Polêmico, mas nem tanto. A
doutrina e a jurisprudência já consolidam o entendimento de que o
instrumento popularmente conhecido como "contrato de namoro", firmado
com o propósito de afastar ou impedir o reconhecimento da união estável e
seus efeitos, é nulo de pleno direito e por alguns taxado de
inexistente.
Em que pesem existir algumas teses
em contrário, as quais revelam adeptos que defendem a existência e a
validade do contrato, minha singela opinião é que tal discussão não
garante efeito prático nenhum àqueles que buscam, no contrato, uma
proteção a possíveis investidas desleais de seu namorado ou namorada.
Explico
melhor: indiscutível que o objetivo de tais contratos seja a proteção
patrimonial, para evitar, em princípio, que um mero namoro possa,
injustamente, garantir a metade dos bens de alguém. Ademais, a proteção é
justificável, em face da enorme dificuldade em determinar quando
termina o namoro e quando começa a união estável.
A
desmedida interferência legislativa na vida privada do brasileiro,
especialmente em matéria de Direito de Família, sustentada na presunção
do legislador pela vontade do homem médio, causa um enorme sentimento de
insegurança e um afã desesperado de encontrar estratégias legais que
contornem dispositivos indesejados. Nada mais justo e natural.
O
problema é que a via eleita e propagada pela mídia não especializada
não é adequada para o fim a que se destina. Existem outras ferramentas
de proteção, diferentes do tal contrato.
A natureza jurídica do "contrato de namoro"
O mencionado documento, no afã de afastar o reconhecimento da união estável, estabelece verdadeira declaração, expressa pelo casal, de que não vivem em união estável, de que são apenas namorados, de que não têm o objetivo de constituir família e, principalmente, não contribuem para a constituição de patrimônio comum. Em resumo é isso.
O mencionado documento, no afã de afastar o reconhecimento da união estável, estabelece verdadeira declaração, expressa pelo casal, de que não vivem em união estável, de que são apenas namorados, de que não têm o objetivo de constituir família e, principalmente, não contribuem para a constituição de patrimônio comum. Em resumo é isso.
Assim,
não há acordo sinalagmático, não há direitos nem obrigações, mas tão
somente uma mera declaração de existência de uma situação de fato, a
qual nem jurídico é, pois namoro não é conceituado e tampouco
disciplinado pela lei. É um mero acontecimento irrelevante para o
Direito.
Nesses termos, a declaração
de existência de um namoro, expresso em contrato, é tão lícito e tão
válido em nosso ordenamento jurídico quanto é irrelevante e incapaz de
gerar efeitos práticos.
Como bem
ensinou o professor Miguel Reale, na Teoria Tridimensional do Direito,
fatos jurídicos são acontecimentos, previstos em norma de direito, em
razão dos quais nascem, se modificam, subsistem e se extinguem as
relações jurídicas. União estável, diferentemente de namoro, é fato
jurídico conceituado e disciplinado pela lei e que por isso não pode ser
modificado, mesmo outorgando total relevância ao princípio da autonomia
e livre disposição das partes.
Embora
lícito, a declaração de namoro, expressa em contrato, deixa de existir
quando a situação de fato se extingue ou se modifica... e isso ocorre
com o término do namoro ou quando a relação passa de namoro para união
estável.
É natural que a união
estável nasce de um namoro, evidentemente nenhuma união nasce estável,
ela se torna estável. Nenhuma união estável nasce duradoura, ela se
torna assim ao persistir no tempo. A união estável só se torna estável
ao longo do tempo e, malgrado difícil enxergar a tênue linha que separa
namoro de união estável, quando isso acontece, aquela mera situação de
fato declarada no contrato deixa de existir e transcende para um fato
jurídico relevante para o Direito.
Perda de validade
Com efeito, evoluindo o namoro para a união estável, aquela declaração expressa no contrato perde sua validade por refletir declaração colidente com a verdade. Mesmo que assim não considerado, ela cai por terra, anulando-se o contrato, por disposição contrária a normas de ordem pública e preceptivas cogentes.
Com efeito, evoluindo o namoro para a união estável, aquela declaração expressa no contrato perde sua validade por refletir declaração colidente com a verdade. Mesmo que assim não considerado, ela cai por terra, anulando-se o contrato, por disposição contrária a normas de ordem pública e preceptivas cogentes.
Nem
se fale em firmar o tal contrato quando já vigente a união estável! Por
se tratar tão somente de afastar os efeitos da união estável, o ato
será inexistente.
Função prática
Não há dúvidas de que, existindo os elementos a atestar os requisitos da união estável, com atos bilaterais que exteriorizem o ânimo de constituição familiar, cujo relacionamento mantenha-se estável, contínuo, duradouro e público perante à sociedade, não haverá como dispor em contrário; trata-se de norma cogente.
Não há dúvidas de que, existindo os elementos a atestar os requisitos da união estável, com atos bilaterais que exteriorizem o ânimo de constituição familiar, cujo relacionamento mantenha-se estável, contínuo, duradouro e público perante à sociedade, não haverá como dispor em contrário; trata-se de norma cogente.
Contudo,
isso não significa que as pessoas vivam reféns dessa situação nem que
estejam expostas a possíveis investidas ímprobas, muito menos que
estejam desarmadas de mecanismos eficazes de proteção. Também não
significa que devemos nos afastar de eventuais relacionamentos amorosos,
com medo da União Estável. Existem outras soluções, como o próprio
Contrato de Convivência, o qual disciplina o regime patrimonial,
incluindo definições específicas sobre propriedade, administração e
possível divisão de bens, em caso de separação.
Na
prática, a problemática e toda essa discussão, se existe ou não o
contrato de namoro, se é namoro ou união estável e de que forma será
dividido patrimônio em caso de separação, orbita em uma demanda
judicial, pois se o término de um namoro ou de uma união estável for
extrajudicial e portanto consensual, nada disso dará causa a indagações.
Desta sorte, sendo judicial, seu
resultado será definido pela qualidade das provas que cada um for capaz
de produzir no processo. O que reunir as melhores provas garantirá o
império de sua verdade. Portanto, mais uma vez revela-se comprovada a
importância de uma boa assessoria jurídica.
Por
todo o defendido, o contrato de namoro pode até ser útil como prova da
inexistência da união estável e pode servir como ferramenta de efeito
psicológico ao casal signatário. Contudo, havendo provas de existência
de união estável, o contrato não será capaz de produzir qualquer efeito
jurídico, muito menos afastar os efeitos da união estável.
Conclui-se,
assim, que a proteção patrimonial será alcançada com a elaboração de
instrumentos somada à adoção de condutas habituais e jamais centralizada
no “contrato de namoro”, o qual deveria ser encarado como um mero
reforço.
Danilo Montemurro é sócio do Berthe e Montemurro Advogados Associados.
Revista Consultor Jurídico, 17 de novembro de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-nov-17/danilo-montemurro-contrato-namoro-valido-utilidade
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