(...) A pergunta acima possui entendimentos divergentes em nossos tribunais,
posicionamentos estes que passarão a ser arrolados e debatidos no
decorrer do presente artigo jurídico.
Em primeiro lugar, indispensável se faz entendermos e conceituar
brevemente o que seria um condomínio, este consiste na situação em que
mais de uma pessoa detém a propriedade sobre certo bem. Tal propriedade é
dividida em frações ideais, sendo que apesar de ser titular de
determinado percentual a pessoa não deixa de deter direitos sobre o bem
em sua totalidade.
Vale ressaltar que o instituto jurídico do condomínio é classificado
pela legislação vigente da seguinte forma: tradicional (artigos 1.314 a
1.326 do C.C.), necessário (artigos 1.327 a 1.330 do C.C.), edilício
(artigos 1.331 a 1.356 do C.C. e a Lei nº 4.591/64).
Com relação ao presente trabalho nos interessa o instituto atrelado ao
condomínio edilício, este segundo Luís da Cunha Gonçalves[1]
em sua obra Da propriedade horizontal ou por andares, caracteriza o
condomínio edilício, ou por andares pela conexão da propriedade singular
de certas parcelas com a comunhão forçada e perpétua de várias partes
do edifício.
Assim, ao se falar de condomínio edilício sabe-se que o proprietário da
unidade autônoma individual poderá aliená-la e gravá-la de ônus real,
sem o consentimento dos demais condôminos, sendo que todos os moradores
do condomínio edilício poderão utilizar concomitante, dentro dos limites
estabelecidos pela legislação, bem como pelas regras condominiais e de
bom costume as áreas de destinação comum que compõem o condomínio.
Por sua vez, a legislação específica que versa sobre o tema, diga-se a
Lei nº 4.591/64 (Dispõe sobre o condomínio em edificações e as
incorporações imobiliárias) conceitua o instituto jurídico ora abordado
da seguinte forma:
“Art. 1º As edificações ou conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não residenciais, poderão ser alienados, no todo ou em parte, objetivamente considerados, e constituirá cada unidade, propriedade autônoma sujeita às limitações desta Lei.”
Após arrolar brevemente o conceito do instituto jurídico do condomínio
edilício, passaremos a abordar a questão atrelada ao recolhimento da
taxa condominial, esta que serve para custear todas as despesas
inerentes ao condomínio edilício.
Quando falamos em custeio de despesas, englobamos todas as quantias
gastas para que seja realizada a devida manutenção do edifício,
incluindo o pagamento de funcionários e gastos com as áreas de lazer,
valores estes que serão adimplidos de forma proporcional por todos os
condôminos, nos moldes prescritos pelo artigo 12, caput da Lei nº
4.591/64.
“Art. 12. Cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, recolhendo, nos prazos previstos na Convenção, a quota-parte que lhe couber em rateio.”
No tocante à obrigatoriedade do pagamento de despesas condominiais,
essa responsabilidade está prevista no artigo 1.336, inciso I do Código
Civil, bem como no artigo 12 da Lei n° 4.591 de 1964, dispositivos estes
que estabelecem:
“Art. 1.336. São deveres do condômino:”
“I - contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção;”
Portanto, resta claro que a conservação do condomínio edilício é
realizada diretamente por todos os condôminos por intermédio do
recolhimento da taxa condominial, nos moldes do que preceitua inclusive a
jurisprudência pátria, de acordo com o que comprova o julgado abaixo
transcrito:
“CONDOMÍNIO - DÉBITO - RESPONSABILIDADE DO CONDÔMINO – Os condôminos, ainda no condomínio por unidades autônomas, são responsáveis pelos pagamentos dos débitos daquele, consoante lhes couber por rateio, na proporção das respectivas frações ideais do terreno.”
(STJ - REsp 45.682-7 - 3ª T. - Rel. Min. Eduardo Ribeiro - DJU 03.06.96).
Dessa forma, restou demonstrado brevemente o conceito do instituto
jurídico do condomínio edilício, bem como o que significa e ao que se
destina a despesa condominial, podendo avançar o presente estudo às
hipóteses de inadimplência da taxa condominial, bem como à análise das
sanções que poderão ser impostas àqueles que tornarem-se inadimplentes
com suas obrigações.
Com relação à inadimplência da taxa condominial, esta se revela
simplesmente pelo não pagamento tempestivo do valor arbitrado em
Assembleia pela maioria dos condôminos a título de taxa voltada à
satisfação das despesas necessárias à manutenção do condomínio.
Insta salientar que o legislador pátrio estipula a sanção que deverá
ser aplicada ao condômino que estiver em mora com o cumprimento de suas
obrigações, mais especificamente ao adimplemento da taxa condominial.
