A ideia de igualdade, como categoria jurídica de suma importância,
emergiu como princípio jurídico fundamental nas cartas constitucionais
editadas logo após as revoluções do final do Século XVIII. Foi através
dos eventos revolucionários ocorridos nos Estados Unidos e na França que
se edificou o conceito de igualdade perante a lei, que contemplava a
ideia de que a lei, genérica e abstrata, deve ser igual para todos,
afastando-se distinções ou privilégios, e o aplicador deve fazê-la
incidir de forma neutra nas diversas situações que lhe são colocadas.
A concepção de igualdade jurídica, meramente formal, criada com a
finalidade de extinguir os privilégios típicos do antigo regime e para
cessar as discriminações baseadas na linhagem, consolidou-se como
ideia-chave do constitucionalismo do século XIX e prosseguiu por
considerável parte do século XX.
Conforme explica Guilherme Machado Dray (1999):
o princípio da igualdade perante a lei consistiria na simples criação de um espaço neutro, onde as virtudes e as capacidades dos indivíduos livremente se poderiam desenvolver. Os privilégios, em sentido inverso, representavam nesta perspectiva a criação pelo homem de espaços e de zonas delimitadas, susceptíveis de criarem desigualdades artificiais e nessa medida intoleráveis.
Na visão dos pensadores da escola liberal, seria suficiente a mera
inclusão da igualdade como direito fundamental para que essa fosse
garantida no ordenamento constitucional.
Não obstante, a ideia de uma igualdade meramente formal, que tinha
como sustentáculo o princípio geral da igualdade inserido na lei,
começou a ser posta em xeque a partir do momento em que se verificou que
a igualdade de direitos em termos formais não se mostrava, por si só,
suficiente para conferir aos socialmente desfavorecidos as oportunidades
de que gozavam os indivíduos socialmente privilegiados. Não mais se
mostrava coerente tratar a questão sob o enfoque de igualdade de
oportunidades, e sim sob o enfoque da igualdade de condições.
A noção de igualdade formal (ou estática), então, dá lugar ao novo
conceito de igualdade “substancial”, fazendo surgir a ideia de
“igualdade de oportunidades”, o que veio a servir de base para
iniciativas que visavam ao menos diminuir as desigualdades econômicas e
sociais.
Em nosso país, o princípio da igualdade (ou isonomia), base de um
Estado democrático de Direito, está previsto em diversos dispositivos
constitucionais, determinando a necessidade de tratamento igualitário
nas mais diferentes situações (Art. 5º, caput, e inciso I; Art. 7º, XXX,
XXXI, XXXII, XXXIII e XXXIV; Art. 150, II etc.).
Na repetição do princípio da isonomia, preocupou-se o legislador não
só com a igualdade meramente formal (perante a lei), mas também com a
igualdade material, prescrevendo vedações materiais em razão de
critérios inadmissíveis pelo Direito, como é bom exemplo o disposto no
Art. 7º, XXX ao XXXII (nesses dispositivos, não se está assegurando,
apenas, a igualdade perante a lei – formal -, mas sim vedando práticas
materiais atentatórias da igualdade, em razão de critérios tais como
raça, cor, idade, sexo e outros).
Porém, importante lembrar que o princípio da igualdade não se descuida
de situações específicas, vale dizer, não tem por fim estabelecer um
tratamento igualitário entre os indivíduos, sem atentar-se para as
desigualdades existentes entre estes. Pedro Lenza (2011) traz
importantes lições sobre o tema:
Deve-se, contudo, buscar não somente essa aparente igualdade formal
(consagrada no liberalismo clássico), mas, principalmente, a igualdade
material, uma vez que a lei deverá tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. Isso
porque, no Estado Social ativo, efetivador dos direitos humanos,
imagina-se uma igualdade mais real perante os bens da vida, diversa
daquela apenas formalizada perante a lei. Em busca por uma igualdade
substancial, muitas vezes idealista, reconheça-se, eterniza-se na sempre
lembrada, com emoção, Oração aos Moços, de Rui Barbosa, inspirado na
lição secular de Aristóteles, devendo-se tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.
Cabe lembrar, entretanto, que o grande desafio consiste em determinar
até que ponto a desigualdade não gera inconstitucionalidade.
O grande constitucionalista Celso Antônio Bandeira de Mello buscou
responder à questão estabelecendo diferentes parâmetros, em sua
monografia acerca do tema princípio da igualdade. No citado trabalho,
ele estabelece três questões que merecem atenção, a fim de se aferir o
respeito ou desrespeito ao aludido princípio. Qualquer inobservância a
uma dessas questões conduz inevitavelmente a uma ofensa à isonomia. São
tais pontos, pois, os seguintes:
a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação; b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados’. Esses critérios podem servir de parâmetros[1].
Diante das considerações até então esboçadas, é de se concluir que o
princípio da igualdade não veda tratamento diferenciado entre pessoas
que guardem distinções de raça, de idade, de sexo, de condição econômica
etc., desde que haja justificativas razoáveis para o estabelecimento da
distinção (aqui, a aplicação do princípio da razoabilidade – sobre o
qual serão feitas considerações oportunamente – como limite à imposição
de restrições ao princípio constitucional da igualdade; enfim, o
princípio constitucional da igualdade pode sofrer restrições no tocante à
cor, à raça, à idade etc., desde que tais restrições sejam razoáveis,
isto é, desde que sejam necessárias, adequadas e na medida certa).
A título exemplificativo, em concursos públicos são admitidas
restrições impostas por lei, que venham estabelecer tratamento
diferenciado entre os candidatos, desde que as atribuições do cargo
justifiquem a discriminação (estabelecimento de idade máxima para o
ingresso no cargo de agente de polícia; abertura de concurso público
somente para as mulheres, para o cargo de agente penitenciário numa
prisão feminina, etc.). Essas restrições, frise-se, deverão estar
estabelecidas em lei, e não somente no edital do concurso, pois o edital
de concurso, ato administrativo infralegal, não dispõe de competência
para impor restrições a direito previsto na Constituição.
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