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quinta-feira, 27 de outubro de 2011
Responsabilidade objetiva e subjetiva
Saiu na Folha do dia (20/04/10):
O IML (Instituto Médico Legal) de Goiânia confirmou ontem que o pedreiro Ademar Jesus da Silva, 40, morreu enforcado, mas espera um exame para saber se foi suicídio.
Acusado de estuprar e matar seis jovens em Luziânia (GO), ele foi achado morto domingo na cela onde estava isolado, na Delegacia de Repressão a Narcóticos de Goiânia. Ele foi preso no dia 10 em Luziânia e levado para a capital goiana por segurança.
O gerente do IML, Décio Marinho, disse que, embora as lesões no pescoço não indiquem agressão de outra pessoa, o Instituto de Criminalística fará exame toxicológico para verificar se Silva não foi drogado.
A Corregedoria da Polícia Civil ouvirá hoje os dois policiais de plantão no momento da morte. A Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa quer investigar se houve negligência policial.”
Vamos falar um pouco mais sobre esse caso e sobre a responsabilidade do Estado e dos servidores.
Como vimos ontem, o Estado é responsável pela integridade física daquele que está sob sua custódia. Porém, os servidores púbicos envolvidos também podem ser responsáveis se agiram com dolo ou culpa. A responsabilidade do Estado e de seus agentes pode ser solidária. Neste caso, o servidor torna-se responsável se deixou o fato acontecer, enquanto o Estado é responsável porque ele falhou em sua responsabilidade de escolher as pessoas certas para agir em seu nome e depois vigiá-las (o que chamamos de culpa in eligendo e culpa in vigilando. A culpa na escolha e na vigília das pessoas que trabalha para você).
Não sei se será o caso aqui (caberá à Justiça decidir), mas é importante sabermos que, em muitos casos o Estado não é responsável apenas quando seu servidor age com dolo ou culpa. É o que chamamos responsabilidade objetiva. Ou seja, em muitos casos não cabe saber se seus agentes agiram com dolo (quiseram causar o resultado) ou culpa (foram negligentes, imprudentes ou imperitos): basta a relação causal. Relação causal é o vinculo entre uma ação (ou omissão) e a consequência: foi aquela ação ou omissão que gerou aquela consequência. É o q se entende lendo os artigos 43 e 927 de nosso Código Civil:
"Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo."
(Aliás, muito parecido com o que a Constituição fala no artigo 37: "§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.")
"Art. 927 - Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem."
Repare que as partes em negrito dão a entender que Estado é responsável mesmo que ele tenha feito tudo que era necessário para proteger o direito alheio. Novamente: na responsabilidade direta não importa se houve culpa ou dolo do servidor público: o Estado é responsável pelo que aconteceu.
Se lermos a segunda parte do mesmo artigo 43 ("ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo"), vemos que o servidor, por outro lado, só é responsabilizado se agiu com dolo ou culpa (ou seja, se quiseram causar o resultado, ou foram imprudentes, negligentes ou imperitos). O Estado só tem direito de regresso contra seus servidores se eles agiram com dolo ou culpa. Se os servidores públicos agiram com dolo ou culpa, o Estado terá de ressarcir quem sofreu o dano, e depois terá direito de cobrar de seu servidor o que foi forçado a pagar à vitima do dano.
Isso porque os servidores públicos têm o que chamamos de responsabilidade subjetiva (só respondem se agiram com dolo ou culpa), enquanto o Estado tem a responsabilidade objetiva (responde pelo fato ter ocorrido, não importando se seus servidores tomaram todo o cuidado possível para prevenir o dano).
Parece estranho, não? Isso ocorre por causa de algo que chamamos em juridiquês de teoria do risco. A teoria do risco nada mais é do que a seguinte lógica transformada em lei: algumas pessoas (no caso, o Estado) assume um risco exercendo determinadas atividades que lhe geram proveitos ou lucro. Se esses riscos se materializam, essa pessoa (e.g., o Estado) passa a ser responsável pelos danos ocasionados. Exceto se o dano for ocasionado por força maior ou por culpa exclusiva da vítima do dano. E foi por isso que eu disse que não poderia dizer se, no caso da matéria acima, haverá culpa direta ou não. Caberá à Justiça decidir se a culpa é somente da pessoa que cometeu o suicídio.
