Como visto nas primeiras aulas do curso, a Ciência Processual é relativamente nova, se comparada com outros ramos da Ciência Jurídica, como por exemplo o Direito Civil. Assim, os diversos institutos que hoje são analisados pelos processualistas eram concebidos de outra forma.
Até meados do século XIX, prevalecia entre os estudiosos do Direito a teoria civilista ou imanentista da ação. Esta era tida como manifestação do próprio direito material após sua violação ou como o direito de perseguir em juízo aquilo que nos é devido (ius persequendi in judicio quod sib debetur). Esta concepção da ação, segundo a qual seria ela uma qualidade de todo o direito, levava a inevitáveis conclusões: a) não há ação sem direito; b) não há direito sem ação; c) a ação segue a natureza do direito material. Entre os adeptos desta teoria podemos citar o notável Clóvis Beviláqua, um dos idealizadores do finado Código Civil de 1916, onde, no art. 75, era possível encontrar a seguinte regra: “a todo direito corresponde uma ação, que o assegura”. Neste período, onde a ação não tinha conteúdo autônomo, o direito processual era visto como mero apêndice do direito privado, característica fundamental desta fase sincrética. Vale observar que nessa época também não se visualizava uma distinção entre relação jurídica de direito material (ex: credor e dever) e relação processual (autor-juiz-réu).
No ano de 1868, o alemão Oskar von Bülov lançou sua obra “Teoria dos Pressupostos Processuais e das Exceções Dilatórias, onde desenvolveu e sistematizou a idéia de que o processo seria uma relação jurídica autônoma. Na mesma época, floresceram teorias acerca da natureza do direito de ação, tendo a noção imanentista sido superada na segunda metade do século XIX, na famosa polêmica Windscheid e Muther.
Assim, surge a noção de ação como um direito autônomo que, encampada com as idéias de Bülow acerca do processo, percebeu-se que o destinatário dela é o Estado e não o sujeito passivo da relação material e, ademais, seus objetos seriam distintos.
É importante observar que estes dois novos conceitos (processo como relação jurídica e ação autônoma do direito material) foram essenciais para o enriquecimento da Ciência Processual ocorrido ao longo do séc XX.
Ao longo do desenvolvimento desta fase científica da ciência processual, diversas teorias buscaram explicar qual seria a natureza do direito de ação. Entre essas, podemos destacar: teoria concretista, teoria do direito potestativo de agir, teoria abstrata do direito de agir e teoria eclética da ação.
Hoje, prevalece em nossa doutrina a denominada “teoria eclética da ação”: o direito de ação é tido como existente ainda que o demandante não seja titular do direito material que afirma existir. No mais, esta teoria, atribuída a Liebman, aponta a existência de categoria estranha ao mérito da causa, que são as denominada condições da ação, verdadeiros requisitos de exigência do direito de agir. Nesse passo, o direito de ação só existe se o autor preencher tais requisitos. Esta teoria foi consagrada em nosso CPC, art. 267, VI.
Sem embargo, a referida teoria sofreu alguns aprimoramentos ao longo do tempo. José Carlos Barbosa Moreira afirma que estas condições são, na verdade, requisitos do legítimo exercício da ação, e não requisitos de existência do direito de ação. Este é abstrato em sua essência, mas pode ser exercido de forma legítima ou abusiva (quando não presentes estes requisitos). Os requisitos, conforme entendimento que prevalece em nossa doutrina, seriam (a) legitimação para agir (pertinência subjetiva para propositura da demanda), (b) interesse em agir (representado pelo binômio necessidade-adequação) e (c) possibilidade jurídica do pedido (melhor seria dizer da demanda, haja vista que não pode haver proibição no ordenamento de que seja feito determinado pedido ou que seja utilizada certa causa de pedir).
No Processo Penal, fala-se ainda em uma quarta condição: a justa causa. Em nosso sistema processual penal não se admite ação penal pública ou privada sem vir acompanhada de um suporte probatório mínimo (justa causa, art. 648, inc. I, CPP). De fato, como observa o Prof. Afrânio Silva Jardim, “a simples instauração do processo penal já atinge o chamado status dignitatis do réu”. Esse lastro probatório mínimo é fornecido pelo inquérito policial ou pelas peças de informação que devem acompanhar a denúncia ou queixa (arts. 12,39, parágrafo 5º, e 46, parág. 1º do CPP).
No entanto, é na chamada Jurisdição Coletiva que o assunto deve receber especial atenção. Em efeito, foi necessário redimensionar o tradicional conceito de legitimidade para que este fosse compatível com a tutela dos interesses de grupo. Como se nota pela jurisprudência presente nesse material, o assunto ainda encontra inúmeras controvérsias em nossos tribunais.
Hoje, o direito de ação deve ser compreendido como verdadeiro direito fundamental. Direito fundamental processual, haja vista que, inúmeras vezes, depende a concretização de outros direitos fundamentais como liberdade (ex: habeas corpus), educação (ex: mandado de segurança) ou meio-ambiente (ex: ação civil pública).
Fonte: Apostila da FGV - Teoria Geral do Processo - Autor: Rodrigo Pereira Martins Ribeiro
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