A queda de braço entre o CNJ e algumas das associações de juízes segue e promete novos capítulos.
O capítulo atual teve inicio a numa entrevista da Corregedora do CNJ à Associação Paulista de Jornais (APJ), na qual ela criticou a Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela AMB, ação que questiona, e pretende esvaziar, os poderes do CNJ de punir juízes. À APJ a Ministra Eliana Calmon disse que a ADI é o "primeiro caminho para a impunidade da magistratura, que hoje está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga".
O presidente da AMB, Nelson Calandra, em outra entrevista demonstrou o viés corporativista presente na magistratura brasileira, o conteúdo de suas palavras revelam ignorância, pois "a legitimação da democracia passa pela dinâmica do debate público e não pode ser substituída pelos tribunais", com ensina José Joaquim Gomes Canotilho e a sociedade aprova e quer o CNJ com amplos poderes.
E tem mais. Segundo o jornalista Fábio Santos “a guerra deflagrada entre associações de juízes e a corregedoria do Conselho Nacional de Justiça revela o quanto o Judiciário brasileiro está dividido sobre o papel a ser desempenhado pelo CNJ. O conflito reforça a idéia, corrente na imprensa e na opinião pública, de que o poder é tomado pelo corporativismo e refratário a qualquer controle.”, li isso no site da Reuters Brasil.
Mas porque parcela do Poder Judiciário, representado por algumas de suas associações, é refratária “a qualquer controle”?
A inspiração para o controle externo nacional, como instituído pela EC 45/2004, vem dos modelos de países europeus, entre os quais mencionamos Portugal, país em que o órgão de controle existe desde 1976 e denomina-se Conselho Superior da Magistratura, e França, onde existiu o Conselho Nacional da Magistratura, composto não apenas de membros do Judiciário, extinto em 1994. Saliente-se que, em Portugal, a partir de 1997, o Conselho passou ser composto em sua maioria por não magistrados, provocando insatisfação entre os magistrados, o que, todavia, não impediu sua mantença nesses moldes.
O Judiciário, assim como os demais Poderes que compõem a estrutura estatal, sempre foi alvo de inúmeras críticas, que se tornaram ainda mais intensas nos últimos anos, por parte de uma sociedade cada vez mais descrente na sua eficiência, o que foi revelado por pesquisa da FGV recentemente.
Há muito tempo, a população clama por uma justiça mais célere e eficaz, tema constantemente debatido e estudado, o qual chega a ser tratado por doutrinadores e estudiosos do direito como “a crise do Judiciário”.
Essa realidade, aliada às denúncias de corrupção envolvendo membros do Poder Judiciário, tornou ainda mais intensa a reclamação por uma Justiça mais acessível, célere, transparente e próxima daqueles aos quais ela se destina, tornando, deste modo, a existência de um CNJ próximo do modelo que existe em Portugal é fundamental.
Assim foi publicada a Emenda Constitucional 45, em 31/12/2004, decorrente da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 96/1992 e foram introduzidas diversas modificações na estrutura do Poder Judiciário Essas modificações tiveram como objetivo dar maior celeridade processual e efetividade jurisdicional, e introduziu o chamado controle externo representado pelo órgão denominado Conselho Nacional de Justiça.
Mas o controle externo, que deveria ser comemorado como um avanço no quadrante da cidadania tornou-se um dos temas mais polêmicos e discutidos da reforma. Mas por quê?
A constitucionalidade do CNJ chegou a ser objeto de uma ADI por parte da Associação dos Magistrados Brasileiros. Ou seja, a AMB Judicializou um tema de natureza Política... Podemos afirmar que não é novidade o fato do CNJ causar significativa inquietação e indisfarçável incomodo a parcela dos magistrados e algumas de suas associações.
Há muito se trata do tema controle externo do Poder Judiciário. O Poder Judiciário, que por função compor conflitos de interesses em cada caso concreto, de modo que exerce a função jurisdicional, vital para o bom funcionamento do Estado Democrático de Direito e nessa linha é impossível deixar de reconhecer a repercussão, sobre o interesse público, de decisões judiciais sobre os temas mais variados, que incluem o valor de tarifas públicas, a definição das hipóteses legítimas de interrupção da gestação ou a definição dos poderes do Ministério Público na investigação criminal.
