quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Reserva de domínio: Transferência, risco e oponibilidade

Transferência e Risco:

Normalmente o risco e a propriedade caminham juntos, ou seja, quem é dono da coisa responde pelos riscos do seu perecimento ou da diminuição do seu valor. Na reserva de domínio, o comprador mantém a posse do bem, mas a propriedade conserva-se com o vendedor, quem, então, responderia pelos riscos da coisa?
A legislação brasileira é clara e segue os moldes do ordenamento italiano[xvi]:
Art. 524. A transferência de propriedade ao comprador dá-se no momento em que o preço esteja integralmente pago. Todavia, pelos riscos da coisa responde o comprador, a partir de quando lhe foi entregue.
Apesar do direito português não tratar especificamente sobre o tema, a doutrina segue a mesma posição do direito brasileiro.
MARTINEZ aduz que sempre que há entrega do bem, o risco é transferido. Citando artigos do Código Civil Português, como o 796º, nº 1 e 3 e o 886º, ele acredita que sendo a reserva de propriedade caso de condição resolutiva ou suspensiva, a transferência dos riscos se dá com a transferência do bem e não da propriedade.[xvii]
Na legislação e doutrina estudada, a visão do risco é una. FERNANDEZ esclarece que: É opinião admitida unanimemente que a transmissão do risco sobre a coisa, assim como a aquisição dos frutos gerados por esta, se transmitem ao comprador desde que haja a entrega da coisa por parte do vendedor.[xviii]
Chega a essa conclusão pelo seguinte motivo: “Se o comprador, pela tradição possessória, usa, goza e até abusa da coisa sem que haja pagado seu preço na totalidade, parece normal que suporte o periculum”.[xix]

Oponibilidade:

Anteriormente vimos que é necessário o registro da cláusula da reserva de domínio para que seja possível a oposição contra terceiros de boa-fé.
Diferente da legislação portuguesa, a brasileira impõe a necessidade do registro de todos os bens, sem distinção, para que seja admissível a oposição a terceiros.
Quando a lei de Portugal diz no art. 409º, nº 2: Tratando-se de coisa imóvel, ou de coisa móvel sujeita a registo, só a cláusula constante do registo é oponível a terceiros. Um importante questionamento surge.
Seria possível a oposição a terceiros em caso de bens não sujeitos ao registro? Percebam que o artigo transcrito determina a necessidade somente em relação aos bens registráveis.
Ressaltemos que: “em relação à cláusula de reserva de propriedade acordada numa compra e venda de coisa móvel não sujeita a registro, a sua eficácia não é questionável inter partes, mas não pode ser oponível a terceiros de boa-fé.[xx]” Vale dizer que a eficácia obrigacional independe do registro, entretanto ela não é suficiente para ser oposta a terceiros.
Varela e Leitão[xxi] consideram a possibilidade da oponibilidade em relação a terceiros desses bens não sujeitos a registro por não ter o valor posse vale o título.
E é o posicionamento de parte da jurisdição. É o que podemos ver dos seguintes excertos:
II - Tratando-se de coisa móvel não sujeita a registo, o pacto de reserva vale em relação a terceiros sem necessidade de qualquer formalidade especial.
III - Assim, se o comprador relapso vendeu, por sua vez, a mesma mercadoria a terceiro, este negócio tem o cariz de venda de coisa alheia cominada de nula, não podendo o segundo comprador opor o seu direito ao primitivo vendedor que se mantém proprietário da mercadoria.[xxii]
A decisão judicial revela um importante ponto de vista. Como o comprador não é proprietário do bem até que cumpra a condição compactuada, ao vender o bem, ele estaria realizando uma venda de coisa alheia, e, para boa parte da doutrina, o regime da venda de coisa alheia é suficiente para tutelar o direito do vendedor/proprietário.
PEDRO ROMANO não segue essa linha de pensamento. Diz o autor que a regra disposta no art. 409º, nº 2 afasta a reserva de propriedade do regime constante do art. 274º, nº 1. Ele conclui que o princípio geral é: “o da sujeição dos actos de disposição de bens ou direitos que constituem objeto de negócio condicional à própria condição, mas relativamente à reserva de propriedade, no que respeita à oponibilidade a terceiros, é necessária a publicidade (registro), razão pela qual, em relação a bens móveis não sujeitos a registro, não se pode aplicar o princípio da eficácia absoluta.”[xxiii]
Apesar de defender uma linha minoritária e ter seus fundamentos rebatidos com veemência por LEITÃO[xxiv], cremos que ROMANO segue a linha que oferece mais segurança jurídica. Imagine um terceiro de boa-fé que pesquise a situação do bem minunciosamente e descobre que ele é registrado com a cláusula de reserva de propriedade. Ele decide não adquiri-lo. Agora imagine a mesma situação, sendo que o terceiro não descobre nenhum embaraço a coisa. Se a coisa não for sujeita a registro, tal fato não garante nada. Ao adquirir o bem ele sempre estará sujeito a perdê-lo devido a uma possível reserva de propriedade.
Não existiria segurança jurídica. Os bens não sujeitos a registro com cláusula de reserva de propriedade não poderia ter eficácia real. A aparência de dono do comprador original impede qualquer desconfiança do terceiro adquirente, e mesmo que desconfie, a busca nada revelará de anormal.
ROMANO complementa com base no princípio da relatividade dos contratos, ou seja, como a cláusula de reserva de propriedade é uma cláusula contratual, não seria oponível em relação a terceiros por si.[xxv]
Caso o terceiro adquirente esteja de má-fé, obviamente, deverá perder o bem como penalidade por sua conduta vil.
A legislação italiana é mais específica e coloca a necessidade do registro para os bens imóveis e móveis, de acordo com o Codice Civile, e para os demais bens de acordo com legislação específica.
Caso a legislação portuguesa houvesse optado pela solução italiana, a discussão sobre a oponibilidade poderia não existir, possibilitando uma solução clara para o tema.[xxvi]


GUERRA, André Fonseca. Reserva de domínio. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3794, 20 nov. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25880>. Acesso em: 21 nov. 2013.

Nenhum comentário:

Postar um comentário