quinta-feira, 21 de novembro de 2013

A execução da Reserva de Domínio

A execução no direito brasileiro[xxvii] é mais simples do que no direito português. No primeiro, basta o incumprimento de uma parcela para constituir o devedor em mora e legitimidade para fazer a cobrança em juízo, das parcelas vencidas e vincendas ou pela recuperação do bem.
A lei brasileira exige forma para a execução da reserva, deve-se ser feita por meio do protesto do título em Cartório competente ou por interpelação judicial.
Quando o vendedor optar por reaver o bem, ele poderá reter o preço pago[xxviii]  até o necessário para cobrir a depreciação da coisa e as despesas com os atos necessários para cobrança do devido.[xxix]
O direito luso acompanha o pensamento italiano, beneficiando o devedor que atrasa uma parcela do preço:
Art. 1525 – Inadimplemento do comprador
Não obstante acordo em contrário, o não pagamento de uma parcela, que não exceda a oitava parte do preço, não dá lugar à rescisão do contrato, e o comprador mantém o benefício do prazo em relação às parcelas subsequentes[xxx].
De acordo com o artigo 934º, o não pagamento de uma única parcela que não exceda um oitavo, não poderá dar causa à resolução, que somente seria cabível quando duas ou mais parcelas não fossem pagas ou quando a parcela não cumprida exceda um oitavo do preço do bem, no caso das partes não tratarem o contrário.
A reserva de domínio não se limita a garantir a cobrança do preço parcelado. Embora seja sua função essencial, ela deve ir além do direito de preferência à cobrança do preço, como ocorre com a hipoteca.
RIVERA aduz que: “esse algo a mais, especial da reserva de domínio e que a diferencia dentro do nosso ordenamento, deve ser a possibilidade de recuperar o bem vendido a prazo.”[xxxi]
Na hipótese do vendedor optar pela ação de cobrança e no decurso do processo o bem penhorado seja o próprio bem objeto de reserva de domínio, na situação de não existir outro ou existindo, que não garantam o pagamento da totalidade do devido, surge um obstáculo. Como garantir o pagamento com um bem que é do próprio autor da demanda[xxxii]?
A doutrina espanhola dominante profere que, nessa hipótese, existe uma renúncia tácita da propriedade do bem pelo comprador no instante da prática do ato executivo. Neste momento o comprador passa a ser o proprietário do bem embargado e por tal razão, suscetível de execução.[xxxiii]
Após colacionarmos legislação pertinente, fica translúcida a capacidade do vendedor em recuperar o bem, no caso de incumprimento do comprador. Mas também seria possível ao comprador recuperar o bem de terceiro?
FERNÁNDEZ revela que de acordo com a concepção clássica, é necessária a comprovação do domínio para obter a recuperação do bem. Nesse ponto de vista seria impraticável a ação reivindicatória pelo comprador, visto que ele não tem a propriedade do bem objeto da reserva de propriedade.
Outro autor espanhol, VALPUESTA, em seu livro Acción Reivindicatória, defende que a prova de titularidade dominial não se sujeita, necessariamente, as exigências tradicionais para a ação reivindicatória. Isso, pois, a resolução do conflito favorece o melhor direito por meio de uma análise comparativa entre as alegações e provas das partes.[xxxiv]
MANUEL RIVERA apoia a opinião de VALPUESTA. Pronuncia o autor que independente do nome da ação interposta, a prova do domínio foi altamente suavizada, o que na prática, coincide com o objetivo buscado pelo comprador: a recuperação do bem pelo melhor possuidor.
RIVERA prossegue demonstrando que a aplicação conjunta de dois princípios fundamentais do ordenamento jurídico reforçaria tal posicionamento:
- O dever inexcusável dos juízes e Tribunais resolverem todos os assuntos que conheçam segundo o sistema de fontes estabelecido[xxxv];
- O magistrado somente pode decidir pelos fatos afirmados pelas partes.
Acreditamos ser mais acertada a posição dos autores espanhóis. O adquirente do bem afetado com a reserva de domínio não poderia depender do vendedor, o proprietário do bem, para assegurar seu direito em relação à terceiro.
Diante dessas considerações, FERNÁNDEZ, conclui que o comprador será parte legítima para as ações possessórias: “os interditos destinados a recuperação ou manutenção pacífico da sua posse adquirida através da efetiva execução das obrigações contratuais. Ações que poderá exercer frente a qualquer perturbador, incluindo o vendedor.”[xxxvi]
Interessante destacar essa última afirmação de RIVERA: “incluindo o vendedor”. Como poderia o comprador impedir um ato do vendedor, o real proprietário do bem? Já dissemos que na ação reivindicatória, prevaleceria o melhor direito e nessa situação, estaríamos com um conflito entre Posse Vs Propriedade. Deixando as discussões doutrinárias de lado, a posse prevaleceria sobre a propriedade na maioria dos casos, em se tratando de reserva de propriedade.
Isso se motiva pelo fato de não se admitir ao vendedor o livre acesso ao bem vendido pela simples justificativa de que permanece com a sua propriedade. A única hipótese para que o vendedor recupere o bem é o incumprimento contratual por parte do comprador, nas formas já especificadas[xxxvii]. Para as outras hipóteses, o comprador poderá opor ações possessórias contra o proprietário.
Agora, na situação de uma execução do vendedor, os credores somente poderão embargar os direitos que o vendedor tenha sobre a coisa, ou seja, ao restante das parcelas vincendas e não sobre a propriedade do bem, mesmo porque o vendedor somente poderá recuperá-lo diante do incumprimento do comprador.[xxxviii]


GUERRA, André Fonseca. Reserva de domínio. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3794, 20 nov. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25880>. Acesso em: 21 nov. 2013.

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