No dia 6 de agosto, o
Supremo Tribunal Federal proferiu decisão que constitui importante
precedente no que se refere à imputação de prática de crime ambiental à
pessoa jurídica, contrariando, inclusive, maciço posicionamento que até
então emanava do Superior Tribunal de Justiça. Trata-se de caso
envolvendo o derramamento de cerca de quatro milhões de litros de óleo
cru em dois rios situados no Paraná. Todavia – e segundo divulgado –,
não foi possível apurar quem teria sido a pessoa (ou as pessoas)
diretamente responsável pelas atividades que desencadearam o acidente
ambiental.
É importante destacar que, antes da referida decisão do
STF, a atribuição de responsabilidade penal à pessoa jurídica estava
direta e inarredavelmente vinculada à constatação da prática de um crime
contra o meio ambiente em que se tivesse constatado, de forma efetiva, a
atuação de um ou mais agentes ligados à empresa, consoante a denominada
teoria da dupla imputação. Dito de outra forma, somente haveria a
possibilidade de instauração de ação penal em face da pessoa jurídica
nas hipóteses em que fosse possível apurar a efetiva participação de um
ou mais agentes na prática do crime ambiental. Caso contrário, a pessoa
jurídica nem mesmo poderia ser processada.
Contudo, o recente
pronunciamento do STF inova, por descartar a exigência de prova da
participação de agentes da empresa para fim de imputação de prática de
crime ambiental à pessoa jurídica. Em suma: o processo penal em face da
pessoa jurídica não mais está condicionado à apuração e indicação de
indivíduo (ou indivíduos) responsável pelo fato criminoso.
Assim
sendo e ao que tudo está a indicar, o sistema da dupla imputação será
paulatinamente abandonado em favor da adoção de outros critérios para
aferir a responsabilidade penal da pessoa jurídica, tais como as teorias
do defeito de organização e da culpabilidade corporativa, já
consagrados em outros países.
Anote-se que tais critérios foram
estabelecidos justamente para permitir a imputação de responsabilidade
penal aos entes coletivos. E isso porque, em sede de delitos
corporativos, a responsabilidade individual se dilui, sendo muitas vezes
impossível determinar quem foi (ou quais foram) o agente da empresa que
praticou diretamente, ou participou, de um determinado crime, seja ele
contra o meio ambiente ou de qualquer outra espécie.
A par disso, o
entendimento da mais alta corte do país deu interpretação literal ao
artigo ao artigo 225, parágrafo 3º da Constituição Federal, que dispõe:
“As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente
sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais
e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos
causados” (note-se que o legislador fez uso da conjunção alternativa
“ou”).
Deve-se acrescentar que, a despeito de nova posição firmada
pelo Supremo, a avaliação da responsabilidade criminal do agente em
caso de dano ambiental continua a divergir do enfoque conferido ao tema
pelo direito civil e administrativo.
Não custa observar que, sob
os aspectos civil e administrativo, basta sinalizar a existência de nexo
causal entre dano e conduta para se atribuir responsabilidade ao
agente, independentemente se pessoa física e/ou jurídica (incidência do
instituto da responsabilidade objetiva). Ocorre que, por regra, a
responsabilidade penal não pode ser imputada de forma objetiva. E esse é
um entrave que, certamente, reacenderá as discussões acerca da
tormentosa questão, sobretudo se considerarmos que no país não há marco
legal para o processo e a aferição de culpa dos entes coletivos a quem
se atribui a prática de crime.
Ademais, o julgamento sobre o qual
se discorre não implica em efetiva condenação da empresa, tendo-se em
vista que apenas reconheceu a possibilidade de instauração do processo
exclusivamente em face da Petrobrás, pessoa jurídica que é. Além disso,
não se trata de julgamento proferido pelo Órgão Pleno do STF ou de
entendimento consagrado em súmula, pelo que tal entendimento poderá vir a
ser modificado no futuro, inclusive pelo próprio Supremo Tribunal
Federal.
A decisão em análise constitui um importantíssimo
precedente para o qual devem atentar as empresas que, para além das
pesadas sanções de natureza civil e administrativa, poderão ainda ser
sancionadas na esfera penal em razão da prática de crimes ambientais,
mesmo se não incluído, no polo passivo da ação, o indivíduo (ou
indivíduos) diretamente responsáveis pelo crime ambiental.
Eduardo da Silva é advogado da área de Direito Penal empresarial do escritório Peixoto e Cury Advogados
Victor Penitente Trevizan é advogado da área de Infraestrutura do Peixoto e Cury Advogados
Revista Consultor Jurídico, 1º de setembro de 2013
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