sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Apontamentos sobre o veto popular

O veto popular figura no rol dos institutos de democracia participativa, cuja eficácia, na prática, guarda muita semelhança com o referendo. Tanto assim, que alguns autores norte-americanos o denominam de mandatory referendum[1].
Sustenta Paulo BONAVIDES[2] que o veto “é a faculdade que permite ao povo manifestar-se contrário a uma medida ou lei, já devidamente elaborada pelos órgãos competentes, e em vias de ser posta em execução”.
O veto popular caracteriza-se, como se pode observar, pela manifestação popular, de forma espontânea, contrária a uma determinada lei elaborada pelo Poder Legislativo.
No Brasil houve tentativas de sua instituição.
A Constituição do Estado de São Paulo de 1891 trazia em seu bojo a previsão do veto popular, o qual serviria para anulação das deliberações das autoridades municipais mediante proposta de 1/3 e aprovação de 2/3 dos eleitores reunidos em assembléia. O instituto foi abolido em 1905.
Somente em 1987, na Assembléia Nacional Constituinte, é que a implantação do veto popular voltou a ser cogitada. Na votação em primeiro turno da Constituição além do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular, foi incluído o veto popular, que restou eliminado no segundo turno da votação.
As discussões políticas acerca da implantação dos mecanismos de participação popular começaram a ganhar força por ocasião da instalação da Assembléia Constituinte em março de 1987[3].
Vários juristas apresentaram projetos em que o povo teria, de fato, participação nas decisões políticas do país. Dentre eles destacaram-se José Afonso da Silva, que apresentou projeto no qual havia a previsão do referendo, iniciativa popular, o veto popular e a revogação dos mandatos, Fábio Konder Comparato e Dalmo de Abreu Dallari.
No entanto, fortes discussões sobre a participação direta do povo nas questões legislativas, principalmente, foram objeto de duras críticas, de modo que, embora todo o esforço envidado pelos constitucionalistas da época, a verdade é que muitos dos projetos apresentados lograram, no máximo, aprovação no primeiro turno do Congresso Constituinte.
Tramita, atualmente, no Senado Federal, o projeto de Emenda à Constituição nº 80/2003[4], de autoria do Senador Antônio Carlos Valadares, que trata da inclusão do veto popular em nossa Ordem Constitucional. A matéria, porém, anda a curtos passos, sem previsão de que seja aprovada.
O relator da proposta, Senador Pedro Simon, defende a inclusão de novos institutos de participação popular nas decisões do Estado. Em seu relatório, no âmbito da citada PEC, ele assevera que
Os efeitos de trazer o eleitor ao principal palco na política diária – e não apenas quadrienal –, de propiciar a fiscalização diuturna das condutas políticas e institucionais dos eleitos e da imposição de responsabilidade política no desempenho das funções públicas são tão evidentes que dispensam a veiculação de teses que os sustentem.
A necessidade de adoção desses mecanismos é, tanto quanto os efeitos democráticos destes, igualmente exuberante. Percorrer com olhos da responsabilidade pública os jornais dos últimos lamentáveis anos da história política deste País é ter diante de si a evidência da necessidade de uma ação decisória e contundente na esfera pública do Brasil, sob pena de se condenar este País, seu sistema e suas instituições, à falência final.
 A semelhança existente entre o referendo e o veto popular é motivo para muita discussão doutrinária, divergindo os autores quanto ao momento e ao alcance desse último mecanismo de participação do povo. No entanto, os dois institutos não se confundem.
Preferimos o entendimento segundo o qual o referendo é externo ao processo de elaboração da norma, enquanto o veto popular é parte interna deste, integrando o seu andar produtivo[5]. Decerto, a aplicação do veto popular tem pertinência para lei ainda não posta em vigor, ao passo que o referendo, como visto, pode ser utilizado, embora não seja comum, após a publicação da lei. Poder-se-ia dizer que veto popular seria um mecanismo de participação do povo no processo legislativo radicado entre o plebiscito e o referendo (de caráter resolutivo).
Seu procedimento tem algumas peculiaridades.
Em determinado prazo legal, certo número de cidadãos aprovam ou não o projeto de lei em curso no processo legiferante. Existe a faculdade de manifestação popular. Decorrido aquele prazo sem que o povo tenha emitido seu voto de concordância (ou não), admite-se que o ato normativo está perfeito, de sorte que, segundo Maurice DUVERGER[6], “o silêncio do povo equivale pois a aceitação”. Todavia, acaso haja o veto, cassando a lei, seu efeito será retroativo, considerando-a inexistente.
Diferentemente do que ocorre com o veto tradicional, cuja atribuição de fazê-lo incumbe ao Presidente da República, aos Governadores de Estado e aos Prefeitos, mas com a possibilidade de o Parlamento derrubá-lo, com certo número de votos previsto em lei.
Como visto, a grande semelhança existente entre o veto popular e o referendo poderia levar à conclusão da pouca utilidade prática do instituto. Todavia, esse pensamento destoa dos pontificados da democracia participativa.
A maturidade democrática dos cidadãos depende da existência de mecanismos jurídicos capazes de propiciar ao eleitor, cada vez mais, o desempenho de suas prerrogativas cívicas, isto é, de aprimorar sua consciência política dentro do Estado.

RAMOS, William Junqueira. Apontamentos sobre o veto popular. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3480, 10 jan. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23423>. Acesso em: 11 jan. 2013.

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