segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Possibilidade jurídica do testamento vital

No Brasil, quanto aos atos jurídicos, não vigora o princípio da tipicidade; assim os particulares detêm ampla liberdade para instituir categorias de negócios não contemplados em lei, desde que não haja afronta ao ordenamento.

Essa liberdade foi reconhecida pelo Conselho de Justiça Federal, na V Jornada de Direito Civil, com o enunciado nº 527, que assim estatui: “é válida a declaração de vontade, expressa em documento autêntico, também chamado ‘testamento vital’ em que a pessoa estabelece disposições sobre o tipo de tratamento de saúde, ou não tratamento, que deseja no caso de se encontrar sem condições de manifestar a sua vontade”. Na justificativa apresentada pelo enunciado explica-se que o negócio jurídico que deve ser formalizado por testamento ou qualquer outro documento autêntico – é possível valer-se dessa disposição do art. 1.729, § único para admitir qualquer documento autêntico no sentido de retratar as declarações sobre o direito à autodeterminação da pessoa quanto aos tratamentos médicos que deseja submeter ou recusa expressamente.

A Lei Estadual 10.241, de 17/03/1999, dispõe sobre os direitos dos usuários dos serviços e das ações de saúde no Estado. Referida norma buscou tutelar o direito do paciente escolher livremente seu caminho, no caso de doença terminal ou irreversível, com base no princípio da dignidade humana, que, conforme exposto, deve ser considerado em todas as etapas da vida e até mesmo em seu termo final.

O Código de Ética Médica (Resolução 1.931/2009 do Conselho Federal de Medicina), no seu art. 41, veda expressamente ao médico abreviar a vida do paciente, mesmo a pedido deste próprio ou algum familiar. Todavia, no seu parágrafo único dispõe que, nos casos de doença incurável e terminal, o médico deve oferecer todo tipo de cuidado disponível, sem, no entanto, utilizar-se de ações diagnósticas ou terapias inúteis ou obstinadas, considerando sempre o desejo expresso do paciente ou, na impossibilidade, de seu representante legal.

Pelo exposto, não caracteriza ato ilícito dispor acerca do tipo de tratamento aceito ou não em caso de doença irreversível e terminal; até mesmo porque não se discute a abreviação ativa da vida – eutanásia –, mas apenas expressa a recusa de terapias que não levem à cura, prorrogando inutilmente um sofrimento pelo qual não se deseja passar. Pretende-se, viabilizar a ortotanásia – que é a morte digna, sem intervenção médica – afastando-se a distanásia – que é o uso de terapias e tratamentos iníuteis à cura do paciente.

Para a elaboração das diretivas antecipadas de vontade, não é necessário que a pessoa encontre-se com doença terminal no momento da declaração; basta que disponha no documento sobre como quer ser tratada no futuro caso encontre-se inconsciente por motivo de doença sem possibilidades de cura ou por decorrência de acidente cujo trauma acarrete situação de morte iminente e irreversibilidade do quadro clínico (chamada morte encefálica).

O art. 5º, II da Constituição Federal, assegura a autonomia privada, pelo princípio da ampla legalidade, segundo o qual: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Desse modo, todas as pessoas maiores e capazes são livres para decidir sobre suas pretensões, expressando sua vontade desprovida de qualquer coação, não dependendo esta pretensão de qualquer forma especial, senão quando a lei expressamente exigir (art. 107, Código Civil).

Flávio Tartuce explica que, a partir da autonomia privada, que decorre dos princípios constitucionais da liberdade e dignidade, admite-se a disposição de vontade no sentido de recusa a tratamentos que gerem sofrimentos físicos e psíquicos, tratando-se de exercício admissível da vontade humana[14].
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Leia a íntegra em:  http://www.conjur.com.br/2014-fev-09/rachel-ximenes-testamento-vital-possibilita-direito-dignidade

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