A legislação em vigor preceitua no §3º do artigo 12 da Lei nº 4.591/64 a seguinte sanção pecuniária:
“§ 3º O condômino que não pagar a sua contribuição no prazo fixado na Convenção fica sujeito ao juro moratório de 1% ao mês, e multa de até 20% sobre o débito, que será atualizado, se o estipular a Convenção, com a aplicação dos índices de correção monetária levantados pelo Conselho Nacional de Economia, no caso da mora por período igual ou superior a seis meses.”
Portanto, o próprio legislador ao redigir o texto da Lei nº 4.591/64, prevê de forma taxativa a sanção que deverá ser aplicada.
Contudo, com a promulgação e entrada em vigor do Código Civil no ano de
2002, ratificou-se que a sanção a ser aplicada ao condômino
inadimplente seria a pecuniária, todavia, o legislador pátrio adotou
outro critério com relação ao valor da multa a ser utilizada, nos moldes
do que preceitua o § 01º do artigo 1.336 do Código Civil.
“§ 1º O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito.”
Cumpre esclarecer que a divergência arrolada acima com relação aos
valores a título de sanção pecuniária são objeto de vasta discussão
doutrinária e jurisprudencial, debates estes que não dizem respeito ao
presente artigo.
Entretanto, apenas a critério informativo, julgamos importante declarar
que os doutrinadores que entendem que a sanção prevista pela Lei nº
4.591/64 deve prevalecer, sustentam esse entendimento com base no
critério que leva em conta a especificidade da legislação, pois adotam a
teoria de que a Lei nº 4.591/64 por ser específica para versar sobre
condomínios em edificações deve prevalecer em relação ao previsto no
Código Civil.
Por outro lado, aqueles que entendem que a sanção a ser imposta é a
prevista pelo Código Civil, a praticam com base no critério temporal,
vez que o Código Civil é posterior em relação à Lei nº 4.591/64, logo,
atende melhor às necessidades da população, vez que emanou de uma
sociedade mais moderna e que passa a interpretar de modo diverso o
débito condominial, ou ao menos a gravidade que este representa para a
coletividade.
Diferenças à parte, o que resta de importante nessa parte da análise
jurídica ora realizada é que independente da multa a ser adotada, tanto
no texto previsto pelo Código Civil, como aquele da Lei nº 4.591/64, o
legislador pátrio adotou a sanção pecuniária como a cabível na hipótese
de inadimplemento da taxa condominial, sendo esse o maior argumento de
defesa para os moradores inadimplentes que passam a ser proibidos de
frequentar as áreas de lazer do condomínio.
Vale ressaltar que os condôminos inadimplentes sustentam que a sanção a
ser imposta pelo condomínio não pode ser outra que não a pecuniária,
nos moldes previstos pelo artigo 1.336 do Código Civil, ou seja, busca
assegurar o uso das partes comuns, incluindo as de lazer, pela ausência
de previsão legal diversa, bem como pela tese de que o Regulamento
Interno não pode suplantar juridicamente a lei civil e a Constituição
Federal.
O entendimento acima exposto é defendido inclusive pelo jurista Fábio Ulhoa Coelho[2],
que em sua obra Curso de Direito Civil leciona que a pena de suspensão
do uso de áreas de lazer para o condômino inadimplente seria uma ótima
providência para ele se sentir menos estimulado a inadimplir, todavia,
ressalva o doutrinador que, pelo sistema legal, não cabe impor qualquer
outra espécie de sanção ao condômino inadimplente além da pecuniária,
que é a prevista pela legislação pátria.
Assim, ao acatarmos a tese supracitada concordamos que a inadimplência
gera prejuízo ao condomínio em sua plenitude, devendo para tanto ser
combatida, entretanto, não podemos olvidar que existem meios legais
específicos para efetuar a cobrança lícita e exigível do crédito por
intermédio de penalidades pecuniárias adequadas e que estimulam o ânimo
de solver, não se permitindo, portanto, o cerceamento ao direito de
propriedade como medida coercitiva e até mesmo coativa para que ocorra o
adimplemento do débito condominial.
Dessa maneira, seguindo a linha de raciocínio exposta, não seria lícito
privar o condômino inadimplente do uso de áreas comuns destinadas ao
lazer, vez que os meios de coerção ao cumprimento da obrigação de
adimplir a taxa condominial são estritamente aqueles previstos em lei.
Isto se deve inclusive ao fato do ordenamento jurídico não permitir o
exercício arbitrário das próprias razões como forma de compelir alguém a
cumprir certa obrigação.
