A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CR/88, no
que respeita à organização político-administrativa do Estado Brasileiro,
instituiu três Poderes políticos, quais sejam o Executivo, o
Legislativo e o Judiciário. Esses Poderes estão encarregados do
exercício de funções que podem ser classificadas como típicas e
atípicas.Dentre as funções típicas do Estado, interessa destacar, neste
artigo, a função administrativa, cujo exercício visa ao alcance dos
interesses públicos. A Administração Pública, por sua vez, é a gestão
daqueles interesses por meio da prestação de serviços públicos.
José dos Santos Carvalho Filho ensina que a expressão Administração
Pública pode ser entendida em dois sentidos diferentes: o subjetivo e o
objetivo. Para o referido doutrinador, “o sentido objetivo, pois, da
expressão, deve consistir na própria atividade administrativa exercida
pelo Estado por seus órgãos e agentes, caracterizando, enfim, a função
administrativa[1]”.Sobre esse tema, Raquel Melo
Urbano acrescenta que,em seu sentido objetivo, Administração Pública “é o
exercício da função administrativa, ou seja, trata-se da atividade do
Estado de cumprir o que determinam as normas de direito público,
mediante sua interpretação provisória vinculada à realização do bem
comum, com submissão ao controle de juridicidade” [2].
Já no que se relaciona ao sentido subjetivo da expressão, a
doutrinadora assevera que ela“pode também significar o conjunto de
agentes, órgãos e pessoas jurídicas que tenham a incumbência de executar
as atividades administrativas[3]”.
Postas essas observações de natureza introdutória, pode-se afirmar que o
Estado é considerado um ente personalizado e enquanto pessoa jurídica
que é, manifesta sua vontade através de seus agentes.A Teoria do Órgão,
instituída pelo alemão Otto Gierke, preceitua que a vontade da pessoa
jurídica deve ser atribuída aos órgãos que a compõem, sendo esses órgãos
compostos por agentes.A doutrina conceitua órgão público como um núcleo
de competências estatais sem personalidade jurídica própria.
Nos termos da Lei nº 9.784 de 1999, mais especificamente doartigo 1º, §
2º, inciso I, órgão é a unidade de atuação integrante da estrutura da
Administração direta e da estrutura da Administração indireta. Os órgãos
públicos pertencem a pessoas jurídicas, mas não são pessoas jurídicas.
São divisões internas, partes de uma pessoa governamental, daí receberem
também o nome de repartições públicas[4].Por
outro lado, o artigo 1º, § 2º, inciso II, da mencionada Lei nº 9.784 de
1999, conceitua entidade como a unidade de atuação dotada de
personalidade jurídica própria. Em função de possuírem personalidade
autônoma,as referidas entidades respondem judicialmente pelos prejuízos
causados, a terceiras pessoas, por seus agentes públicos.
A organização administrativa do Estado para o exercício da função
administrativa resulta num conjunto de normas jurídicas orientadoras da
atuação e controle dos órgãos, agentes e pessoas jurídicas. A atividade
de gestão dos interesses sociais e bens da coletividade é realizada
pelos diversos entes da Federação Brasileira (União, Estados-membros,
Municípios e Distrito Federal) de duas formas: a centralizada, ou seja,
diretamente, sem interferência de outra pessoa, ou a descentralizada,
vale dizer, quando um ente federativo transfere parte da função
administrativa que lhe foi imputada a outra pessoa, pública ou privada.
Cumpre esclarecer que a repartição de competências mencionada no
parágrafo anterior é administrativa, e, não, legislativa. A tarefa que
se distribui é o poder-dever de cumprir a lei de ofício, mas, não, o
poder de criar o direito.
Assim, é a partir dos conceitos de centralização e descentralização
administrativa que se chega aos de Administração Direta e Indireta. A
Administração Direta é organizada com base na hierarquia e
desconcentração, composta por órgãos sem personalidade jurídica. A
Administração Indireta, no âmbito federal, conforme conceito legal
previsto no Decreto-lei n° 200 de 1967, artigo 4°, inciso II, compreende
as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica
própria: a) Autarquias; b) Empresas Públicas; c) Sociedades de Economia
Mista; d) Fundações Públicas.