Inegável a importância da prestação jurisdicional, exercida exclusivamente pelos integrantes do Poder Judiciário. Mas seus membros não são eleitos democraticamente...
A investidura na função jurisdicional decorre de concurso público de provas e títulos, sem qualquer interferência popular, o que merece ser objeto de reflexão à luz do principio da máxima efetividade da soberania popular e justifica ainda mais a existência de um órgão atuante de controle externo.
E, após aprovação e superação do estágio probatório, os componentes deste Poder passam a ocupar cargos vitalícios. Isso mesmo o cargo é vitalício, ao contrário do que se verifica com relação aos Poderes Executivo e Legislativo, cujos membros são eleitos diretamente pela população, para mandatos por prazo determinado. Naturalmente que o fato de serem seus integrantes escolhidos pela sociedade, para o exercício de sua função por um período determinado, representa uma forma de controle popular sobre o Legislativo e Executivo, vez que, se não exercerem adequadamente suas atividades, poderão não mais ser eleitos – caberá à sociedade decidir. Contudo, embora igualmente seja um Poder Estatal, cujas atividades, da mesma forma, destinam-se à coletividade, os membros do Poder Judiciário não estavam sujeitos a essa forma de controle externo até a EC 45/2004.
A possibilidade de instalação de um órgão específico para este fim de exercer controle externo sobre o Poder Judiciário foi suscitada na época da Constituinte (1986-1988) pelo então deputado Nelson Jobim, com o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil, entidade que sempre se mostrou favorável ao controle. No entanto, sempre se discutiu a melhor forma de se efetivá-lo, especialmente se com a participação exclusiva de magistrados ou não, idéias que se tornaram mais acirradas em determinados contextos sociais, ou seja, o corporativismo das associações de magistrados mostra-se presente e refratário ao controle externo desde a constituinte.
Em virtude do assassinato do juiz titular da 2ª Vara de Família e Sucessões de Cuiabá, Dr. Leopoldino Marques do Amaral, autor de denúncias sobre o envolvimento de membros do Judiciário em corrupção, ocorrido em 05/09/1999 chegou-se a cogitar a edição de uma Emenda Constitucional, independentemente do projeto de Reforma do Judiciário então em trâmite, especificamente para o fim de ser instalado o então denominado Conselho Nacional da Magistratura. Contudo, o projeto, embora levado ao presidente do Senado na época, Antonio Carlos Magalhães, pelo presidente da OAB, Dr. Reginaldo de Castro, não foi adiante.
Considerando as reflexões expostas, pode-se concluir que o fortalecimento do CNJ como órgão encarregado de fiscalizar o Poder Judiciário, com a participação da sociedade e de membros de instituições indispensáveis à administração da justiça, revela-se imperioso, de forma a colaborar para o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, do próprio Poder Judiciário e das instituições. O CNJ tem natureza moderna e nele hoje repousa a esperança de a nação poder voltar a confiar e orgulhar-se do Poder Judiciário.
Evidentemente a separação dos poderes foi preservada, na medida em que o CNJ é um órgão pertencente ao próprio Judiciário, cuja composição híbrida tem como objetivo combater o corporativismo, pelo que acaba sendo viciado o controle exclusivamente interno, o qual tem se mostrado cada vez mais ineficiente. Sublinhe-se que não se pode utilizar o conceito de autonomia e independência para manter aqueles que exercem a atividade jurisdicional isolados da sociedade, a quem cumpre servir de forma eficaz.
Da mesma forma, não há que se falar em quebra do pacto federativo, vez que a jurisdição é una e indivisível, existindo um único Poder Judiciário, do qual faz parte a totalidade dos magistrados e o próprio Conselho Nacional de Justiça. Gosto muito das posições da Ministra Carmem Lucia que uma vez teria dito que ministros do STF deveriam ficar no máximo nove anos por lá e os juízes de carreira no máximo cinco anos em cada comarca, assim não seriam criados vínculos indesejados, esse seria um bom debate.
Pedro Benedito Maciel Neto é advogado, professor universitário e membro do escritório Maciel Neto Advocacia
Revista Consultor Jurídico
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