprete ciente de tudo o que se passa no mundo dos fatos e do direito, não se esquecendo, pois, da relação benéfica do direito com a moral e com a política, que são direcionadas por uma "preocupação de um direito avaliado por critérios de coerência e de proporcionalidade; com o direito exposto por uma sólida teoria da argumentação." [29]

Diante de tal substrato jurídico, o intérprete tem que estar atento às implicações de suas interpretações diante das normas constitucionais. É cediço que o Poder Judiciário é, por natureza, um poder que toma decisões contramajoritárias e que, por isso, suas decisões não se revestem de caráter legítimo-democrático, mas sim de cunho legítimo-argumentativo.

O perigo que se vislumbra é uma eventual ditadura do Poder Judiciário, que a faz ao extrapolar todas as suas competências constitucionais, mas por meio da própria Constituição, ao que podemos denominar de totalitarismo constitucional.

À baila do assunto, CEZAR SALDANHA SOUZA JUNIOR aduz que:
As constituições não podem, nem devem, pretender substituir, julgar ou mesmo abafar as legislações, nem estas a juízes realmente juízes. Práticas e doutrinas com tal pretensão seriam verdadeiras monstruosidades totalitárias, a subverter a dignidade humana (fundamento de todo o direito) e a distorcer os valores fundamentais do ordenamento jurídico (as autênticas aspirações da dignidade humana, finalidades de todo o direito). [30]

TAVARES, Aderruan Rodrigues. Abram-se as cortinas: o intérprete e o ato normativo. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3055, 12 nov. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20411>.

A prescrição e a decadência na Teoria Geral do Direito Civil

Segundo tal corrente de pensamento da dogmática civil (a que se filia este trabalho), a prescrição — sumarizam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho — consiste na "perda de pretensão de reparação do direito violado, em virtude da inércia do seu titular, no prazo previsto pela lei" [51]. A pretensão corresponde ao "poder de exigir de outrem coercitivamente o cumprimento de um dever jurídico", ou seja, "é o poder de exigir a submissão de um interesse subordinado (do devedor da prestação) a um interesse subordinante (do credor da prestação) amparado pelo ordenamento jurídico" [52]. O direito a uma prestação visa a "um bem da vida a conseguir-se mediante uma atividade (prestação) — positiva ou negativa — a que está submetida um sujeito passivo (devedor)" [53].

Por outro lado, de acordo com a referida linha de raciocínio, a decadência traduz a "perda efetiva de um direito potestativo, pela falta de seu exercício, no período de tempo determinado em lei ou pela vontade das próprias partes" [54], e o direito potestativo consubstancia um direito sem pretensão ou sem prestação [55] (suscita no polo passivo "apenas um estado de sujeição" [56]), por meio do qual "determinadas pessoas podem influir, com uma declaração de vontade, sobre situações jurídicas de outras" [57], sendo possível a "exigência judicial no caso de resistência" [58].

À luz do pensamento de Francisco Amaral [59], na prescrição "um direito (pretensão) nascido e efetivo [...] pereceu pela falta do exercício da ação contra a violação sofrida" e, em contraste, na decadência houve "um direito que, embora nascido, não se tornou efetivo pela falta de exercício".

Complementa Humberto Theodoro Júnior, ao pontuar que a "prescrição faz extinguir o direito de uma pessoa a exigir de outra uma prestação (ação ou omissão), ou seja, provoca a extinção da pretensão, quando não exercida no prazo definido em lei", e, de outra banda, a decadência fulmina o direito de se sujeitar dada pessoa "a um estado jurídico que o titular do direito potestativo cria sem a necessidade do concurso da vontade ou de qualquer atitude do destinatário da declaração unilateral de vontade" [60].

A prescrição e a decadência não se confundem com preclusão nem com perempção. Recorda Gonçalves [61]: enquanto a preclusão consubstancia a perda de determinada faculdade processual, em virtude de não ter sido exercida, por seu titular, no momento devido da marcha do processo, a perempção espelha a perda do direito de ação, em face da contumácia do autor da actio, ao dar causa a três arquivamentos sucessivos, na exata inteligência do art. 268, parágrafo único, 1ª parte, do Código de Processo Civil [62].

Em suma, no âmbito da Teoria Geral do Direito Civil, a prescrição é a perda, por decurso do prazo legal, do poder de determinada pessoa de exigir uma dada prestação (negativa/omissiva ou positiva/comissiva) de outrem, em virtude deste (o obrigado ou o devedor) ter deixado de adimpli-la e, assim, acarretado a violação do direito material daquele (o credor) e o consequente nascimento da pretensão do credor de impor ao devedor, por meio do Poder Público (na esfera judicial ou administrativa [63], a depender de cada disciplina legal e circunstância fática), o cumprimento da prestação até então inadimplida, ao passo que a decadência (também chamada de caducidade [64]) exprime o momento em que se exaure o prazo legal ou infralegal [65] para se efetivar o direito de influenciar a esfera jurídica alheia ou de nela estabelecer modificações, por intermédio de atos unilaterais e sem que exista no polo passivo um "dever correspondente, apenas uma sujeição" [66].

Já na Teoria Geral do Direito Administrativo, ensina Carvalho [67], enquanto a prescrição constitui "a perda da pretensão de uma das partes da relação jurídico-administrativa", em face da sua inércia (por não ter exigido "a reparação do direito subjetivo violado pelo devedor" durante o prazo estabelecido pelo ordenamento jurídico), a decadência administrativa corresponde à "perda do prazo fixado na ordem jurídica para o exercício do direito potestativo lhe reconhecido em razão da supremacia do interesse público, o que implica perecimento do próprio direito".

FROTA, Hidemberg Alves da. A natureza jurídica do prazo para o exercício do poder disciplinar da Administração Pública. Considerações sobre a prescrição e a decadência na Teoria Geral do Direito Administrativo e do Direito Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3055, 12 nov. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20388>.