Para José dos Santos Carvalho Filho, a “Administração Indireta é o
conjunto de pessoas administrativas que, vinculado à respectiva
Administração Direta, tem o objetivo de desempenhar as atividades
administrativas de forma descentralizada.”[5] A
Administração Indireta se compõe de pessoas jurídicas de direito público
e de direito privado. São entidades de direito público: as Autarquias
(aqui incluídas as Agências Reguladoras), as Fundações Públicas e as
Associações Públicas. Possuem personalidade de direito privado, noutro
passo: as Empresas Públicas, as Sociedades de Economia Mista e as
Fundações Governamentais de Direito Privado[6]. É
relevante dizer, nesse ponto, que parte da doutrina ainda coloca no rol
das entidades de direito privado os Consórcios de Direito Privado, as
Empresas Controlas e as Empresas Subsidiárias.
No que é atinente às Autarquias, pode-se dizer que são pessoas
jurídicas de direito público criadas por lei específica para o exercício
de funções próprias e típicas do Estado, com independência decorrente
de sua autoadministração e sujeição ao controle de tutela. Podem
classificar-se em administrativas, ou de serviço, e especiais. As
primeiras são as autarquias comuns, dotadas do regime jurídico ordinário
dessa espécie de pessoa pública. Como exemplo de autarquia comum pode
ser citado o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, autarquia
federal criada mediante a fusão do Instituto de Administração da
Previdência e Assistência Social – IAPAS com o Instituto Nacional de
Previdência Social – INPS (cf. Lei nº 8.029, de 12 de abril de 1990). As
autarquias especiais, por seu turno, caracterizam-se pela existência de
determinadas peculiaridades normativas que as diferenciam das
autarquias comuns, dentre as quais merece ser mencionada a acentuada
autonomia.As autarquias especiais podem ser divididas em duas
subespécies: 1ª) autarquias especiais “stricto sensu”, como o Banco
Central do Brasil – BACEN, a Superintendência do Desenvolvimento da
Amazônia – SUDAM e a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste –
SUDENE e 2ª) agências reguladoras, que são autarquias especiais dotadas
de uma qualificada autonomia, garantida pela presença de dirigentes com
mandatos fixos e estabilidade no exercício das funções. São exemplos
dessa segunda subespécie a Agência Nacional de Telecomunicações –
ANATEL, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e a Agência
Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ.
As autarquias podem ainda ser classificadas como corporativas; são as
chamadas corporações profissionais, ou autarquias profissionais. Essas
entidades, com atuação de interesse público, estão encarregadas de
exercer controle e fiscalização sobre determinadas categorias
profissionais. Os Conselhos de Classe, como Conselho Regional de
Engenharia e Arquitetura – CREA, Conselho Regional de Odontologia – CRO e
Conselho Regional de Medicina – CRM são um excelente exemplo de
autarquias profissionais. Nada obstante, é interessante mencionar a
existência de decisão do Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 3026, de relatoria do Ministro Eros Grau, no
sentido de atribuir à Ordem dos Advogados do Brasil – OAB a natureza de
entidade sui generis, distinta, portanto, da natureza das autarquias
corporativas. Para a Corte Constitucional, a OAB não faz parte da
Administração Pública (Direta, ou Indireta), não se sujeitando,
portanto, aos ditames a ela impostos, ou mesmo ao seu controle.
Noutro giro, as autarquias fundacionais são as criadas mediante a
afetação de determinado patrimônio público a certa finalidade. São
conhecidas como fundações públicas. No rol dessa espécie estão entidades
como aFundação Nacional de Saúde –FUNASA e a Fundação Nacional do Índio
– FUNAI.
