Mas você é casada ou juntada?”, perguntou uma moça para a outra,
dentro do elevador. “Juntada, e que eu saiba tenho os mesmos direitos de
casada”, respondeu a outra. A porta se abriu, eu saí e pensei: “não tem
não”. Não conheço as moças do elevador, mas considerei que retomar esse
tema pode ser de grande valia, afinal, a informação dita com tanta
certeza pela moça ainda é recorrente não só em elevadores. Para o senso
comum, essa ideia de simetria entre casamento e união estável permanece.
É verdade que as uniões estáveis são reconhecidas por lei, e já
ficou no passado a ideia de que só o papel – no caso, o registro do
casamento civil – atesta a existência de um núcleo familiar. Entretanto,
fosse a mesma coisa estar casado ou “juntado” e a comunidade
homossexual nem brigaria tanto pelos direitos ao casamento civil, só
para citar um exemplo atual e bastante pertinente.
Em dois
momentos limites faz toda a diferença estar num casamento ou em uma
união estável: no momento de separar-se e quando sobrevém a morte de um
dos companheiros. Pois bem, no primeiro caso, o direito à partilha dos
bens, guarda de filhos, pensão alimentícia, enfim, todos os institutos
que sempre foram relativos ao casamento e também estão presentes na
união estável, podem ser apreciados e analisados. No caso de
falecimento, também esses institutos têm relevância, no entanto, ainda
há versões contraditórias quanto à posição dos companheiros na linha
sucessória. A meação – ou seja, a metade dos bens adquiridos
onerosamente ao longo da união estável – está garantida aos
companheiros. Mas meação não é herança, e quanto a esta, os companheiros
podem estar tanto no último lugar da fila, após parentes de todas as
classes – filhos, pais, irmãos, tios, sobrinhos – como podem também
figurar entre os herdeiros necessários e, a partir dessa versão, sim,
podem ganhar os mesmos direitos do cônjuge.
Mas há um detalhe
pouco alardeado, uma daquelas frases que parecem designar apenas um ato
burocrático, uma canetada, mas que na prática é super importante: o reconhecimento judicial da
união estável. Todo o episódio de união estável que chega aos tribunais
– seja por uma razão simples como rompimento da união e consequente
necessidade de estipular partilha, pensão, etc., seja para o recebimento
de herança, vultosa ou não–, a primeira providência é: reconhecer a
união estável. Sem esse reconhecimento, os demais procedimentos
jurídicos não têm lugar.
Vou dar um exemplo que pode ajudar a
esclarecer. Recentemente, a Terceira Turma do Superior Tribunal de
Justiça (STJ) não reconheceu uma união estável e acabou com qualquer
possibilidade de uma mulher receber a herança de seu companheiro
sobrevivente, ou suposto companheiro, já que foi justamente o excesso de
dúvidas e a falta de provas concretas da existência da união estável
que nortearam a decisão dos juízes. Nesse caso, a ministra Nancy
Andrighi, que votou contra o reconhecimento, alegou que não ficou
provado que a relação da mulher com o companheiro falecido estava dentro
dos parâmetros da lei nº 9.278,
de 10 de maio de 1996. Quais são esses parâmetros? A própria juíza os
elencou, caracterizando o vínculo familiar: “durabilidade, publicidade,
continuidade, objetivo de constituição
de família e observância dos deveres de respeito e consideração mútuos,
assistência moral e material recíproca, bem como de guarda, sustento e
educação dos filhos”. Normalmente, constituem prova de união estável o
registro de nascimento de filhos, fotos que flagram a convivência
duradoura, correspondências etc.
