terça-feira, 1 de outubro de 2013

Legitimidade do ex-cônjuge para requerer alimentos após o divórcio e as hipóteses de cabimento

Consoante o que já foi dito, os alimentos, do ponto de vista jurídico, envolvem não apenas o alimento em si, mas também a condição social que o cônjuge possuía anteriormente ao divórcio, bem como o binômio necessidade-possibilidade, o qual sempre deve ser observado quando se discutir pensão alimentícia.
Nesta perspectiva, afirma o doutrinador Beviláqua apud Cahali (2006, p. 16) que “a palavra alimentos tem, em direito, uma acepção técnica, de mais larga extensão do que na linguagem comum pois compreende tudo o que é necessário à vida: sustento, habitação, roupa e tratamento de moléstias”. Neste sentido, dispõe o ordenamento jurídico pátrio, precisamente no Código Civil de 2002, artigo 1.694, caput, quanto aos cônjuges, que estes possuem o direito de pedir alimentos reciprocamente, quando deles necessitarem para manter mesma condição social, bem como para atender às necessidades de sua educação.
Dessa forma, pode-se observar que a prestação alimentícia tem como uma das características a reciprocidade, já que o devedor dos dias atuais pode vir a necessitar dos alimentos no futuro, de modo que passaria a ocupar o polo passivo da questão. Tal afirmação está prevista no artigo 1.696 do Código Civil de 2002, segundo o qual o direito de perceber os alimentos é recíproco entre pais e filhos, sendo, ainda, extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
No que diz respeito ao binômio necessidade-possibilidade, é necessário que se observe os “dois lados da moeda”, ou seja, a condição financeira do alimentante e a necessidade do alimentado.  Porém, a doutrina moderna, segundo os ensinamentos de Gagliano e Pamplona Filho (2011, p. 674), prefere denominar tal requisito de trinômio, visto que é importante levar em consideração três elementos, quais sejam: necessidade, possibilidade do alimentante e proporcionalidade e razoabilidade. Isto porque, além de existirem os dois primeiros, estes devem ocorrer de forma conjunta, a fim de evitar que uma parte se beneficie ou se prejudique além do que é necessário.
Em outras palavras, segundo o artigo 1.695, do Código Civil de 2002, a prestação alimentícia não pode ser aplicada como uma de punição ao devedor, de forma que este seja condenado a pagar um valor alto de prestação alimentícia ao seu dependente, prejudicando o próprio sustento.
Desse modo, se após o divórcio um dos ex-cônjuges não puder nem tiver como se sustentar, ou quando a dissolução da vida matrimonial ocasionar grandes prejuízos a uma das partes, de modo a modificar sua condição de vida social, serão cabíveis os alimentos. Estes, por sua vez, podem ser requeridos tanto pelo homem quanto pela mulher. Isto está em conformidade com o princípio da igualdade de direitos e deveres entre o homem e a mulher, previsto no artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal de 1988.  No entanto, se a parte demandante exercer alguma atividade profissional, de modo que possa sustentar-se, dificilmente terá seu pedido deferido pelo magistrado. Conforme o exposto, pode-se observar tal posicionamento na seguinte jurisprudência do TJ–DF:
48372362 – APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO ACOLHIMENTO. PEDIDO DE ALIMENTOS CÔNJUGE. NECESSIDADE. POSSIBILIDADE. 01. A prova é dirigida ao juiz e compete a ele aquilatar a necessidade de sua produção ou não, sem que o indeferimento de uma ou outra pretensão acarrete cerceamento de defesa. 02. Embora a Lei Civil admita que, com o divórcio, qualquer um dos cônjuges possa pleitear alimentos, mostra-se indispensável a comprovação inequívoca da necessidade dos mesmos, bem como as possibilidades financeiras do obrigado. 03. Preliminar rejeitada. Recurso improvido. Unânime. (TJ-DF; Rec 2009.09.1.017253-9; Ac. 525.268; Quinta Turma Cível; Rel. Des. Romeu Gonzaga Neiva; DJDFTE 12/08/2011; p. 108).
Sendo assim, do ponto de vista fático, é perfeitamente possível o deferimento de alimentos à ex-mulher, por exemplo, que passou a vida conjugal inteira apenas trabalhando dentro de casa, ou seja, sendo “do lar” enquanto que o ex-marido era o responsável pelo sustento da casa, de forma que após a dissolução do casamento aquela não tenha como se manter. Tal prestação visaria conceder àquela, no mínimo, um pouco de dignidade.
Entretanto, para que ocorra a referida procedência, outro fator deve ser conjuntamente levado em conta, qual seja: a possibilidade da ex-mulher se recolocar no mercado de trabalho. Caso o ex-cônjuge virago, no momento do rompimento do vínculo matrimonial, possua idade avançada, considerada, geralmente, como de difícil ingresso no mercado de trabalho, o juiz poderá conceder a ela alimentos pelo resto da sua vida, desde que ela não se case novamente ou tenha um companheiro ou concubino, pois isto desvincularia a obrigação quanto ao ex-cônjuge varão. Tal fato está disposto no artigo 1.708, caput, do Código Civil de 2002, in verbis: “Com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor, cessa o dever de prestar alimentos”. O mesmo não ocorre caso o alimentante contraia matrimônio, conforme expressa o artigo 1.709 do Código Civil de 2002, in verbis: “O novo casamento do cônjuge devedor não extingue a obrigação constante da sentença de divórcio”.
Diferentemente ocorreria caso o ex-cônjuge virago, na mesma ocasião, fosse jovem e apta a exercer atividade laboral, no entanto, também nunca tenha trabalhado “fora de casa”. Nesse caso, ser-lhe-ão concedidos alimentos transitórios, ou seja, por tempo determinado, suficiente para que possa começar alguma atividade que lhe proporcione renda, de modo que possa prover seu próprio sustento. O exposto anteriormente está em conformidade, por exemplo, com a seguinte jurisprudência, a qual se encontra disposta na doutrina de Farias e Rosenvald (2010, p. 696-697), in litteris:
