No antigo CPC, tínhamos uma figura que nunca foi muito bem resolvida, o § 6º do art. 273: “A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”.
Vivia em cima do muro, era mesmo uma antecipação de tutela (ou tutela provisória de evidência) ou, na verdade, configurava a possibilidade de o juiz julgar parcialmente o mérito, naquela hipótese lá elencada?
Não sei nem nunca saberei a resposta, principalmente diante da morte anunciada desta técnica para o dia 17 (ou 16 ou 18) de março de 2016, i. E. Duvidosa data da entrada em vigor do Novo CPC.
O fato é que o Novo CPC excluiu essa “tutela antecipada” do § 6º e previu expressamente duas técnicas para substituí-la:
Em primeiro lugar, a tutela de evidência consagra a possibilidade da antecipação do bem da vida disputado em juízo, sem urgência, para a parte requerente, antes do aprofundamento dos debates no processo.
A lei atende à necessidade de se distribuir adequadamente os ônus da demora do processo, concedendo ao autor o bem da vida disputado em juízo enquanto o processo aguarda solução final.
Para que isso ocorra, é necessário que a conduta do réu se mostre temerária no processo ou que o direito do autor se apresente robustamente quanto a fatos ou se apoie em precedentes vinculantes. É isso que determina o art. 311:
“A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte; II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa; IV – a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”.
Em segundo lugar, o Novo CPC positivou os chamados julgamentos antecipados parciais de mérito, que permitem que o juiz resolva definitivamente PARTE do conflito, ainda que depois tenha que prosseguir com a restante da causa. A ideia da lei é permitir o julgamento antecipado daquela parte do processo “pronta para julgamento”, porque preenchidos os requisitos do art. 355, enquanto o processo prossegue para debater a restante.
Não falamos aqui de tutelas provisórias, que nascem e aguardam futura revogação ou confirmação pela sentença de mérito. Pelo contrário, são efetivos julgamentos de mérito que, muito embora não atinjam todos os pedidos formulados no processo, têm natureza definitiva e aptidão para produzir coisa julgada material. Assim o art. 356:
“O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: I – mostrar-se incontroverso; II – estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355”.
Ao contrário de ser um benefício processual ou um prêmio para o demandante, o julgamento antecipado parcial de mérito é uma mera imposição da isonomia e da racionalidade. Faz com que o demandante, tendo proposto uma demanda com pedidos cumulados, ou duas demandas, receba os bens da vida no mesmo momento.
Caso e. G. O autor tivesse optado por propor duas demandas, uma para pedir multa contratual e outra para pedir perdas e danos, presentes os requisitos para o julgamento antecipado do mérito em relação à primeira, e não à segunda, teríamos desde logo sentença no primeiro processo, enquanto que o segundo prosseguiria para a produção de provas (e. G. Determinação e quantificação dos danos).
Ignorada a aplicabilidade do § 6º do art. 273, sob o regime do antigo CPC a solução para o caso de cúmulo, num mesmo processo, daqueles mesmos pedidos, acabaria por trazer resultado prático distinto.
Sem a possibilidade de cindir o julgamento, as partes que optaram por cumular pedidos teriam de esperar toda a produção de provas (a qual seria necessária apenas em relação ao segundo pedido) para que, somente ao fim do processo, obtivessem tutela jurisdicional quanto ao primeiro pedido. Embora pronto para julgamento desde o saneamento do processo, aquele pedido ficaria guardado – sem debate – para apenas ser apreciado na sentença final.
O Novo CPC pretende corrigir esta disparidade, e faz muito bem.Com o julgamento antecipado parcial de mérito (Novo CPC, art.356), mesmo nos casos de cúmulo de pedidos, o juiz estará autorizado a decidir definitiva e antecipadamente aquele pedido que preenche os requisitos legais (Novo CPC, art. 355), prosseguindo o processo apenas em relação ao pedido que depende de produção ulterior de provas.
Uma questão de isonomia, que visa a não prejudicar a parte que antes buscou economia processual e pretendeu resolver dois pedidos com um processo só.
Ok. Então, se o julgamento antecipado parcial de mérito apenas corrige uma disparidade (decorrente do tratamento distinto entre duas demandas conexas e o cúmulo simples de pedidos), e não configura verdadeiro benefício para as partes, por qual motivo o título desse artigo? Por que vaticinar aqui que eu e todo mundo só vai querer julgamento antecipado parcial de mérito?
O cobertor é curto no Novo CPC. Na medida em que corrige uma disparidade causada por defeito técnico do Antigo CPC, acaba criando uma outra disparidade, agora, no entanto, atingindo o âmbito recursal e o cumprimento da decisão.
Embora a sentença final e a decisão que julga parcial e antecipadamente o mérito tenham absolutamente a mesma natureza, i. E. Julgamento de mérito apto a produzir coisa julgada material, o primeiro ato é recorrível por apelação, enquanto que o segundo por agravo. E daí pelo Novo CPC há uma consequência prática incontornável: os atos decisórios agraváveis produzem efeitos imediatamente e admitem execução provisória (NovoCPC, art. 1.019, I), enquanto que os atos apeláveis tem sua eficácia suspensa, como regra (Novo CPC, art. 1.012).
Mais do que isso. Como regra geral, o Novo CPC estabelece que “o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem transferência de posse ou alienação de propriedade ou de outro direito real, ou dos quais possa resultar grave dano ao executado, dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos” (Novo CPC, art. 520,IV). No entanto, tendo em vista o disposto no art. 356, § 2º, a exigência de caução – sem motivo aparente – não se mostra presente se o cumprimento for da decisão parcial de mérito.
É dizer, apenas porque o juiz resolveu julgar antes parte do pedido, temos uma super-execução-provisória, diferente daquela decorrente da sentença:
“Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: § 2o A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa interposto”.
Daí, vejamos que a situação se inverte. Antes, era pior cumular pedidos, pois, mesmo que um já estivesse pronto para julgamento, teríamos de esperar o outro ficar também pronto (depois da instrução probatória) para que fosse realizado o julgamento de mérito.
Agora, quem propõe duas demandas se dá mal, pois, decididos os dois pedidos por sentença (ainda que um deles seja julgamento antecipado de mérito), em nenhum dos casos será admissível cumprimento provisório. No cúmulo de pedidos e no julgamento antecipado parcial de mérito, ao menos um dos pedidos será decidido por decisão interlocutória, permitindo cumprimento imediato e atos expropriatórios sem caução.
Não há justificativa para esse tratamento: situações idênticas que, simplesmente em função do recurso cabível, acabam por gerar consequências práticas completamente distintas, uma com a possibilidade de cumprimento imediato da decisão, outra que exige a espera de todo o tempo necessário para o julgamento do recurso de apelação. Receber, hoje, uma decisão parcial de mérito é um grande prêmio para o litigante, e uma sentença favorável – ante sua ineficácia – pode ser até um castigo!
Fonte:Marcelo Pacheco Machado - JOTA.
Publicado por Flávia T. Ortega
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