No caso citado, a mulher que
requeria o reconhecimento o obteve em primeira instância. Os filhos do
falecido, porém, interpuseram recurso junto ao STJ. Alegaram que os dois
filhos da requerente não eram do falecido e que, nos últimos anos, foi a
irmã do falecido quem se ocupou em ampará-lo na doença e não a mulher
que se dizia companheira. Para a mulher que requeria a união estável,
entre os direitos que o reconhecimento garantiria, estava o de obter,
por meio de herança, pelo menos parte do imóvel pertencente ao falecido,
ou ainda, se fosse a única casa, o direito à propriedade e moradia. O
falecido, entretanto, legou o imóvel em testamento a um asilo. A
requerente ainda tentou objetar, afirmando que o testamento deve ter
sido feito sob pressão da família. Nada feito, não houve o
reconhecimento.
Agora, imaginemos uma situação quase similar:
filhos brigando na justiça contra a madrasta, que não esteve presente
nos anos mais duros da doença, que tem filhos de relacionamentos
anteriores, mas que era casada com o falecido até o momento de sua
morte. E quando menciono “casada” significa que há um registro de
casamento civil, pouco importando se houve ou não uma cerimônia
religiosa, ou festa, ou comunicação ao demais familiares. Mesmo com a
alegada ausência no trato com a doença, os filhos do falecido ganhariam a
causa? Dificilmente. Mais certo que a briga judicial ganhasse contornos
de uma briga familiar sem consequências mais graves. Além disso, jamais
um testamento legando uma casa para uma instituição de caridade, como
no caso citado, poderia ser feito. Pois o cônjuge é herdeiro necessário e
concorreria em pé de igualdade com os filhos do falecido.
Eventualmente, ainda que para justificar a ausência ao longo da doença
os filhos conseguissem provar uma separação de fato – uma separação não
consumada com o divórcio legal –, os direitos da cônjuge estariam
intactos.
Quem imagina a situação, logo pensa que, no caso
citado, a requerente agia de má fé. Hipótese possível, mas também não se
pode descartar que a ex suposta companheira talvez estivesse mesmo mal
informada. O relacionamento pode ter sido para ela uma união estável,
com expectativa de futuro casamento; enquanto para ele pode ter sido
apenas um namoro.
E atenção: um namoro, ainda que prolongado,
não constitui união estável. Essa ideia tem sido muito propagada, mas é
falsa. Um namoro recente não é considerado união estável simplesmente
porque duas pessoas que estão namorando resolveram morar juntas.
Implícita na concepção do que seja a união estável está a durabilidade, a
fidelidade, a união de propósitos. Nem mesmo um filho pode ser a prova
de união estável. Uma vez que a paternidade foi declarada ou comprovada,
a criança tem todos os direitos garantidos, mas seus pais não têm, em
função disso, os direitos e deveres recíprocos que caracterizam a união
estável e o casamento.
Por mais que a lei proteja a família – e
realmente o faz – ao reconhecer as uniões estáveis, ainda não se pode
falar de simetria de direitos. Aspectos como durabilidade, união de
propósitos, auxílio mútuo, respeito ainda estão mais bem provados
legalmente por meio de uma certidão de casamento.
Por: Ivone Zeger
Fonte: http://zeger.jusbrasil.com.br/artigos/148145205/juntada-nao-e-casada?utm_campaign=newsletter-daily_20141028_258&utm_medium=email&utm_source=newsletter
Marcadores
- Ambiental (156)
- Civil 1 (250)
- Constitucional (414)
- Consumidor (409)
- Contratos (357)
- ECA (193)
- Família (1731)
- Livro (5)
- Obrigações (104)
- Pessoas com deficiência (181)
- Proc civil (289)
- Projeto ConciliaUna Catalão (1)
- Projeto Falando de Família (178)
- Questões de gênero (24)
- Reais (273)
- Resp. civil (330)
- Sucessão (443)
- TC (4)
- UC Estado (17)
- UC Negócios (1)
- UC Processual Civil I (7)
- UC Relações estatais (3)
- UC Sistema Tributário (32)
- UC Soluções de conflitos (2)
Nenhum comentário:
Postar um comentário