Fonte: http://direito.folha.com.br/1/category/culpa%20in%20eligendo/1.html
O IML (Instituto Médico Legal) de Goiânia confirmou ontem que o pedreiro Ademar Jesus da Silva, 40, morreu enforcado, mas espera um exame para saber se foi suicídio.
Acusado de estuprar e matar seis jovens em Luziânia (GO), ele foi achado morto domingo na cela onde estava isolado, na Delegacia de Repressão a Narcóticos de Goiânia. Ele foi preso no dia 10 em Luziânia e levado para a capital goiana por segurança.
O gerente do IML, Décio Marinho, disse que, embora as lesões no pescoço não indiquem agressão de outra pessoa, o Instituto de Criminalística fará exame toxicológico para verificar se Silva não foi drogado.
A Corregedoria da Polícia Civil ouvirá hoje os dois policiais de plantão no momento da morte. A Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa quer investigar se houve negligência policial.”
Vamos falar um pouco mais sobre esse caso e sobre a responsabilidade do Estado e dos servidores.
Como vimos ontem, o Estado é responsável pela integridade física daquele que está sob sua custódia. Porém, os servidores púbicos envolvidos também podem ser responsáveis se agiram com dolo ou culpa. A responsabilidade do Estado e de seus agentes pode ser solidária. Neste caso, o servidor torna-se responsável se deixou o fato acontecer, enquanto o Estado é responsável porque ele falhou em sua responsabilidade de escolher as pessoas certas para agir em seu nome e depois vigiá-las (o que chamamos de culpa in eligendo e culpa in vigilando. A culpa na escolha e na vigília das pessoas que trabalha para você).
Não sei se será o caso aqui (caberá à Justiça decidir), mas é importante sabermos que, em muitos casos o Estado não é responsável apenas quando seu servidor age com dolo ou culpa. É o que chamamos responsabilidade objetiva. Ou seja, em muitos casos não cabe saber se seus agentes agiram com dolo (quiseram causar o resultado) ou culpa (foram negligentes, imprudentes ou imperitos): basta a relação causal. Relação causal é o vinculo entre uma ação (ou omissão) e a consequência: foi aquela ação ou omissão que gerou aquela consequência. É o q se entende lendo os artigos 43 e 927 de nosso Código Civil:
"Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo."
(Aliás, muito parecido com o que a Constituição fala no artigo 37: "§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.")
"Art. 927 - Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem."
Repare que as partes em negrito dão a entender que Estado é responsável mesmo que ele tenha feito tudo que era necessário para proteger o direito alheio. Novamente: na responsabilidade direta não importa se houve culpa ou dolo do servidor público: o Estado é responsável pelo que aconteceu.
Se lermos a segunda parte do mesmo artigo 43 ("ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo"), vemos que o servidor, por outro lado, só é responsabilizado se agiu com dolo ou culpa (ou seja, se quiseram causar o resultado, ou foram imprudentes, negligentes ou imperitos). O Estado só tem direito de regresso contra seus servidores se eles agiram com dolo ou culpa. Se os servidores públicos agiram com dolo ou culpa, o Estado terá de ressarcir quem sofreu o dano, e depois terá direito de cobrar de seu servidor o que foi forçado a pagar à vitima do dano.
Isso porque os servidores públicos têm o que chamamos de responsabilidade subjetiva (só respondem se agiram com dolo ou culpa), enquanto o Estado tem a responsabilidade objetiva (responde pelo fato ter ocorrido, não importando se seus servidores tomaram todo o cuidado possível para prevenir o dano).
Parece estranho, não? Isso ocorre por causa de algo que chamamos em juridiquês de teoria do risco. A teoria do risco nada mais é do que a seguinte lógica transformada em lei: algumas pessoas (no caso, o Estado) assume um risco exercendo determinadas atividades que lhe geram proveitos ou lucro. Se esses riscos se materializam, essa pessoa (e.g., o Estado) passa a ser responsável pelos danos ocasionados. Exceto se o dano for ocasionado por força maior ou por culpa exclusiva da vítima do dano. E foi por isso que eu disse que não poderia dizer se, no caso da matéria acima, haverá culpa direta ou não. Caberá à Justiça decidir se a culpa é somente da pessoa que cometeu o suicídio.
quarta-feira, 26 de outubro de 2011
A Justiça nem sempre decide quem está errado. Às vezes, é sobre quem está mais certo.
