No dia 07 de agosto de 2012, o site do STJ veiculou
notícia sobre um interessante julgado envolvendo a aplicação do art. 200 do
Código Civil em vigor (disponível em:
http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106561).
Em suma, tratava-se de ação de reparação de
danos em que a parte autora requereu compensação por danos morais e
estéticos, decorrentes de acidente de trânsito, em agosto/2002, tendo o autor
ajuizado a ação somente em fevereiro/2006, portanto quase quatro anos após o
fato, pelo que, em primeira instância, o órgão julgador reconheceu a ocorrência
de prescrição, aplicando ao caso o 206, parágrafo 3º, inciso V, do CC. A
decisão foi reformada em segunda instância pelo TJMT, que entendeu aplicável à
espécie o art. 200 do CC, o qual dipõe sobre causa impeditiva da prescrição.
Sobreveio o Recurso Especial em comento, pelo que a Terceira turma, por
unanimidade, acolheu a tese da recorrente, ao argumento de que o art. 200 do
CC, para que seja aplicado, requer ao menos a tramitação de Inquérito Policial
para que se impeça o início do prazo prescricional.
Sobre o tema, o Professor Pablo Stolze Gagliano nos
chama à reflexão, em seu editorial n. 38, intitulado O STJ e o Art. 200 do
Código Civil: Um Julgado que Quase me Escapou, publicado em seu site
(http://pablostolze.ning.com/). Após breve relatório do caso, e transcrição da
ementa do julgamento, o eminente civilista arremata:
“Trata-se de um respeitável entendimento, que,
todavia, convida-nos a uma reflexão acadêmica mais detida, pois, a rigor, a
paralisação ou não do prazo prescricional dependeria de providências do próprio
Estado (instauração de inquérito policial ou ajuizamento de ação penal), e não
da vítima (caso prevaleça este entendimento inclusive para ações penais em
geral).
Ademais, cuida-se de um alcance interpretativo que
dá, ao art. 200, uma amplitude peculiar, na medida em que o dispositivo não faz
expressa menção a tais providências de cunho administrativo (inquérito
policial) ou judicial (ação penal).
Vale dizer, temos aí um erudito entendimento
pretoriano que não pode ser ignorado, pela sua peculiaridade, e, ainda, por
emanar de um Tribunal superior.
Retornando, pois, à hipótese levantada por aquele
aflito amigo, na linha deste recente entendimento, caso não houvesse inquérito
ou ação penal, a prescrição, há muito, já poderia ter se consumado…
E a vítima não teria mais pretensão indenizatória a
deduzir em juízo.
Por tudo isso, fica aqui a exortação de sempre: o
estudo e a pesquisa constante devem fazer parte da vida de todo bacharel, pois
o Direito muda velozmente, e, como visto acima, mudanças há que, pelos seus
relevantes reflexos práticos, podem causar profundo impacto na vida das pessoas.”
Comungo da opinião do insígne professor, pois a
reflexão é mesmo pertinente, cabendo-nos reforçá-la, e investigar se o eg.
órgão julgador agiu da melhor forma, até mesmo em virtude de o dispositivo ser
uma inovação em nosso sistema, sem correspondência na codificação anterior.
Diz o art. 200 do Código Civil:
“Art. 200. Quando a ação se originar de fato que
deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da
respectiva sentença definitiva“.
Numa análise perfunctória, nota-se que o
dispositivo estatui uma condição para que a prescrição comece a correr, qual
seja, o dever de se apurar o fato danoso na esfera criminal. Nesse sentido,
data maxima venia, a regra não diz, absolutamente, que deva efetivamente haver
providência em âmbito criminal instaurada para que seja aplicada (Inquérito
Policial ou Ação Penal). O preceptivo, a nosso ver, preocupa-se com o fato
(grifei). Ou seja, ocorrendo o fato, deve-se indagar se ele é definido como
crime ou contravenção. Se positivo, isso, por si só, já é o bastante para a
incidência do art. 200 do CC.
Sobre o tema, Flávio Tartuce ensina que “há certo
conflito entre o comando ora estudado e o art. 935 do mesmo Código, eis que
esse dispositivo enuncia que a responsabilidade civil independe da criminal.
Consigne-se que a referida independência não é total, pois o curso do prazo
prescricional civil depende da apuração dos fatos no âmbito criminal, pelo que
consta da inovação ora visualizada” (TARTUCE, Flávio. Direito Civil 1: Lei de
Introdução e Parte Geral. 8a. ed., São Paulo: Método, 2012, p. 439 ).
Ao que parece, a interpretação levada a efeito pela
Turma julgadora ancora-se na parte final do art. 200 (… antes da respectiva
sentença definitiva), a qual é capaz de levar o intérprete a concluir que, para
que a prescrição não corra, deverá haveração penal em curso, pois, logicamente,
para que haja sentença, deve haver um processo.
No entanto, a regra civil comporta interpretação
diversa, pois, segundo sua redação, é perfeitamente possivel entender que, para
que seja aplicada, basta que o fato seja previsto como crime ou contravenção,
independentemente de efetiva existência de providência junto às autoridades
responsáveis por sua apuraçào na esfera criminal. A apuração do fato, segundo a
regra, é uma imposição legal ao Estado – titular do direito de punir. Ademais,
o dispositivo fala em “juízo criminal”. Penso que essa expressão delimita,
expressamente, o campo de aplicação do dispositivo, não havendo se falar
em Inquérito Policial, como fez constar o insígne relator do julgado, pois o
juízo criminal é exercido por autoridade legalmente incumbida e dotada de
competência para tanto, ou seja, o juiz.
Ademais, ao contrário do que restou consolidado no
julgamento em questão, é de se indagar se haveria a imprescritibilidade da
pretensão, caso o fato não chegue a ser apurado na esfera criminal? Pergunto
porque, além dos casos envolvendo a ausência de representação do ofendido, o
Direito Penal convive com a chamada “cifra negra”, que alberga aqueles casos em
que, dentre outros motivos, o delito sequer chega ao conhecimento do Estado
para a devida apuração e respectiva sanção. Seria um argumento a mais para
afastar a necessidade de efetiva existência de apuraçào do fato na esfera
criminal como condicão para a aplicação do art. 200 do CC.
Por outro lado, por questões de pacificação social
e segurança jurídica, é certo que a ação não poderá ficar imprescritível, eis
que o exercício de um direito não pode ficar pendente indefinidamente. Sendo
assim, quais seriam as possíveis soluções? É algo que, de fato, merece
reflexão.
Faço minhas as palavas do Professor Pablo Stolze,
no sentido de que a decisão merece o devido respeito, mormente por tratar de
matéria que comporta interpretações conflitantes, como ocorreu no caso, mas,
sem embargo, parece-nos que a decisão do STJ veio a agravar ainda mais a
situação da vítima – já vulnerada pelos efeitos nefastos do acidente no qual se
envolveu.
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