terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Liberdade afetiva parental

O abandono afetivo parental põe frente a frente duas situações: de um lado a liberdade parental, de outro, a solidariedade familiar e a integridade psíquica dos filhos.
A liberdade parental divide-se em duas subespécies: I- uma de caráter objetivo, que engloba os direitos e deveres parentais, dos quais não se pode eximir sob pena de, no campo material, sofrer ação de alimentos, e no, extrapatrimonial, ser destituído do poder familiar; b) outra de caráter subjetivo, que consiste na liberdade afetiva, isto é, no desejo inconsciente de dar afeto aos filhos.
Dado o enorme caráter subjetivo da liberdade afetiva parental ela não pode ser imposta, exigida ou obrigada, não se tratando, portanto, de dever, mas sim de uma opção, até mesmo inconsciente, do pai/mãe de sentir ou não carinho por seu filho, e, assim, lhe dar afeto[9].
Os pais têm a obrigação natural (ou moral) de amar seus filhos. E como obrigação natural, seu adimplemento não pode ser exigido em juízo. Essa obrigação encaixa-se numa zona intermediária[10] e, guardadas as proporções, assemelha-se, por exemplo, à obrigação natural pelo adimplemento de dívida de jogo, em que o credor não pode exigir, judicialmente, o pagamento do débito. Isso porque a obrigação jaz no campo da Moral e não do Direito.
De outro lado, a própria lei civil diz que “o pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia” (CC, art. 1.589). Claramente, o legislador, respeitando os limites da autonomia da esfera privada humana, não obriga o pai ou a mãe (sem a guarda) a ser presente na vida dos filhos, embora em outros dispositivos obriguem-nos à manutenção material da prole (alimentos).
Os defensores do caráter ilícito e, portanto, ressarcível do abandono afetivo parental, trazem à baila a redação do art. 227 da Constituição Federal que diz:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
A Constituição Federal brasileira não regula a família dentro de moldes petrificados por antigas práticas, numa reprodução secular de estruturas familiares impostas pela tradição (família patriarcal e matrimonializada). O constituinte, como lhe competia, foi muito pragmático e auscultando a realidade social ao redor (costumes, anseios e práticas cotidianas) expandiu o raio de abrangência da família do determinismo biológico para o eixo afetivo.
E é sobre essa base axiológica que há o reconhecimento e a proteção estatais da comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (CF, art. 226, § 4º - família monoparental). Ou seja, para termos uma família não é necessário casamento, filhos biológicos ou a presença conjunta do pai e da mãe. Portanto, o filho sob a guarda da mãe ou do pai, constitui uma família monoparental com todos os deveres, direitos e proteção das outras formas de entidades familiares contempladas pela Constituição. Daí porque as disposições contidas no art. 227 da CF não servem, por si sós, para censurar eventual conduta omissiva, do ponto de vista afetivo, do pai ou da mãe sem a guarda do filho.

RODRIGUES, João Gaspar. Abandono afetivo parental versus teoria do Estado. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3464, 25 dez. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23304>. Acesso em: 1 jan. 2013.

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