A garantia do direito à visita íntima ao adolescente em cumprimento
de medida socioeducativa privativa de liberdade com certeza será motivo
de muitas especulações e polêmicas por parte da mídia populista, dos
leigos e dos desinformados sobre as necessidades básicas inerentes a
cada ser humano desde seu desenvolvimento intrauterino.
A reflexão sobre a importância da ‘concessão’ da visita íntima,
prestes a ser estendida a esses adolescentes, conforme princípio do
atendimento integral previsto na constituição específica para infância e
adolescência, deve ser feita levando-se em consideração que o afeto e o
toque são condições imprescindíveis para o pleno desenvolvimento do ser
humano. E que ao serem negadas, principalmente na fase da adolescência,
podem trazer conseqüências negativas que precisam ser levadas a sério
no momento da elaboração de medidas protetivas e socioeducativas.
Sabendo que a afetividade faz parte do processo de desenvolvimento
estrutural e psicológico do ser humano, sem ela não é possível construir
de forma plena a base da personalidade nos primeiros anos de vida,
correndo o risco, inclusive, de que aquilo que acontece ao indivíduo
neste período seja refletido na adolescência e na fase adulta. Os
registros no inconsciente ou a ausência das relações entre pais e filhos
podem causar graves transtornos afetivos e emocionais, portanto, a
afetividade é a gênese de todo relacionamento humano e talvez a nossa
primeira forma de se inserir no mundo e interagir com ele.
Diante de comprovações científicas de que a afetividade é primordial
na formação psíquica do indivíduo e que sem ela há um desvio na conduta
da personalidade do ser humano (apenas variando em intensidade por causa
do princípio da unicidade de cada pessoa), é imprescindível a
existência de um vínculo afetivo saudável, de uma referência que dê
suporte na formação da criança, que pode ser os pais ou uma pessoa que
desempenhe um papel importante nos seus primeiros anos de vida. Assim
sendo, os carinhos da mamãe serão a base e o porto seguro para uma
adolescência mais saudável. Por outro lado, a privação do afeto por
parte dos pais ou responsáveis, assim como a ausência de uma estrutura
familiar adequada durante os primeiros anos de vida, comprometerão o
amadurecimento emocional do adolescente e futuramente do adulto.
Entretanto, na prática, sentimentos e emoções são banalizados,
subestimados e em geral estão presentes na base dos conflitos
existenciais e quase sempre são os responsáveis pelos crimes,
principalmente os hediondos, salvo algumas patologias mentais. Segundo
Biddulph (apud James Prescott p.122), estudos feitos em diferentes
sociedades constataram que nas sociedades onde as crianças recebem menos
toque físico e pouco afeto há mais violência por parte dos adultos.
Através desse fenômeno cientifico se comprova de forma irrefutável que
quanto mais harmônica e amorosa for a vida da criança, mais serena e
afetuosa ela vai ser na fase adulta. Pesquisas têm revelado ainda que
pessoas que cometem crimes quase sempre estão envolvidas numa história
de rejeição, humilhação e tiveram uma infância permeada por desajustes
de toda ordem.
Ao pensarmos nos adolescentes em cumprimento de medidas
socioeducativas constatamos que a privação que eles passam não é medida
apenas pela presença de altos muros que os separam do mundo lá fora, mas
há também uma privação de afeto. Essa falta de afetividade é um reflexo
da omissão do Estado, que através das suas políticas públicas
inadequadas em nada têm contribuído para a efetiva reinserção desses
meninos e meninas na sociedade. Ao invés de garantir o afeto e o
acompanhamento dos pais e familiares durante todo o processo de
cumprimento das medidas privativas de liberdade, o Estado e seus
representantes insistem em políticas repressivas, de maus tratos e
torturas.
E porque os pais e familiares, peças fundamentais para a recuperação
dos adolescentes em conflito com a lei, são impedidos e têm suas
presenças dificultadas nesse acompanhamento? Porque as unidades de
cumprimento de medidas socioeducativas funcionam em flagrante
desrespeito à Constituição e ao Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), que na teoria são efusivamente defendidos, mas na prática
funcionam para ‘Inglês ver’. Uma prova disso é a distância entre a
unidade onde o adolescente cumpre medida e a comunidade onde ele morava,
dificultando a visita dos pais e familiares e, consequentemente,
enfraquecendo o vínculo e a convivência familiar e comunitária. É nesse
momento que o Conselho Nacional de Justiça deve ser acionado para que
seja determinado que o adolescente cumpra a medida socioeducativa na
comarca em que reside.
