O STF entendeu pela vedação do exercício da advocacia por policiais civil, o que merece ser analisado com cautela.
A quem tem a tarefa de julgar, certamente, nada pode parecer mais
incoerente do que, à sombra de legislação opaca, negar direitos siameses
a uns e permiti-los a outros. Ao considerar improcedente a ADI (3541)
ajuizada contra dispositivo legal que proíbe o exercício da advocacia
aos policiais civis, o Supremo Tribunal Federal tratou de forma
diferente situações iguais. Explica-se.
Salientou-se que a vedação do exercício da atividade de advocacia por
aqueles que desempenham, direta ou indiretamente, atividade policial
“não se presta a fazer distinção qualitativa entre a atividade da
Polícia e da advocacia”. Afirma o Ministro, ainda, que o legislador
vedou o exercício simultâneo das duas atividades, por considerá-lo
prejudicial ao exercício das funções. Aqui o equívoco.
De fato, as funções, tanto policiais, quanto da advocacia, são
fundamentais para o seio social, porém, nada impede que sejam exercidas
pela mesma pessoa, desde que evidentemente esteja habilitada para tanto e
sua ação não gere nenhum conflito de interesse. Essa é a lente pela
qual se deveria enxergar a questão.
É com base nessa visão, inclusive, que o próprio Estatuto da Advocacia
(Lei nº 8.906/94) permite o exercício da função aos servidores da
administração direta, indireta e fundacional, desde que não advoguem
contra a Fazenda Pública que os remunera (art. 30, I).
Veja-se outro exemplo, ainda mais cabal. A Constituição Federal dispõe
em seu artigo 132 que os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal
“exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das
respectivas unidades federadas”. Nada obstante tal função eminentemente
ligada à Administração Pública, nada há que impeça os procuradores de
exercer a advocacia, desde que não labutem contra a Fazenda Pública a
que se encontrem subordinados.
Ora, de se perguntar: teria a função exercida pelos procuradores, de
índole constitucional, a propósito, efeitos menos danosos que a
atividade policial, em casos de conflitos de interesses? Noutras
palavras, em razão do argumento do Ministro Toffoli, seria prejudicial
uma mesma pessoa exercer as funções de representante judicial do Estado e
de advocacia particular?
Quer-se crer que a resposta a tal indagação há de ser negativa, uma vez
não comprovado qualquer conflito de interesse. Essa é, inclusive, a
intenção do citado Estatuto da Advocacia. De fato, a atividade policial
deveria ser considerada com certos impedimentos para o exercício da
advocacia e não peremptoriamente com ela incompatível.
Veja-se o exemplo de um policial civil no Distrito Federal que,
hipoteticamente, exercesse a advocacia privada em Minas Gerais, no ramo
previdenciário. Quais prejuízos poderiam advir desse exercício
concomitante? Note-se que os conflitos de ordem subjetiva, tais como a
coação ou a ameaça, independem da figura do policial civil. Afinal, não
teria um Procurador do Estado também tal possibilidade coativa?
Nunca é demais repisar que tanto policiais civis quanto procuradores ou
os demais servidores públicos têm disciplina jurídica assentada na
própria Carta Constitucional. Logo, sobre eles deveriam impor-se os
mesmos deveres e garantias, respeitadas, evidentemente, as
peculiaridades de cada função.
Ademais, o exercício da advocacia pelos policiais teria uma vantagem
pragmática, principalmente na área penal, pois detém conhecimentos
singulares dos procedimentos do inquérito e, desse modo, poderiam
contribuir para que a investigação policial fosse um instrumento de
elucidação verdadeira dos fatos e não, simplesmente, de imputação de
culpa a alguém.
No Brasil atual, deve-se descartar a visão preconcebida da má-fé ou de
interesses mesquinhos das pessoas, com a finalidade de proibir tudo. Ao
contrário, as pessoas são presumidamente boas e honestas.
Pensa-se ser essa a tradução mais congruente do Princípio da Igualdade
Constitucional, sobre o qual, inclusive, a Ministra Cármem Lúcia[1] já advertiu ser “mais que uma expressão de Direito; é um modo justo de se viver em sociedade”.
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