Saiu na Folha de 10/02/12:
"DNA do monstro
A imagem de um general confraternizando, abraçando, ganhando bolo e até chorando com policiais militares em greve não é boa para o governo da Bahia, para o governo federal, para o Exército, nem para o próprio general Gonçalves Dias - que passou muitos anos ao lado de Lula, tentou improvisar ao estilo lulista e quebrou a cara. Lula tem origem sindical, Dias é um militar. Além disso, só Lula é Lula.
Feita a crítica ao general - que continua no comando, mais militar, menos sindicalista - ressalte-se que Lula, o agora governador Jaques Wagner e o PT engordaram o monstro ao comemorar a greve de policiais na mesma Bahia em 2001. A greve de hoje é, de certa forma, desdobramento da de ontem. Com o monstro e o caos criados, jogam o Exército contra os grevistas.
Situação delicada. Duas forças armadas frente a frente, estranhando-se, ameaçando-se. Ou, ao contrário, apoiando-se. Qualquer fagulha..."
Só dois grupos estatais usam legalmente as armas como instrumento de trabalho no Brasil: as polícias e as Forças Armadas. Como dito no artigo acima, as greves na Bahia e no Rio colocoram esses dois grupos frente à frente. Essa não é apenas uma situação factualmente perigosa, mas juridicamente delicada pois dá ensejo à decretação do estado de defesa, um meio termo ao estado de sítio criado pela Constituição de 88.
O artigo 136 da Constituição diz que a presidente pode decreta-lo “para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional”.
O artigo salienta dois critérios: deve haver instabilidade (ou sua iminência) e ela deve ser grave. É difícil imaginar maior instabilidade institucional do que polícias e Exército se enfrentando nas ruas. Não apenas pela possibilidade de conflito direto, mas por deixarem o resto da sociedade desprotegida. O critério instabilidade já está preenchido.
Essas duas instituições servem para proteger fisicamente, ainda que de maneiras distintas, o Estado e a sociedade. Enquanto elas se encaram, deixam de observar a sociedade.
Factualmente, já estamos próximo ao ponto em que a presidente pode utilizar tal prerrogativa.
O outro critério é a gravidade, e esse é um julgamento de valor. A revolta de um pequeno grupo não é grave. A revolta de um pequeno grupo com acesso a armas é mais grave. A revolta de um grande grupo com acesso a armas é muito grave. O limite depende de quanto o Estado acha que pode aguentar antes de apelar para medidas extraordinárias. É possível resolver o problema negociando e controlar a segurança da população ao mesmo tempo?
Mas o fato de o elefante estar na sala não torna a discussão de sua existência mais fácil.
Primeiro, porque o estado de defesa implica na restrição de direitos constitucionais aos quais nos acostumamos, como sigilo de correspondência e telefônico e o direito de reunião. Segundo, porque nunca tivemos a decretação do estado de defesa e não sabemos exatamente como gerencia-lo.
Pior: se ele falhar – ou se as greves se alastrarem pelo país – o próximo (e derradeiro) passo é a decretação do estado de sítio. O estado de sítio é o limbo entre um regime democrático e uma ditadura. Além dele, é o breu. Depois de decretado, nunca sabemos como, quando e se as forças armadas retornarão à caserna.
Para a decretação do estado de defesa, a presidente deve ouvir – e não necessariamente seguir a orientação – dos conselhos da República e de Defesa Nacional. O primeiro é essencialmente político e o segundo é técnico.
E, depois de decretado, ela tem vinte e quatro horas para submete-lo ao Congresso. Este, por sua vez, outros dez dias para aprecia-lo. Até lá, o decreto vige e gera consequências. Dois problemas aqui:
A Constituição não é clara no que deve acontecer se o Congresso não vota-lo nesse prazo de dez dias e o problema continuar.