Além do mais, indispensável trazer a debate o fato de que a taxa
condominial possui natureza propter rem, logo, autoriza em sede de
execução judicial a penhora da própria unidade condominial, sem que se
possa cogitar a incidência da Lei nº 8009/90, esta que dispõe sobre a
impenhorabilidade do bem de família, logo, existe expresso amparo
legislativo para viabilizar a cobrança por intermédio de tutela
judicial.
Por fim, ainda com relação às sanções aplicáveis ao caso, penalidades
estas que se prestam inclusive a fazer cessar a inadimplência da taxa
condominial, a legislação pátria estipula ainda a aplicação aos
devedores da sanção prescrita pelo artigo 1.337 do Código Civil,
entendimento este sustentado inclusive pelo doutrinador Carlos Roberto
Gonçalves[3] em sua obra Direito Civil Brasileiro.
“Art. 1337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.”
Dessa forma, restaram comprovados os motivos utilizados por parte da
doutrina para justificar a ilegalidade que seria causada na hipótese de
restrição à utilização da área comum de lazer instalada no condomínio
por parte dos moradores em mora com o pagamento da taxa condominial.
Assim, passaremos a discorrer sobre os motivos que fundamentam a
restrição ao uso das áreas comuns destinadas ao lazer por parte dos
demais doutrinadores.
Parte da doutrina entende que apesar da não existência de previsão
legal, é lícito estipular outras espécies de sanções de modo a estimular
o adimplemento tempestivo da taxa condominial, contudo, para que seja
possível a implantação, bem como a exigibilidade de tais procedimento,
necessário se faz o cumprimento de algumas exigências.
Insta salientar que as penalidades supracitadas antes de serem exigidas
devem estar previamente prescritas na Convenção de Condomínio, bem como
no Regimento Interno do condomínio, sob pena de serem afrontados
princípios atrelados à dignidade humana, estes que encontram morada no
artigo 01º, inciso III da Constituição Federal.
“Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:”
“III - a dignidade da pessoa humana;”
Cumpre esclarecer que a previsão para implantação dessa espécie de
sanção na Convenção de Condomínio deve ocorrer por votação no ato de
elaboração da Convenção, bem como do Regimento Interno.
Vale ressaltar que a Convenção Condominial devidamente instituída passa
a obrigar todos os titulares de direitos sobre as unidades autônomas.
Além do mais, a Convenção Condominial devidamente registrada no Cartório
de Registro de Imóveis obriga não só os titulares de unidades
condominiais, mas passa a ser oponível também perante terceiros, nos
moldes do que estabelece o artigo 1.333, parágrafo único do Código
Civil.
“Art. 1333. A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção.”
“Parágrafo único. Para ser oponível contra terceiros, a convenção do condomínio deverá ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis.”
Com base no que fora descrito no parágrafo anterior, bem como no que
estabelece o dispositivo legal acima transcrito parte da doutrina
entende ser lícito estipular a suspensão do acesso às áreas de lazer da
unidade condominial pelos condôminos inadimplentes, ou seja, baseados na
força vinculante e legítima da Convenção Condominial, parte da doutrina
sustenta que não há qualquer espécie de abuso nessa prática, desde que
não haja nulidades na elaboração da Convenção.
Indispensável declarar que ao falarmos de área de lazer estamos nos
restringindo a áreas exclusivamente destinadas ao lazer em sentido
estrito, áreas estas que compõem a área comum do condomínio, porém, que
não englobam, por exemplo: acessos ao empreendimento, utilização de
elevadores, hall de entrada, entre outras reputadas como indispensáveis
para a locomoção do morador nas dependências do condomínio.
Portanto, áreas de lazer englobariam os locais destinados à recreação
que não impediriam o ingresso e a livre locomoção do morador
inadimplente pelo condomínio, sendo tais áreas, por exemplo: piscina,
playground, sauna, academia, churrasqueira, salão de festas, SPA, quadra
poliesportiva, entre outras áreas destinadas exclusivamente ao lazer e
recreação.
Dessa maneira, por intermédio do presente artigo foi possível pontuar
considerações sobre o cerceamento ao uso das áreas comuns destinadas ao
lazer por condôminos inadimplentes, expondo de forma célere os motivos
adotados pelos doutrinadores que são favoráveis e contrários a tal
prática.
Por fim, importante se faz ressaltar que apesar da grande controvérsia
existente acerca do assunto, os Tribunais Superiores adotam a posição
majoritária de que é vedado o cerceamento à utilização de áreas comuns
destinadas ao lazer, sem deixar de frisar a existência de tese
minoritária adotada nos casos em que há previsão de restrição claramente
estipulada na Convenção de Condomínio, bem como no Regimento Interno
devidamente aprovados e instituídos.
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