sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE

A ideia de igualdade, como categoria jurídica de suma importância, emergiu como princípio jurídico fundamental nas cartas constitucionais editadas logo após as revoluções do final do Século XVIII. Foi através dos eventos revolucionários ocorridos nos Estados Unidos e na França que se edificou o conceito de igualdade perante a lei, que contemplava a ideia de que a lei, genérica e abstrata, deve ser igual para todos, afastando-se distinções ou privilégios, e o aplicador deve fazê-la incidir de forma neutra nas diversas situações que lhe são colocadas.
 A concepção de igualdade jurídica, meramente formal, criada com a finalidade de extinguir os privilégios típicos do antigo regime e para cessar as discriminações baseadas na linhagem, consolidou-se como ideia-chave do constitucionalismo do século XIX e prosseguiu por considerável parte do século XX.
 Conforme explica Guilherme Machado Dray (1999):
o princípio da igualdade perante a lei consistiria na simples criação de um espaço neutro, onde as virtudes e as capacidades dos indivíduos livremente se poderiam desenvolver. Os privilégios, em sentido inverso, representavam nesta perspectiva a criação pelo homem de espaços e de zonas delimitadas, susceptíveis de criarem desigualdades artificiais e nessa medida intoleráveis.
 Na visão dos pensadores da escola liberal, seria suficiente a mera inclusão da igualdade como direito fundamental para que essa fosse garantida no ordenamento constitucional.
 Não obstante, a ideia de uma igualdade meramente formal, que tinha como sustentáculo o princípio geral da igualdade inserido na lei, começou a ser posta em xeque a partir do momento em que se verificou que a igualdade de direitos em termos formais não se mostrava, por si só, suficiente para conferir aos socialmente desfavorecidos as oportunidades de que gozavam os indivíduos socialmente privilegiados. Não mais se mostrava coerente tratar a questão sob o enfoque de igualdade de oportunidades, e sim sob o enfoque da igualdade de condições.
 A noção de igualdade formal (ou estática), então, dá lugar ao novo conceito de igualdade “substancial”, fazendo surgir a ideia de “igualdade de oportunidades”, o que veio a servir de base para iniciativas que visavam ao menos diminuir as desigualdades econômicas e sociais.
 Em nosso país, o princípio da igualdade (ou isonomia), base de um Estado democrático de Direito, está previsto em diversos dispositivos constitucionais, determinando a necessidade de tratamento igualitário nas mais diferentes situações (Art. 5º, caput, e inciso I; Art. 7º, XXX, XXXI, XXXII, XXXIII e XXXIV; Art. 150, II etc.).
 Na repetição do princípio da isonomia, preocupou-se o legislador não só com a igualdade meramente formal (perante a lei), mas também com a igualdade material, prescrevendo vedações materiais em razão de critérios inadmissíveis pelo Direito, como é bom exemplo o disposto no Art. 7º, XXX ao XXXII (nesses dispositivos, não se está assegurando, apenas, a igualdade perante a lei – formal -, mas sim vedando práticas materiais atentatórias da igualdade, em razão de critérios tais como raça, cor, idade, sexo e outros).
 Porém, importante lembrar que o princípio da igualdade não se descuida de situações específicas, vale dizer, não tem por fim estabelecer um tratamento igualitário entre os indivíduos, sem atentar-se para as desigualdades existentes entre estes. Pedro Lenza (2011) traz importantes lições sobre o tema:
Deve-se, contudo, buscar não somente essa aparente igualdade formal (consagrada no liberalismo clássico), mas, principalmente, a igualdade material, uma vez que a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. Isso porque, no Estado Social ativo, efetivador dos direitos humanos, imagina-se uma igualdade mais real perante os bens da vida, diversa daquela apenas formalizada perante a lei. Em busca por uma igualdade substancial, muitas vezes idealista, reconheça-se, eterniza-se na sempre lembrada, com emoção, Oração aos Moços, de Rui Barbosa, inspirado na lição secular de Aristóteles, devendo-se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.
Cabe lembrar, entretanto, que o grande desafio consiste em determinar até que ponto a desigualdade não gera inconstitucionalidade.
 O grande constitucionalista Celso Antônio Bandeira de Mello buscou responder à questão estabelecendo diferentes parâmetros, em sua monografia acerca do tema princípio da igualdade. No citado trabalho, ele estabelece três questões que merecem atenção, a fim de se aferir o respeito ou desrespeito ao aludido princípio. Qualquer inobservância a uma dessas questões conduz inevitavelmente a uma ofensa à isonomia. São tais pontos, pois, os seguintes:
a) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação; b) a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado; c) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados’. Esses critérios podem servir de parâmetros[1].
 Diante das considerações até então esboçadas, é de se concluir que o princípio da igualdade não veda tratamento diferenciado entre pessoas que guardem distinções de raça, de idade, de sexo, de condição econômica etc., desde que haja justificativas razoáveis para o estabelecimento da distinção (aqui, a aplicação do princípio da razoabilidade – sobre o qual serão feitas considerações oportunamente – como limite à imposição de restrições ao princípio constitucional da igualdade; enfim, o princípio constitucional da igualdade pode sofrer restrições no tocante à cor, à raça, à idade etc., desde que tais restrições sejam razoáveis, isto é, desde que sejam necessárias, adequadas e na medida certa).
 A título exemplificativo, em concursos públicos são admitidas restrições impostas por lei, que venham estabelecer tratamento diferenciado entre os candidatos, desde que as atribuições do cargo justifiquem a discriminação (estabelecimento de idade máxima para o ingresso no cargo de agente de polícia; abertura de concurso público somente para as mulheres, para o cargo de agente penitenciário numa prisão feminina, etc.). Essas restrições, frise-se, deverão estar estabelecidas em lei, e não somente no edital do concurso, pois o edital de concurso, ato administrativo infralegal, não dispõe de competência para impor restrições a direito previsto na Constituição.

ZICA, Bruno Junio Bicalho. A reserva de vagas aos portadores de necessidades especiais à luz da Constituição Federal e da Lei nº 8.112/90. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3501, 31 jan. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23592>. Acesso em: 1 fev. 2013.

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