Alimentos. Mulher jovem, saudável, mas despreparada para o mercado de trabalho. Pensão temporária destinada a proporcionar-lhe condições de exercer atividade laboral digna. Se não obstante jovem e saudável a mulher não está qualificada para ingressar no mercado de trabalho, mormente por ter o casamento, contraído em idade muito jovem, a impedido de adquirir uma profissão definida, deve ser-lhe assegurada pensão por prazo razoável a fim de se preparar para o exercício de atividade laboral digna. (TJ/RJ, Ac.2ªCâm.Cív.,ApCív.1998.001.2706, rel. Des. Sérgio Cavalieri Filho, j.18.6.98).
Ressalta-se que este posicionamento é pacífico nos tribunais, de acordo com Farias e Rosenvald (2010, p. 696-697). Nesta perspectiva, pode-se observar, ainda, tal situação no seguinte julgado, citado por Tartuce e Simão (2010, p. 38):
Família. Alimentos entre cônjuges. Prazo. Se, na constância do casamento, a       mulher não dispõe dos meios próprios para prover o seu sustento e se o seu marido tem capacidade para tanto, não se pode fixar o dever alimentício pelo prazo de apenas um ano, apenas porque é jovem e capaz para o trabalho. Recurso conhecido e provido (STJ, REsp 555.429/RJ, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, 4.ª Turma, j. 08.06.2004, v.u., Boletim AASP 2.413/1.010, abril de 2005).
Por conseguinte, pode-se observar que a fixação de alimentos transitórios, ou seja, por prazo determinado, tem como finalidade evitar que o alimentando se aposse daquela vantagem advinda da pensão alimentícia como um critério desmotivador a ir à busca de algum emprego, já que se o pagamento fosse por prazo indeterminado, sempre estaria sob a sombra daquele que sempre lhe sustentou, desde o matrimônio. 
Quanto aos princípios, deve-se ressaltar que dentre os que regem a prestação alimentícia, está um dos mais importantes princípios do ordenamento jurídico, qual seja: o da dignidade da pessoa humana. Isto se deve ao fato de que sem suprir as necessidades básicas da vida, bem como sem continuar tendo um padrão de vida que possuía por muito tempo, após o divórcio, no caso dos ex-cônjuges, não se tem como ter uma vida digna e decente. Segundo Diniz (2011, p. 613), tal princípio encontra respaldo jurídico no dispositivo primeiro, inciso III, da Lei Maior de 1988, o qual cita a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.
Além deste, pode-se citar também o princípio da solidariedade humana e econômica que deve existir entre os membros da família ou os parentes, como assevera Gonçalves (2011, p. 499). Já esse princípio, encontra-se previsto no artigo 3º, inciso I, da Constituição Federal de 1988, o qual elenca a solidariedade na sociedade como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.
Outra particularidade do divórcio é a que diz respeito à prestação alimentícia a ser suprida ao ex-cônjuge após a ruptura do vínculo matrimonial. Nas palavras de Farias e Rosenvald (2010, p. 694), “a obrigação alimentícia entre os cônjuges decorre da frustração do dever de mútua assistência e tem o condão de materializar os efeitos impostos pelo matrimônio”. Dessa forma, tendo por base o princípio da mútua assistência entre os consortes, bem como o princípio da igualdade entre o homem e a mulher, sendo este previsto no artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal de 1988, os alimentos são devidos após o divórcio, quando houver necessidade.
Deve-se ressaltar, sobretudo, que a prestação alimentícia entre os ex-cônjuges, segundo a doutrina de Farias e Rosenvald (2010, p. 87), tem como uma das finalidades evitar a ocorrência de violação da boa-fé objetiva ou princípio da confiança entre aqueles. Pode-se citar como uma hipótese de tal violação o marido que, na constância do casamento, pede à esposa que não trabalhe e deixe o sustento da casa por conta dele. Não obstante, após muitos anos de união, advém o divórcio, rompendo o vínculo existente entre o casal. Dessa forma, o ora ex-marido se recusa a prestar assistência à ex-mulher, ficando a sobrevivência desta à mercê da sorte, visto que nunca trabalhou nem tem mais condições físicas que possibilite o trabalho. Nesse caso, teria direito a perceber os alimentos.
 Entretanto, no ordenamento jurídico brasileiro, só são possíveis os alimentos atuais e futuros, visto que se a pessoa necessitada conseguiu sobreviver sem os alimentos pretéritos não há motivo para a sua obtenção. Isto ocorre, ressalta-se, em todos os casos de prestação alimentícia, não apenas entre os ex-cônjuges.
Há que se argumentar, ainda, o tocante à pena pelo descumprimento das obrigações alimentares. Este requisito também é aplicável a todos os casos que envolvam alimentos e encontra-se expresso na Súmula 309 do STJ, nos seguintes termos: “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”. Dessa forma, pode-se afirmar que, atualmente, esta é a única situação de prisão civil possível no ordenamento jurídico brasileiro, já que a Súmula Vinculante nº 31 considerou como inconstitucional a prisão civil decorrente de atitude de depositário infiel.
Por fim, convém afirmar que no pedido de divórcio o cônjuge interessado na ação pode renunciar ou dispensar os alimentos a serem pagos pelo seu consorte após a dissolução do matrimônio, conforme será discutido adiante.

ZARUR, Larissa Alves de Brito. Obrigações alimentares pós-divórcio: a análise de sua legalidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3743, 30 set. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25421>. Acesso em: 1 out. 2013.

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