O abandono afetivo parental põe frente a frente duas situações: de um
lado a liberdade parental, de outro, a solidariedade familiar e a
integridade psíquica dos filhos.
A liberdade parental divide-se em duas subespécies: I- uma de caráter
objetivo, que engloba os direitos e deveres parentais, dos quais não se
pode eximir sob pena de, no campo material, sofrer ação de alimentos, e
no, extrapatrimonial, ser destituído do poder familiar; b) outra de
caráter subjetivo, que consiste na liberdade afetiva, isto é, no desejo
inconsciente de dar afeto aos filhos.
Dado o enorme caráter subjetivo da liberdade afetiva parental ela não
pode ser imposta, exigida ou obrigada, não se tratando, portanto, de
dever, mas sim de uma opção, até mesmo inconsciente, do pai/mãe de
sentir ou não carinho por seu filho, e, assim, lhe dar afeto[9].
Os pais têm a obrigação natural (ou moral) de amar seus filhos. E como
obrigação natural, seu adimplemento não pode ser exigido em juízo. Essa
obrigação encaixa-se numa zona intermediária[10]
e, guardadas as proporções, assemelha-se, por exemplo, à obrigação
natural pelo adimplemento de dívida de jogo, em que o credor não pode
exigir, judicialmente, o pagamento do débito. Isso porque a obrigação
jaz no campo da Moral e não do Direito.
De outro lado, a própria lei civil diz que “o pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá
visitá-los e tê-los em sua companhia” (CC, art. 1.589). Claramente, o
legislador, respeitando os limites da autonomia da esfera privada
humana, não obriga o pai ou a mãe (sem a guarda) a ser presente na vida
dos filhos, embora em outros dispositivos obriguem-nos à manutenção
material da prole (alimentos).
Os defensores do caráter ilícito e, portanto, ressarcível do abandono
afetivo parental, trazem à baila a redação do art. 227 da Constituição
Federal que diz:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
A Constituição Federal brasileira não regula a família dentro de moldes
petrificados por antigas práticas, numa reprodução secular de
estruturas familiares impostas pela tradição (família patriarcal e
matrimonializada). O constituinte, como lhe competia, foi muito
pragmático e auscultando a realidade social ao redor (costumes, anseios e
práticas cotidianas) expandiu o raio de abrangência da família do
determinismo biológico para o eixo afetivo.
E é sobre essa base axiológica que há o reconhecimento e a proteção
estatais da comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes
(CF, art. 226, § 4º - família monoparental). Ou seja, para termos uma
família não é necessário casamento, filhos biológicos ou a presença
conjunta do pai e da mãe. Portanto, o filho sob a guarda da mãe ou do
pai, constitui uma família monoparental com todos os deveres, direitos e
proteção das outras formas de entidades familiares contempladas pela
Constituição. Daí porque as disposições contidas no art. 227 da CF não
servem, por si sós, para censurar eventual conduta omissiva, do ponto de
vista afetivo, do pai ou da mãe sem a guarda do filho.
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