Têm-se, ademais, as denominadas Autarquias Territoriais, as quais não
são mais do que departamentos geográficos administrados diretamente pela
União. Na Constituição da República de 1988 – CR/88, tais autarquias
receberam o nome de territórios federais (cf. artigo 33 da CR/88).
As Empresas Públicas e as Sociedades de Economia Mista, embora de
categoria jurídica diversa, já que dotadas de personalidade de direito
privado, compõem o quadro de entidades da Administração Indireta.
As Empresas Públicas podem assumir qualquer forma jurídica adequada ao
exercício de atividades gerais pelo Estado (na maioria das vezes,
atividades de cunho econômico). O termo públicas indica uma relação de
controle entre o Estado e essas empresas.
As Sociedades de Economia Mista, por sua vez, são sociedades por ação,
próprias à atividade empresarial, cujo controle acionário pertença ao
Poder Público.A respeito das Fundações Públicas, mister salientar que a
natureza e o regime jurídico dessas entidades encontram-se no centro de
discussão de toda doutrina. O enquadramento da Fundação Públicacomo
pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado, é pressuposto
inarredável à definição das normas que irão reger a sua atuação.
Sobre esse tema, vale mencionar que o Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão – MPOG, por meio da Portaria MP nº 426, de 06 de
setembro de 2007, instituiu uma comissão de juristas para propor uma
nova estrutura orgânica para o funcionamento da Administração Pública
Federal e das suas relações com entes de colaboração. Em julho de 2009, o
trabalho da Comissão foi apresentado, consistente num anteprojeto de
lei que estabeleceu normas gerais sobre Administração Pública Direta e
Indireta, entidades paraestatais e entidades de colaboração.Os estudos
da comissão tiveram por objetivo a redefinição das várias classes de
entidades que compõem a administração indireta, principalmente as de
personalidade de direito privado. O projeto também tratou das entidades
paraestatais e das entidades de colaboração que, embora instituídas no
âmbito não estatal, desenvolvem atividades de interesse público,
gerindo, muitas delas, verbas públicas. Quanto às entidades da
Administração Indireta, o projeto, basicamente, manteve as modalidades
previstas no Decreto-lei 200/67. No que diz respeito às fundações,
substitui?se a expressão fundação pública por fundação estatal, com o
objetivo, justamente, de evitar a confusão existente entre a designação
“pública” e a sua personalidade jurídica, que é de direito privado.
O anteprojeto considerou as fundações estatais como pessoas jurídicas
de direito privado. “As que foram ou vierem a ser instituídas com
personalidade de direito público são, por disposição expressa,
consideradas como autarquias, qualquer que seja a denominação que lhes
seja atribuída pela lei instituidora. Se, por um lado, a Comissão propõe
submeter ao regime autárquico as fundações de direito público, por
outro, entende que a fundação estatal de direito privado é um modelo
jurídico não só compatível com a Constituição como indispensável para a
atuação eficiente do Estado na área social”.[7]
Reitero, nesse passo, o fato de que parte da doutrina não aceita a
existência das chamadas “Fundações Governamentais de Direito Privado”. O
professor Celso Antônio Bandeira de Mello, por exemplo, entende que se
os bens afetados para a criação de uma fundação estatal são públicos, o
regime da entidade criada deve ser, necessariamente, de direito público.
Essa posição, contudo, é francamente minoritária.
O objetivo principal do anteprojeto no tocante às fundações estatais é o
de, mediante a definição do regime jurídico das fundações, recuperar a
figura da fundação estatal de direito privado, atribuindo a ela um
regime jurídico flexível de gestão, que lhe permita cumprir de modo
eficiente a missão a que lhe for atribuída, sem que haja perda do
controle público.O afastamento da aplicação das normas do Código Civil e
do Código de Processo Civil pertinentes à organização e funcionamento
das fundações estatais de direito privado foi também suscitado pela
comissão. A proposta não teve a intenção de aproximar as fundações
estatais das pessoas jurídicas de direito público, mas sim, de forma
acertada, defini-las como entidades de direito privado que são.
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