sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Responsabilidade civil da gestante pela ausência de vínculo jurídico entre alimentando e alimentante

O direito a alimentos, como mencionado anteriormente, apresenta como uma de suas características a irrepetibilidade. Assim, mesmo que reste demonstrado que os alimentos foram pagos indevidamente, não incidirá como conseqüência a obrigação de restituir o indevido. É o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à vida que orientam tal entendimento.
Nesse sentido, cabe relembrar a redação do art. 6º da Lei de Alimentos Gravídicos, segundo a qual o juiz fixará os alimentos considerando a existência de indícios de paternidade, sendo tais alimentos devidos até o nascimento da criança. Após o nascimento com vida, aí sim surgirá a possibilidade de realização do exame pericial.
A partir deste momento, é gerada grande celeuma: a possibilidade de, nascendo a criança e realizado o exame pericial, concluir-se pela ausência de vínculo jurídico entre o menor e o indigitado pai, tendo o requerido já contribuído durante toda a gestação. Diante dessa questão, o art. 10 (vetado) da lei nº 11.804/08, estabelecia que, em caso de resultado negativo do exame pericial de paternidade, a autora responderia objetivamente pelos danos morais e materiais causados ao réu. Ademais, esclarecia no parágrafo único, que a indenização seria liquidada nos próprios autos.
Segundo razões do veto presidencial, o referido dispositivo trata de norma intimidadora, uma vez que cria hipótese de responsabilidade objetiva, em detrimento do exercício regular de um direito, ou seja, pelo simples fato de se ingressar em juízo e não obter êxito. Esta possibilidade abre espaço a que toda ação desacolhida, rejeitada ou extinta confira direito indenizatório ao réu, tratando-se de flagrante afronta ao princípio Constitucional de acesso à Justiça, dogma norteador do estado democrático de direito.[11]         
O fato é que, com razão, a disposição foi vetada.
Por outro lado, ainda que afastada a hipótese de responsabilidade objetiva da gestante, que é aquela apurada independentemente de culpa do agente causador do dano, discute-se acerca da possibilidade de ser permitida a indenização quando constatado o dolo, isto é, quando a gestante postula em juízo os alimentos gravídicos conhecendo plenamente que o demandado não é o genitor da criança.
Nesse sentido, concebe-se por dolo, a intenção deliberada de ofender o direito, ou de ocasionar prejuízo a outrem, ou seja, quando há o absoluto conhecimento do mal e o direto propósito de praticá-lo.[12]
Nesse aspecto, o princípio da irrepetibilidade dos alimentos deveria ser flexibilizado, sob pena de enriquecimento ilícito.[13] Nas palavras de Débora Rezende Cardoso,
Admitir a aplicação irrestrita da regra da irrepetibilidade dos alimentos significaria admitir que o sistema jurídico brasileiro tolera o enriquecimento sem causa no Direito de Família, isto é, ainda que a verba alimentar seja paga indevidamente, não gera a obrigação de restituição, criando evidente desequilíbrio patrimonial. [14]
Ocorre que, apesar da regra da impossibilidade de repetibilidade dos alimentos e de indenização ao réu pelos prejuízos a ele causados, deve ser ressaltado que o Código Civil atual, em geral o Direito, também não compadece com a má-fé, reprime o abuso de direito e pune a postura desleal. Em verdade, as condutas humanas deveriam revestir-se de princípios éticos e do dever de probidade.
O fato de alguém se beneficiar dos rendimentos do trabalho do outro sem justa causa, constitui enriquecimento ilícito, impondo-se a restituição, ainda que se trate de relações familiares, pois, é importante que se diga, das relações familiares também emerge a necessidade ímpar de justiça, licitude e bom senso.[15]    
Assim, caso fique demonstrado o dolo, a má-fé ou o exercício abusivo do direito por parte da gestante na ação de alimentos gravídicos, pode o réu, considerando a ausência do vínculo de paternidade e a existência de dano por ele sofrido, pleitear indenização contra a mãe da criança. 

SOUZA, Ilara Coelho de. Alimentos gravídicos: responsabilidade civil da gestante pela ausência de vínculo jurídico entre alimentando e alimentante. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3474, 4 jan. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23375>. Acesso em: 11 jan. 2013.

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