Saiu na Folha do dia (6/10/11):
“Conselho de medicina aprova ação contra Vigilância Sanitária
O plenário do CFM (Conselho Federal de Medicina) aprovou ontem a proposta levantada pela diretoria da entidade de acionar a Justiça contra a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A ação deve ser apresentada entre hoje e segunda-feira, segundo o conselho.
O motivo da contestação judicial é a decisão da agência de tirar do mercado inibidores de apetite do grupo das anfetaminas e derivados (mazindol, anfepramona e femproporex) (…)
O CFM considera que a restrição aos inibidores interfere de forma indevida na autonomia do médico na hora de escolher o melhor tratamento para os pacientes. Antes mesmo de a Anvisa bater o martelo, o CFM ameaçava levar o caso à Justiça”
Nessa questão, aparentemente tão simples, pode-se identificar um conflito básico e eterno das democracias:
Um dos princípios fundamentais dos regimes democráticos é que ninguém pode ser obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. É isto o que diz, literalmente, o inciso II do art. 5º. da Constituição. A idéia é clara: é somente através da lei, aprovada por representantes dos eleitores, livremente eleitos, que se manifesta a vontade daqueles que terão que se submeter às regras,. Com base na lei, e apenas com base na lei, é que as autoridades públicas podem proibir ou ordenar o que quer que seja; da lei, e unicamente da lei, lhes vem toda autoridade.
Mas a lei, em nosso sistema jurídico, é quase sempre geral e abstrata; estabelece regras e princípios mas, por sua própria natureza, não pode descer a pormenores. Não seria plausível, por exemplo, que fossem reguladas em lei, mesmo que leis municipais, coisas como em que trecho de uma rua é proibido estacionar. Uma lei, o Código de Trânsito, delega esse poder às autoridades do executivo municipal. É dessa lei que vem, indiretamente, a possibilidade de as prefeituras instalarem cada placa de trânsito em cada cidade do Brasil.
O mesmo fenômeno – obrigações e proibições estabelecidas em lei de forma indireta mas diretamente baseadas em decretos, portarias ou resoluções de agências do poder executivo – aparece em uma imensa multiplicidade de situações.
O caso concreto referido na matéria é uma dessas situações: um órgão vinculado ao governo federal – uma agência reguladora, a Anvisa tem por lei poder para controlar a área de saúde. No exercício desse poder, estabeleceu proibições e restrições ao uso de certas substâncias químicas. Formalmente o ato é legal. Compreende-se dentro das atribuições concedidas por lei à Agência. As limitações estabelecidas não podem, portanto, ser consideradas como violando a regra de que ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
Mas em toda delegação de poderes existe sempre uma limitação, expressa ou implícita. A própria lei que tem o poder de determinar que alguém faça ou deixe de fazer alguma coisa não pode contrariar outras normas constitucionais. Da mesma forma, os atos administrativos emitidos com base coerente em uma lei, não podem ser totalmente arbitrários. Têm que ser razoavelmente motivados e não podem ferir interesses legítimos.
E daí? Pode ou não a Anvisa estabelecer validamente as restrições que estabeleceu? Não é difícil perceber que existem argumentos de ambos os lados. A Agência, baseada em laudos de seus técnicos, diz que as substâncias mencionadas são lesivas ou perigosas à saúde. A classe médica, representada pelo Conselho Federal de Medicina, que é seu órgão supremo e também uma espécie de autarquia (mas com muito mais autonomia que a Anvisa), diz que o ato da agência interfere com a autonomia de escolher para os pacientes a medicação mais apropriada.
Quem terá razão? Não dá para saber, mas o Judiciário terá de decidir a questão (ainda que ela seja técnico-científica) e isso serve como exemplo de como o Judiciário muitas vezes tem de decidir não quem está certo ou errado, mas que está mais certo, decidindo conflitos que opõem princípios, posturas e interesses igualmente razoáveis .
“Conselho de medicina aprova ação contra Vigilância Sanitária
O plenário do CFM (Conselho Federal de Medicina) aprovou ontem a proposta levantada pela diretoria da entidade de acionar a Justiça contra a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A ação deve ser apresentada entre hoje e segunda-feira, segundo o conselho.