Além disso, durante o Estado de defesa o Congresso é obrigado a funcionar continuamente. E o carnaval começa em uma semana.
http://direito.folha.com.br/1/post/2012/02/greve-das-polcias-pode-levar-ao-estado-de-defesa.html
"DNA do monstro
A imagem de um general confraternizando, abraçando, ganhando bolo e até chorando com policiais militares em greve não é boa para o governo da Bahia, para o governo federal, para o Exército, nem para o próprio general Gonçalves Dias - que passou muitos anos ao lado de Lula, tentou improvisar ao estilo lulista e quebrou a cara. Lula tem origem sindical, Dias é um militar. Além disso, só Lula é Lula.
Feita a crítica ao general - que continua no comando, mais militar, menos sindicalista - ressalte-se que Lula, o agora governador Jaques Wagner e o PT engordaram o monstro ao comemorar a greve de policiais na mesma Bahia em 2001. A greve de hoje é, de certa forma, desdobramento da de ontem. Com o monstro e o caos criados, jogam o Exército contra os grevistas.
Situação delicada. Duas forças armadas frente a frente, estranhando-se, ameaçando-se. Ou, ao contrário, apoiando-se. Qualquer fagulha..."
Só dois grupos estatais usam legalmente as armas como instrumento de trabalho no Brasil: as polícias e as Forças Armadas. Como dito no artigo acima, as greves na Bahia e no Rio colocoram esses dois grupos frente à frente. Essa não é apenas uma situação factualmente perigosa, mas juridicamente delicada pois dá ensejo à decretação do estado de defesa, um meio termo ao estado de sítio criado pela Constituição de 88.
O artigo 136 da Constituição diz que a presidente pode decreta-lo “para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional”.
O artigo salienta dois critérios: deve haver instabilidade (ou sua iminência) e ela deve ser grave. É difícil imaginar maior instabilidade institucional do que polícias e Exército se enfrentando nas ruas. Não apenas pela possibilidade de conflito direto, mas por deixarem o resto da sociedade desprotegida. O critério instabilidade já está preenchido.
Essas duas instituições servem para proteger fisicamente, ainda que de maneiras distintas, o Estado e a sociedade. Enquanto elas se encaram, deixam de observar a sociedade.
Factualmente, já estamos próximo ao ponto em que a presidente pode utilizar tal prerrogativa.
O outro critério é a gravidade, e esse é um julgamento de valor. A revolta de um pequeno grupo não é grave. A revolta de um pequeno grupo com acesso a armas é mais grave. A revolta de um grande grupo com acesso a armas é muito grave. O limite depende de quanto o Estado acha que pode aguentar antes de apelar para medidas extraordinárias. É possível resolver o problema negociando e controlar a segurança da população ao mesmo tempo?
Mas o fato de o elefante estar na sala não torna a discussão de sua existência mais fácil.
Primeiro, porque o estado de defesa implica na restrição de direitos constitucionais aos quais nos acostumamos, como sigilo de correspondência e telefônico e o direito de reunião. Segundo, porque nunca tivemos a decretação do estado de defesa e não sabemos exatamente como gerencia-lo.
Pior: se ele falhar – ou se as greves se alastrarem pelo país – o próximo (e derradeiro) passo é a decretação do estado de sítio. O estado de sítio é o limbo entre um regime democrático e uma ditadura. Além dele, é o breu. Depois de decretado, nunca sabemos como, quando e se as forças armadas retornarão à caserna.
Para a decretação do estado de defesa, a presidente deve ouvir – e não necessariamente seguir a orientação – dos conselhos da República e de Defesa Nacional. O primeiro é essencialmente político e o segundo é técnico.
E, depois de decretado, ela tem vinte e quatro horas para submete-lo ao Congresso. Este, por sua vez, outros dez dias para aprecia-lo. Até lá, o decreto vige e gera consequências. Dois problemas aqui:
A Constituição não é clara no que deve acontecer se o Congresso não vota-lo nesse prazo de dez dias e o problema continuar.
Além disso, durante o Estado de defesa o Congresso é obrigado a funcionar continuamente. E o carnaval começa em uma semana.
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