A Emenda Constitucional n. 45/2004, incluiu o parágrafo terceiro ao art. 102 da Constituição Federal [21] cuja redação determina que no recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.
A lei 11418/2006, a fim de regulamentar o disposto no § 3° do art. 102 da Constituição Federal, acrescentou ao Código de Processo Civil os artigos 543-A e 543-B [22].
Marcelo Labanca Côrrea de Araújo e Luciano José Pinheiro Barros [23] destacam que a repercussão geral não é instituto desconhecido no direito brasileiro, uma vez que anteriormente à vigência da atual Constituição, havia a arguição de relevância, existente no art. 327, § 1º do Regimento Interno do STF. A Emenda Constitucional n. 7, de 13.04.1977 deu nova redação ao § 1º ao art. 119 para permitir que o STF definisse as causas com relevância federal que seriam objeto de análise pela Corte Constitucional. Este instituto não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.
A repercussão geral constitui uma espécie de filtro, um requisito que limita a admissão pelo STF do recurso extraordinário. A finalidade ao instituir tal pressuposto de admissibilidade foi reduzir o número de processos analisados Corte Suprema, de forma a conferir maior celeridade e agilidade à prestação jurisdicional.
A recusa em admitir o recurso extraordinário por falta de repercussão geral só pode ocorrer pela manifestação de oito ministros.
O conceito de repercussão geral encontra-se no § 1º do art. 543-A do CPC, e consiste na existência de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.
Assim, não é qualquer questão constitucional que será apreciada pelo Supremo Tribunal em sede de recurso extraordinário, mas somente aquela que ultrapassar o singelo interesse das partes demandantes.
Importante salientar que há um caso em que a repercussão geral é presumida. Trata-se da hipótese em que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.
Fernando Faccury Scaff [24] faz duras críticas ao instituto da repercussão geral, e à aproximação que esta proporciona do controle difuso em relação ao concentrado, ressaltando que o poder conferido ao Supremo é algo sem precedentes no sistema brasileiro.
No caso da repercussão geral prevista no art. 543-B do CPC, na esteira da mudança ocorrida pela EC 45/2004, constata-se que o poder atribuído ao STF é muito mais amplo e forte, uma vez que esta Corte pode, independentemente de qualquer ação a ser interposta pelo Procurador-Geral da República, determinar a interpretação de uma norma constitucional e impô-la a todos os processos em controle difuso de constitucionalidade. E a convergência dos sistemas difuso e concentrado, determinada através da imposição de uma fórmula que vincula a decisão do STF aos demais órgãos, inclusive do Poder Judiciário, e que transforma a eficácia dessas decisões em controle difuso de inter partes em erga omnes, inclusive anulando as decisões já adotadas pelas demais instâncias judiciárias. E tudo isso sem respeitar o Princípio do Juiz Natural (CF/88, art. 5º, LIII e XXXVII: "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente"; "não haverá juízo ou tribunal de exceção").
Isto é mais do que uma súmula vinculante; é uma decisão única, tomada por seis dos ministros (maioria absoluta de um total de 11), que pode desfazer as decisões adotadas pelos Tribunais de todo o País. A exigência de quórum qualificado (oito votos) é apenas para o juízo de admissibilidade, e não para a votação de mérito. É um poder jamais visto no Brasil nas mãos do STF.
A repercussão geral configura mecanismo de aproximação do controle difuso em direção ao controle, uma vez que não admitido o recurso extraordinário por ausência de repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, tudo nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (art. 543-A, § 5° do CPC).
Outro ponto que merece destaque é quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia. Neste caso, caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte. Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.
Isso demonstra claramente a extensão dos efeitos da decisão proferida no âmbito do controle incidental de constitucionalidade, haja vista que não admitida a existência da repercussão geral no recurso extraordinário escolhido pelo Tribunal de origem para representar os outros recursos que tenham fundamento em idêntica controvérsia, todos os demais serão considerados como não admitidos.
As consequências da adoção da repercussão geral para que o recurso extraordinário seja conhecido pelo STF "são de inevitável resguardo e preservação do Supremo Tribunal Federal como Órgão que se aproxima cada vez mais a uma Corte Constitucional, em detrimento de sua consideração de Suprema Corte [25]".
Poder-se-ia cogitar que a previsão da repercussão geral configura ofensa ao princípio da supremacia da Constituição. É que se um cidadão pretender interpor recurso extraordinário sustentando a inconstitucionalidade da sentença e do acórdão que julgou a apelação, mas a inconstitucionalidade alegada não possuir repercussão geral, não terá seu recurso conhecido. Isto implicaria na prevalência de uma decisão inconstitucional em contraposição ao sistema constitucional.
No entanto, o direito assegurado pela Constituição, ainda que implicitamente, é o direito ao duplo grau de jurisdição, e não o direito de ter seu recurso sempre apreciado por uma "terceira instância", no caso o Supremo Tribunal Federal. Ao exercer o direito de recorrer, mediante a apelação, o cidadão tem assegurado o duplo grau de jurisdição. E também persiste o direito de utilizar-se do controle difuso de constitucionalidade, que para ter acesso ao Pretório Excelso, exige, agora, o preenchimento de mais um requisito, qual seja, o da repercussão geral.
Logo, a adoção da repercussão geral não implica em admitir a prevalência de uma decisão inconstitucional, em desrespeito ao princípio da supremacia da Constituição, mas simplesmente na delimitação de quem pode valer-se do recurso extraordinário e de quais as situações aptas a ensejar a manifestação do Supremo Tribunal Federal, em sede de controle difuso.
ROSA, Michele Franco Rosa . A abstrativização do controle difuso de constitucionalidade . Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3082, 9 dez. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20586>.
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