O motivo da contestação judicial é a decisão da agência de tirar do mercado inibidores de apetite do grupo das anfetaminas e derivados (mazindol, anfepramona e femproporex) (…)
O CFM considera que a restrição aos inibidores interfere de forma indevida na autonomia do médico na hora de escolher o melhor tratamento para os pacientes. Antes mesmo de a Anvisa bater o martelo, o CFM ameaçava levar o caso à Justiça”
Nessa questão, aparentemente tão simples, pode-se identificar um conflito básico e eterno das democracias:
Um dos princípios fundamentais dos regimes democráticos é que ninguém pode ser obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. É isto o que diz, literalmente, o inciso II do art. 5º. da Constituição. A idéia é clara: é somente através da lei, aprovada por representantes dos eleitores, livremente eleitos, que se manifesta a vontade daqueles que terão que se submeter às regras,. Com base na lei, e apenas com base na lei, é que as autoridades públicas podem proibir ou ordenar o que quer que seja; da lei, e unicamente da lei, lhes vem toda autoridade.
Mas a lei, em nosso sistema jurídico, é quase sempre geral e abstrata; estabelece regras e princípios mas, por sua própria natureza, não pode descer a pormenores. Não seria plausível, por exemplo, que fossem reguladas em lei, mesmo que leis municipais, coisas como em que trecho de uma rua é proibido estacionar. Uma lei, o Código de Trânsito, delega esse poder às autoridades do executivo municipal. É dessa lei que vem, indiretamente, a possibilidade de as prefeituras instalarem cada placa de trânsito em cada cidade do Brasil.
O mesmo fenômeno – obrigações e proibições estabelecidas em lei de forma indireta mas diretamente baseadas em decretos, portarias ou resoluções de agências do poder executivo – aparece em uma imensa multiplicidade de situações.
O caso concreto referido na matéria é uma dessas situações: um órgão vinculado ao governo federal – uma agência reguladora, a Anvisa tem por lei poder para controlar a área de saúde. No exercício desse poder, estabeleceu proibições e restrições ao uso de certas substâncias químicas. Formalmente o ato é legal. Compreende-se dentro das atribuições concedidas por lei à Agência. As limitações estabelecidas não podem, portanto, ser consideradas como violando a regra de que ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
Mas em toda delegação de poderes existe sempre uma limitação, expressa ou implícita. A própria lei que tem o poder de determinar que alguém faça ou deixe de fazer alguma coisa não pode contrariar outras normas constitucionais. Da mesma forma, os atos administrativos emitidos com base coerente em uma lei, não podem ser totalmente arbitrários. Têm que ser razoavelmente motivados e não podem ferir interesses legítimos.
E daí? Pode ou não a Anvisa estabelecer validamente as restrições que estabeleceu? Não é difícil perceber que existem argumentos de ambos os lados. A Agência, baseada em laudos de seus técnicos, diz que as substâncias mencionadas são lesivas ou perigosas à saúde. A classe médica, representada pelo Conselho Federal de Medicina, que é seu órgão supremo e também uma espécie de autarquia (mas com muito mais autonomia que a Anvisa), diz que o ato da agência interfere com a autonomia de escolher para os pacientes a medicação mais apropriada.
Quem terá razão? Não dá para saber, mas o Judiciário terá de decidir a questão (ainda que ela seja técnico-científica) e isso serve como exemplo de como o Judiciário muitas vezes tem de decidir não quem está certo ou errado, mas que está mais certo, decidindo conflitos que opõem princípios, posturas e interesses igualmente razoáveis .
O que é o tal do mandado de segurança que ouvimos com tanta frequência?

“Prefeitura vai fechar o Center Norte hoje
O Shopping Center Norte, que já constou no "Guiness Book" como o maior do Brasil, será interditado hoje, por tempo indeterminado. No início da noite de ontem, a Justiça cassou a liminar que impedia o fechamento do local, construído em área contaminada devido à presença de gás metano. O argumento da prefeitura é de que há risco de explosão (…)
A prefeitura decidiu interditar o centro de compras por precaução, contra a opinião de técnicos da Cetesb (agência ambiental do Estado).
Em uma reunião, a Cetesb foi cobrada a apresentar garantias de que não haveria nenhuma explosão no shopping center. Nenhum técnico quis assumir o risco. A partir disso, a prefeitura decidiu interditar o local.
