Causa estarrecimento a recente resolução do Conselho Nacional de
Justiça, de n.º 175, que obriga os cartórios a celebrar o casamento de
pessoas do mesmo sexo. Até pouco tempo, não havia dúvidas de que o
casamento havido entre pessoas do mesmo sexo era negócio jurídico
inexistente.
Já atropelavam a Constituição as decisões judiciais, inclusive do
Supremo Tribunal Federal, que reconheciam a existência e atribuíam
efeitos jurídicos à união civil entre pessoas do mesmo sexo. Tais
decisões, como a recente resolução do CNJ, causam perplexidade e
suscitam o questionamento sobre os limites da atuação do Poder
Judiciário. Poderá ele reescrever a Constituição, atribuindo-se funções
de legislador constituinte, invocando princípios para solapar a letra
expressa do texto constitucional? Está correto do ponto de vista técnico
fazer prevalecer princípios, cujo conteúdo é sempre maleável, em
detrimento da letra expressa do texto constitucional?
Ora, o art. 226, § 3.º, da Lei Maior é de clareza meridiana:
“§ 3.º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei
facilitar a sua conversão em casamento”.
Em outras palavras, nem mesmo a união civil pode se dar entre pessoas
do mesmo sexo. Também ela é inexistente aos olhos do direito, por mais
que se invoquem princípios de discutível conteúdo, quanto mais o
casamento. A dualidade de sexos é elemento essencial da união civil, diz
o Constituinte. Coisa diversa é a sociedade de fato, que não constitui
entidade familiar, pode ser formada por pessoas do mesmo sexo e ter
consequências jurídicas. Casamento gay e união civil entre pessoas do
mesmo sexo são construções de vento, ficções, mas não ficções jurídicas,
pois nem sequer penetram no mundo do direito.
O Poder Judiciário envereda por caminho perigoso, antidemocrático,
totalitário, manietando a ampla discussão que o tema deve ter. Introduz,
manu militari, com desprezo da opinião pública e ignorando a atuação do
Parlamento, inovações graves no ordenamento jurídico, tão somente com
base em princípios, repita-se, de conteúdo discutível, de forte carga
ideológica, e contrariamente a texto expresso promulgado pelo Poder
Constituinte Originário.
O direito não pode ficar refém de ideologias. Não pode se curvar e
estar a serviço de crenças liberalizantes em matéria sexual. Ideologia
não se impõe no tapetão. Crenças materialistas não detém, na
Constituição, qualquer privilégio em relação a crenças de outra ordem.
Na Constituição, materialismo e espiritualismo equivalem-se. Não se
impõe materialismo por sentença.
Será que nos apercebemos da gravidade da situação?
Invoca-se a laicidade do Estado, apesar de geralmente haver abuso no
emprego desse argumento. Agora, é jurídico decidir com base em
princípios quando há texto constitucional expresso, emanado do Poder
Constituinte Originário? E os outros princípios expressos da república,
do estado de direito, da separação de poderes, da liberdade de
pensamento e de crença, da soberania popular? Qual é a sua extensão? Ou
invocar a república e o estado de direito comprometem a laicidade do
Estado? A separação de poderes é dogma jurídico ou de que natureza? O
poder emana do povo ou dos juízes? É o povo quem dá o poder aos juízes,
não o contrário.
Tenho para mim que as decisões judiciais que reconhecem a união civil
entre pessoas do mesmo sexo e a recente resolução do CNJ atentam, elas
sim, contra a laicidade do Estado. Explico.
De um lado, elas não têm assento na lei, na Lei Maior, no texto
constitucional, portanto, não têm substrato jurídico. De outro, não se
assentam na natureza humana, pois diz-se que o gênero é uma construção
social. De outro ainda, não se assentam na soberania popular, senhora do
seu destino. Assentam-se, ao revés, em princípios que, infelizmente,
estão sujeitos a manipulações ou servem a construções ideológicas.
Comprometem-se, portanto, tais atos com uma visão de mundo segundo a
qual os homossexuais são vítimas da sociedade, e o homossexualismo é um
supervalor humano.
A pergunta, pois, que não quer calar é se estado confessional é apenas
aquele que professa uma fé religiosa ou se o é aquele que impõe uma
ideologia oficial. Para mim, a resposta à indagação é óbvia. Não se pode
proscrever uma fé oficial de cunho metafísico e tornar obrigatório um
credo materialista, ainda que travestido de direitos humanos.
Outra questão que se põe é a seguinte: existe liberdade absoluta em
matéria sexual? Se nenhum direito é absoluto, por que o seria o de
contrair casamento contrariamente à lei natural? A sociedade inteira não
tem o direito de opinar e influir nas decisões do Estado em matéria
familiar? Por que razão deteria o Poder Judiciário mais legitimidade ou
autoridade do que o povo, do qual se diz que o poder emana e que o
exerce diretamente ou por meio de representantes eleitos, para
determinar, com base em princípios de questionável conteúdo e alcance,
forjados nos laboratórios da ideologia, e não em texto constitucional
expresso, o desenho, a moldura, o caráter da sociedade ou entidade
familiar?
A norma emanada da Resolução n.º 175 do CNJ é ato inexistente. Tanto
quanto a união civil e o casamento entre pessoas do mesmo sexo, não
encontra suporte no ordenamento jurídico brasileiro, no estado de
direito, na soberania popular, na separação de poderes, na laicidade do
Estado e no art. 226, § 3.º, da Constituição. Não vale a tinta com que
foi escrita. É uma ficção e não merece cumprimento.
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