Constituindo-se a afetividade como um conjunto de reações psíquicas
do indivíduo frente ao mundo exterior que se traduz através das emoções e
sentimentos e cuja manifestação se polariza entre os extremos, como a
dor e o prazer; a satisfação e a insatisfação; o agrado e o desagrado, a
alegria e a tristeza, conforme diz Ferreira (1999.p.62); sua presença
ou ausência é capaz de alterar o modo como cada pessoa se relacionará
consigo mesmo e com o mundo exterior. Diante disso, cuidar adequadamente
das emoções e sentimentos é imperioso como uma forma de evitar
tragédias.
O histórico de vida de uma pessoa privada de liberdade, seja ela
adolescente ou adulta, deveria ser a peça mais importante dentro do
contexto de um programa restaurativo e de ressocialização, sendo
imprescindível a análise sistemática do comportamento humano para a
aplicação da metodologia mais adequada, afinal, sabemos que os problemas
emocionais têm raízes no início da vida e por essa razão os hábitos de
comportamentos adquiridos nessa fase são reversíveis, mas extremamente
difíceis de serem modificados na vida adulta, necessitando de espaço
físico adequado e muita persistência por parte da equipe
multidisciplinar técnica e científica. Essa transposição é possível,
conforme podemos constatar através dos argumentos de alguns
especialistas na área, dentre eles o médico Augusto Cury, através de sua
Teoria Multifocal.
A permissão da visita íntima aos reeducandos é uma oportunidade ímpar
que as autoridades têm para abrir espaço para uma discussão mais ampla a
fim de informar e capacitar esses adolescentes não apenas para
extravasarem sua virilidade, mas orientá-los sobre as conseqüências
decorrentes dos seus comportamentos, a exemplo da paternidade, gravidez
precoce e doenças sexualmente transmissíveis, enquanto questões
complexas e delicadas. Portanto, muito mais que reservar um espaço
físico para que os adolescentes pratiquem sexo precisamos aproveitar
essa chance e ensiná-los a importância do afeto, trabalhando os
sentimentos e emoções. Uma tentativa como essa foi desenvolvida com
pessoas com Síndrome de Down e obteve êxito, demonstrando que a garantia
de todos os direitos concernentes as pessoas, sem distinção, conforme
está previsto na nossa Carta Magna, não é nenhum favor que o Estado nos
faz, muito pelo contrário, é dever e princípio constitucional que o ser
humano seja atendido integralmente.
Convém lembrar que a fase da adolescência é o momento áureo, o ápice
da ebulição dos hormônios e precisa ser levado em conta em virtude das
situações que têm ocorrido envolvendo questões sexuais de adolescentes.
Sabemos que o afeto e o toque são significativos para a vida desses
meninos e meninas, portanto, são direitos desses adolescentes não apenas
a visita íntima, mas um maior contato possível com os pais ou
familiares. A falta do toque e de carinho dos pais e outros familiares
somados aos duros tratamentos usados pelas unidades de meninas
socioeducativas acarreta prejuízos emocionais, distorcendo de forma
perversa e irremediável a personalidade desses adolescentes ainda em
fase de formação. E é exatamente isso que temos assistido dia após dia
através da mídia.
Negar o direito à visita íntima, atendendo aos pré-requisitos de
respeito, é permitir a continuidade de uma prática que desde sempre
ocorre veladamente dentro das unidades de medidas socioeducativas: a lei
do mais forte sobre o mais fraco, onde os mais fortes fisicamente (ou
apadrinhados) subjugam o mais fraco e submete-o aos seus desejos
sexuais. Fatos humilhantes e perversos se constituem em gravíssimas
violações aos direitos humanos impedindo, inclusive, que a livre
orientação sexual deixe de ser natural e seja resultado da opressão
contra os fragilizados, fato que já ocorre dentro das unidades
masculinas e femininas. Essa realidade precisa ser banida para que seja
assegurada a opção natural de relacionamentos entre homens e mulheres
ou, a quem preferir, a liberdade de orientação sexual como prática
civilizatória.
* Advogada e educadora. Precursora da Educação Restaurativa, com
experiência de mais de três décadas em Tratamento de Dependentes de
Substâncias Psicoativas e Delinquência Juvenil. Palestrante e colunistas
de alguns sites renomados. Autora do www.educacaorestaurativa.org.
http://atualidadesdodireito.com.br/conceicaocinti/2013/05/14/visita-intima-ao-adolescente-em-conflito-com-a-lei-2/
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