O Center Norte, onde trabalham cerca de 6.000 pessoas, foi construído sobre um antigo lixão. A matéria orgânica do subsolo produz gás metano, inflamável.
Inaugurado em 1984, o shopping diz que faz medições diárias do nível de gás no local, mas as medidas adotadas para evitar explosões não foram suficientes, na avaliação da Cetesb.
Na semana passada, o shopping fechou acordo com o Ministério Público se comprometendo a instalar nove drenos dos gases em um prazo de 20 dias.
Após o acordo, o juiz Emílio Migliano Neto, da 7ª Vara da Fazenda Pública, concedeu liminar proibindo a prefeitura de interditar o local.
O juiz argumentou que no acordo não consta a necessidade de interdição - a Cetesb é contra o fechamento por considerar que o risco de explosão é apenas ‘potencial’, e não imediato. Ontem, às 17h15, o mesmo juiz extinguiu a ação e cassou a liminar. Migliano Neto considerou que o mandado de segurança, instrumento jurídico utilizado pelos advogados do shopping, não é adequado para esse tipo de pedido”
No último parágrafo o magistrado diz que o mandado de segurança não é o instrumento adequado para impedir o fechamento do shopping. Mas o que é o tal do mandado de segurança que ouvimos com tanta frequência?
Ele é um tipo de ação muito especial e simples que serve para proteger direitos quando eles são líquidos e certos. E essas são as duas coisas essenciais que faltaram no pedido feito pelo shopping da matéria acima. Mas o que significa um direito líquido e certo?
Direito certo é aquele que está bem definido. Por exemplo, se você tem uma conta no banco, seu direito de sacar o dinheiro que está lá é certo porque não há nenhuma dúvida de que o direito é seu.
Em outras palavras, o direito certo é aquele sobre o qual não cabe dúvida: temos certeza de que ele existe e a quem ele pertence.
Direito líquido é aquele que independe de qualquer outro evento ou ação. Por exemplo, se você passou em um concurso vestibular, formou-se no segundo grau e está com a documentação em dia, você tem o direito de se matricular. Não existe nenhum outro requisito que ainda precisa ser preenchido.
Em outras palavras, o direito líquido é aquele que pode ser exercício imediatamente.
No caso do shopping acima, o mandado de segurança é inadequado porque o direito do shopping permanecer aberto não é nem certo (porque, segundo a prefeitura, ele pode explodir) nem líquido (ele só permanecer aberto se os donos provarem que não há risco de explosão). Ora, se ainda há dúvidas se ele pode ou não permanecer aberto porque há dados científicos nos dois sentidos, não podemos dizer que não há dúvida a respeito da existência do direito do shopping de permanecer aberto. E sem certeza, não há mandado de segurança.
Existe um segundo termo técnico usado na matéria que pode causar confusão: a liminar. A liminar não é a mesma coisa que um mandado de segurança. Enquanto o mandado de segurança é um tipo de ação, a liminar é um tipo de pedido que pode existir dentro de qualquer ação, inclusive do mandado de segurança, como no caso da matéria acima.
Pense na seguinte analogia: o mandado de segurança é um tipo de veículo (por exemplo, um Fusca). A liminar é uma peça não essencial mas às vezes muito importante do veículo (por exemplo, um alarme). Todo Fusca pode ter um alarme (mas não precisa ter um para funcionar), mas o alarme pode estar em qualquer outro tipo de veículo.
E para que serve o pedido de liminar? Ele é um pedido feito para que o juiz dê uma ordem que impeça que algum dano irreparável aconteça antes de julgar o resto do caso. Mais uma analogia: pense que você e seu irmão estejam brigando por causa de um sorvete. Sua mãe irá decidir de quem é o sorvete, mas se ela não mandar guardar o sorveate no congelador até que ela decida que é o dono, ele irá derreter. A liminar é essa ordem para que o sorvete seja protegido até que sua mãe (a juíza) possa decidir quem de fato é o dono. Ela serve para proteger o direito de uma das partes quando ela parece ter direito ao que está pedindo (chamado em direito de ‘fumus boni iuris’) e convence o magistrado de que se ele não proteger aquele direito imediatamente, esse direito irá sofrer danos irreparáveis (o que os juristas chamam de ‘periculum in mora’).
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