segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Seguro de saúde. Carência. Atendimento emergencial. Situação Limite

No que se refere aos planos e seguros privados de assistência à saúde, não há dúvidas de que o consumidor que adere aos respectivos contratos assim o faz porque busca a melhoria de sua qualidade de vida. Sendo assim, avulta-se o dever de solidariedade por parte do fornecedor nas avenças dessa natureza, pois não se pode distanciar da ideia de que a saúde é o bem jurídico indispensável à manutenção da vida, e esta é o bem supremo de todos. Mais uma vez, socorremo-nos nas normas constitucionais, especificamente no art. 5º da CF/88, cujo caput diz: todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes... (grifei).

A leitura atenta do Código de Defesa do Consumidor permite ao estudioso verificar que o sistema normativo consagrado pelo legislador consumerista atende ao postulado constitucional da função social. Um dos fundamentos da relativização dos institutos de direito privado é, exatamente, a necessidade de que estes cumpram uma função social. Daí falar-se em função social da propriedade e do contrato. A esse respeito, com base na teoria do diálogo das fontes, vale a transcrição do art. 2.035 e seu parágrafo único, do Código Civil:

Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.

Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos (grifei).

Assim sendo, bastante acertadas são as decisões judiciais em que veda-se a invocação do prazo de carência nos contratos de plano de saúde, quando o usuário do serviço encontra-se em situação que reclama atendimento de urgência, pois, nada obstante a legalidade de cláusulas que estabeleçam tais prazos para o exercício dos direitos conferidos por contratos dessa natureza, no confronto entre a autonomia privada e os direitos à vida e à saúde, proponderam estes últimos. Como bem pontuado pelo STJ nos trechos destacados, são casos que demandam solução imediata, e, caso seja prevaleça a cláusula de carência, haverá o completo esvaziamento dos princípios e regras que norteiam a proteção do consumidor, mormente nesses casos em que a vulnerabilidade desse sujeito é ainda mais evidente.

Sintetizando: as empresas que exploram planos e seguros privados de assistência à saúde podem estabelecer períodos de carência para que o consumidor usufrua das benesses desse bem. Contudo, se restar comprovado que a obediência dessas cláusulas resultará em prejuízo para o consumidor, o seu conteúdo poderá ser afastado para que o contrato cumpra sua função social, que é a de prover o acesso do usuário aos tratamentos previstos na avença.

Tudo o que foi exposto até o momento sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais aplica-se ao destaque do RE 201819, de relatoria da Min. Ellen Gracie. Sendo as associações pessoas jurídicas de direito privado, as relações entre estas e seus associados são de livre estipulação, desde que, é claro, suas finalidades sejam lícitas. No caso em comento, tratava-se de exclusão de sócio sem a observância dos postulados do contraditório e da ampla defesa.

Nada obstante o direito de defesa dos associados encontrar-se expressamente previsto no Código Civil como condição para a exclusão de associado, juntamente com a justa causa, mais uma vez as normas constitucionais são o nosso norte interpretativo., uma vez que o direito ao contraditório e à ampla defesa encontram fundamento no art. 5º, LV da CF/88, assim redigido: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

A regra constitucional sob exame serviu de inspiração à Lei 11.127/05, que alterou, dentre outros dispositivos afetos às associações, a redação do art. 57 do Código Civil, que passou a dispor:

Art. 57. A exclusão do associado só é admissível havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos termos previstos no estatuto.

Novamente sintetizamos: as associações possuem liberdade para definir o conteúdo de seus estatutos, seguindo, obviamente, os requisitos expressamente elencados no art. 54 do CC, que devem ser observados, sob pena de nulidade do estatuto. Contudo, como ressaltado na decisão proferida no RE 201819 - STF, com base na eficácia horizontal dos direitos fundamentais (no caso o direito à defesa e de recurso), deverá o julgador afastar as disposições privadas que contrariarem direitos fundamentais.

Finalmente, no que se refere ao destaque dado ao REsp 590.336-SC, fundamenta-se a vedação de denunciação da lide nas relações de consumo pela necessidade de tutela eficaz dos direitos do consumidor, que, como dissemos, possui vocação constitucional. Acrescente-se que, no rol dos direitos fundamentais, encontra-se expressa a garantia de duração razoável do processo, nos exatos termos do art. 5º, LXXVIII, da CF, assim redigido: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Nada mais lógico vedar-se a denunciação da lide nas demandas submetidas às disposições do CDC, uma vez que esse instituto do direito processual somente provocaria atrasos na prestação jurisdicional, ao admitir mais um sujeito na relação jurídico-processual, demandando a produção de mais atos processuais, aumento do tempo para a solução da demanda, o que, inegavelmente, colocaria o consumidor em situação de vulnerabilidade ainda maior. 
(...)
Leia a íntegra em: http://vitorgug.jusbrasil.com.br/artigos/113025178/jurisprudencia-comentada-stj-4-turma-seguro-de-saude-carencia-atendimento-emergencial-situacao-limite?utm_campaign=newsletter&utm_medium=email&utm_source=newsletter

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