O veto popular figura no rol dos institutos de democracia
participativa, cuja eficácia, na prática, guarda muita semelhança com o
referendo. Tanto assim, que alguns autores norte-americanos o denominam
de mandatory referendum[1].
Sustenta Paulo BONAVIDES[2] que o veto “é a
faculdade que permite ao povo manifestar-se contrário a uma medida ou
lei, já devidamente elaborada pelos órgãos competentes, e em vias de ser
posta em execução”.
O veto popular caracteriza-se, como se pode observar, pela manifestação
popular, de forma espontânea, contrária a uma determinada lei elaborada
pelo Poder Legislativo.
No Brasil houve tentativas de sua instituição.
A Constituição do Estado de São Paulo de 1891 trazia em seu bojo a
previsão do veto popular, o qual serviria para anulação das deliberações
das autoridades municipais mediante proposta de 1/3 e aprovação de 2/3
dos eleitores reunidos em assembléia. O instituto foi abolido em 1905.
Somente em 1987, na Assembléia Nacional Constituinte, é que a
implantação do veto popular voltou a ser cogitada. Na votação em
primeiro turno da Constituição além do plebiscito, do referendo e da
iniciativa popular, foi incluído o veto popular, que restou eliminado no
segundo turno da votação.
As discussões políticas acerca da implantação dos mecanismos de
participação popular começaram a ganhar força por ocasião da instalação
da Assembléia Constituinte em março de 1987[3].
Vários juristas apresentaram projetos em que o povo teria, de fato,
participação nas decisões políticas do país. Dentre eles destacaram-se
José Afonso da Silva, que apresentou projeto no qual havia a previsão do
referendo, iniciativa popular, o veto popular e a revogação dos
mandatos, Fábio Konder Comparato e Dalmo de Abreu Dallari.
No entanto, fortes discussões sobre a participação direta do povo nas
questões legislativas, principalmente, foram objeto de duras críticas,
de modo que, embora todo o esforço envidado pelos constitucionalistas da
época, a verdade é que muitos dos projetos apresentados lograram, no
máximo, aprovação no primeiro turno do Congresso Constituinte.
Tramita, atualmente, no Senado Federal, o projeto de Emenda à Constituição nº 80/2003[4],
de autoria do Senador Antônio Carlos Valadares, que trata da inclusão
do veto popular em nossa Ordem Constitucional. A matéria, porém, anda a
curtos passos, sem previsão de que seja aprovada.
O relator da proposta, Senador Pedro Simon, defende a inclusão de novos
institutos de participação popular nas decisões do Estado. Em seu
relatório, no âmbito da citada PEC, ele assevera que
Os efeitos de trazer o eleitor ao principal palco na política diária – e
não apenas quadrienal –, de propiciar a fiscalização diuturna das
condutas políticas e institucionais dos eleitos e da imposição de
responsabilidade política no desempenho das funções públicas são tão
evidentes que dispensam a veiculação de teses que os sustentem.
A necessidade de adoção desses mecanismos é, tanto quanto os efeitos
democráticos destes, igualmente exuberante. Percorrer com olhos da
responsabilidade pública os jornais dos últimos lamentáveis anos da
história política deste País é ter diante de si a evidência da
necessidade de uma ação decisória e contundente na esfera pública do
Brasil, sob pena de se condenar este País, seu sistema e suas
instituições, à falência final.
A semelhança existente entre o referendo e o veto popular é motivo
para muita discussão doutrinária, divergindo os autores quanto ao
momento e ao alcance desse último mecanismo de participação do povo. No
entanto, os dois institutos não se confundem.
Preferimos o entendimento segundo o qual o referendo é externo ao
processo de elaboração da norma, enquanto o veto popular é parte interna
deste, integrando o seu andar produtivo[5].
Decerto, a aplicação do veto popular tem pertinência para lei ainda não
posta em vigor, ao passo que o referendo, como visto, pode ser
utilizado, embora não seja comum, após a publicação da lei. Poder-se-ia
dizer que veto popular seria um mecanismo de participação do povo no
processo legislativo radicado entre o plebiscito e o referendo (de
caráter resolutivo).
Seu procedimento tem algumas peculiaridades.
Em determinado prazo legal, certo número de cidadãos aprovam ou não o
projeto de lei em curso no processo legiferante. Existe a faculdade de
manifestação popular. Decorrido aquele prazo sem que o povo tenha
emitido seu voto de concordância (ou não), admite-se que o ato normativo
está perfeito, de sorte que, segundo Maurice DUVERGER[6],
“o silêncio do povo equivale pois a aceitação”. Todavia, acaso haja o
veto, cassando a lei, seu efeito será retroativo, considerando-a
inexistente.
Diferentemente do que ocorre com o veto tradicional, cuja atribuição de
fazê-lo incumbe ao Presidente da República, aos Governadores de Estado e
aos Prefeitos, mas com a possibilidade de o Parlamento derrubá-lo, com
certo número de votos previsto em lei.
Como visto, a grande semelhança existente entre o veto popular e o
referendo poderia levar à conclusão da pouca utilidade prática do
instituto. Todavia, esse pensamento destoa dos pontificados da
democracia participativa.
A maturidade democrática dos cidadãos depende da existência de
mecanismos jurídicos capazes de propiciar ao eleitor, cada vez mais, o
desempenho de suas prerrogativas cívicas, isto é, de aprimorar sua
consciência política dentro do Estado.
RAMOS, William Junqueira.
Apontamentos sobre o veto popular.
Jus Navigandi, Teresina,
ano 18,
n. 3480,
10 jan. 2013
.
Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/23423>. Acesso em:
11 jan. 2013.
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