quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Reserva de domínio: conceito

A cláusula da reserva do domínio tem por objetivo garantir o domínio do bem ao vendedor até que o comprador cumpra a obrigação compactuada.
Antes mesmo de ser prevista legalmente, no ordenamento jurídico espanhol, o Tribunal Supremo em 1894 decidiu pela sua licitude e obrigatoriedade entre os contratantes.[i]
No direito brasileiro[ii], a transferência é feita, automaticamente, após o pagamento integral do valor, conforme o artigo 521 do Código Civil:
A legislação brasileira segue o pensamento italiano e espanhol que consideram a transferência somente após a quitação total do preço do bem. O artigo 1523 do Código Civil italiano é claro:
Na venda a prestação com reserva de propriedade, o comprador adquire a propriedade da coisa com o pagamento da última parcela do preço, mas assume o risco no momento da tradição.[iii]
Portugal segue outra vertente, possibilitando uma maior liberdade das partes ao dizer que a transferência da propriedade pode ocorrer após a verificação de outro evento, que não o pagamento total do bem, de acordo com o artigo 409º do Código Civil.
A doutrina apoia a lei. MARTINEZ aduz que “a reserva de propriedade pode estar relacionada com o cumprimento das obrigações do comprador, máxime o pagamento do preço, ou com a verificação de qualquer outro evento, podendo a cláusula ser aposta na venda de coisas móveis (genéricas ou específicas) ou imóveis”[iv], mesmo posicionamento de Leitão.[v]
A doutrina, todavia, discorda sobre uma possível limitação na compactuação de outro evento para a transferência da propriedade diverso do pagamento integral do preço do bem.
Por um lado, não há discussão. Como o vendedor pode desistir da reserva de propriedade a qualquer momento, o que ocasionaria a transferência imediata da propriedade, seria possível compactuar qualquer quantidade de parcelas inferior ao total para a transferência da propriedade.
A grande dificuldade está na possibilidade do evento acordado versar sobre atos de natureza diversa. Percebam que o artigo supramencionado não impõe qualquer limitação.
Na doutrina alemã admite-se a reserva de propriedade prolongada (Verlängerter Eigentumsvorbehalt), que seria a conservação da propriedade do vendedor perante posteriores aplicações da coisa e a reserva de propriedade alargada (Erweiterte Eingentumsvorbehalt), onde a reserva de propriedade mantém-se até a satisfação de todos os créditos do vendedor ou até da satisfação de outros credores.[vi]
Nesse último sentido, a doutrina admite que, esse outro evento, seja o pagamento de uma dívida a terceiro, situação recorrente para os casos em que o financiamento para a compra do bem não é realizado pelo vendedor.
O projeto de Convenção Europeia prevê a reserva de domínio nos moldes da legislação brasileira, entretanto é mais ampla ao permitir a reserva aos bens móveis e imóveis: Contrato com cláusula de reserva de domínio é o contrato de compra e venda de bens cuja propriedade dos bens objeto do mesmo não se transfere ao comprador até que este tenha cumprido a totalidade da contraprestação da compra.[vii]
 
Seria mais interessante que a legislação portuguesa modificasse o art. 409º 1, sua última parte, sobre a verificação de qualquer outro evento. A previsão da satisfação de uma dívida de terceiro poderia substituir a amplitude da expressão “qualquer outro evento”, tornando o preceito legal menos suscetível a excessos.
Outra importante diferença encontrada no instituto no Brasil e em Portugal se refere aos bens sujeitos à reserva de propriedade. No primeiro, a cláusula somente pode versar-se sobre bens móveis, já no segundo é possível tanto aos móveis, quanto aos imóveis.
Para que a cláusula da reserva seja válida, seja em relação a bens móveis ou imóveis, deve-se caracterizar o bem de maneira a torná-lo distinguível dos demais bens do seu gênero. É o que profere o seguinte artigo do Código Civil brasileiro:
Art. 523. Não pode ser objeto de venda com reserva de domínio a coisa insuscetível de caracterização perfeita, para estremá-la de outras congêneres. Na dúvida, decide-se a favor do terceiro adquirente de boa-fé.
 A inteligência do artigo pode ser exportada para Portugal, principalmente em relação aos bens móveis. Isso porque, normalmente, os bens imóveis tem forma própria de identificação, reduzindo a problemática da identificação.
Antes que passemos a discussão sobre a natureza do instituto, torna-se importante dizer que a cláusula em tela deverá ser compactuada antes da celebração da venda e poderá ser informal[viii], desde que o contrato em concreto prescinda de forma específica.

GUERRA, André Fonseca. Reserva de domínio. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3794, 20 nov. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25880>. Acesso em: 21 nov. 2013.

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