Uma analise histórica, não só no Brasil, mas também de outras culturas e
países, expõe ao longo dos anos situações de eliminação e exclusão dos
indivíduos que apresentavam algum tipo de deficiência. Com o passar dos
anos, os deficientes começaram a ser integrados na sociedade,
primeiramente com um olhar sob a ótica da saúde, da necessidade de
receber do Estado especial proteção, e mais recentemente através de
medidas de inclusão social, visando sua integração no mercado de
trabalho e na sociedade como um todo.
Entretanto, por mais que se tenha caminhado nesta direção, não há como
não se reconhecer a desigualdade de condições, de oportunidades. Não há
como igualar pessoas que enfrentam barreiras físicas e sociais das
outras que não as enfrentam. Há necessidades especiais a serem supridas.
Um dos grandes desafios da humanidade é a promoção da igualdade, em
todas as suas nuances. Quando se fala deste principio constitucional,
obrigatoriamente há que se fazer remissão àqueles que estão em condições
de desigualdade e por tal motivo há uma efetiva razão para o tratamento
desigual.
Através da edição de leis, buscou-se criar condições de acessibilidade
física e de inclusão no mercado de trabalho, para que cada vez mais
estes indivíduos se integrem na sociedade, afastando a necessidade de
atuação do aparelho estatal na forma de assistencialismo social.
Com a edição da Lei de Cotas para deficientes, estes passam a integrar o
mercado de trabalho, representando hoje um enorme contingente
economicamente ativo. Entretanto, não se pode aqui afastar que as
condições enfrentadas pelos deficientes não se igualam aos outros
trabalhadores, nascendo uma nova realidade a ser enfrentada, que é a
aposentadoria destas pessoas de forma diferenciada, de forma a
preservar sua particularidade face as demais.
Depois de um longo tramite legislativo, regulamentou-se a aposentadoria
especialíssima do deficiente, mas, sem, contudo, estancar de vez as
dificuldades a serem enfrentadas para a sua concessão.
O presente trabalho objetiva analisar as gradações das deficiências,
sua avaliação pelo INSS e as dificuldades de sua concessão.
Sendo objetivo fundamental do Brasil constante na Lei maior, a promoção
do bem de todos, sem preconceitos ou qualquer discriminação, inclusive
no tocante a salários e forma de admissão do trabalhador portador de
deficiência, cabia ao Poder Público disciplinar normas que visassem o
pleno exercício de seus direitos individuais e sociais, bem como sua
completa integração social.
Além das normas constitucionais, leis civis foram promulgadas em todos
os níveis federativos que vieram de encontro aos direitos das pessoas
portadoras de deficiência em conformidade com os princípios gerais do
direito consagrados em nosso ordenamento jurídico.
A Lei nº 8.213/91 que dispõe sobre os Planos de Benefícios da
Previdência, instituiu a obrigatoriedade das Empresas contratarem
deficientes em seus quadros, bem como as providências para a contratação
de portadores de necessidades especiais.
Nos termos do Art. 93 - A empresa com 100 ou mais funcionários está
obrigada a preencher de dois a cinco por cento dos seus cargos com
beneficiários reabilitados, ou pessoas portadoras de deficiência, na
seguinte proporção:
- até 200 funcionários...................... 2%
- de 201 a 500 funcionários............. 3%
- de 501 a 1000 funcionários........... 4%
- de 1001 em diante funcionários.... 5%
Com a adoção da Lei de Cotas, os deficientes passaram a integrar o
mercado de trabalho, fazendo jus aos mesmos benefícios previdenciários
dos demais trabalhadores, sem, contudo um olhar diferenciado quanto as
barreiras sociais e as dificuldades físicas enfrentadas.
Sensível a isto, através da Emenda Constitucional 47/05 foi inserido na Constituição Federal, no seu artigo 201:
Parágrafo 1º: É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados
para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de
previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob
condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e
quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos
definidos em lei complementar.
A aposentadoria especial, com previsão constitucional, se encontra
regulado pela Lei Complementar 142 de 2013, vindo a seguir o Decreto nº
8.145/13, alterando o Regulamento da Previdência Social aprovado pelo
Decreto nº 3.048/99, para adequá-lo às disposições sobre à aposentadoria
da pessoa com deficiência. A Portaria interministerial
SDH/MPS/MF/MPOG/AGU nº 01 de 27/01/14 trouxe a definição legal sobre os
graus de deficiência, a forma de avaliação, bem como definiu impedimento
de longo prazo.
3. ENQUADRAMENTO DO DEFICIENTE FACE A LEGISLAÇÃO
Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com
as demais pessoas (parágrafo 3º, do artigo 70-D do Decreto 3.048/99).
O reconhecimento da aposentadoria especial para o deficiente traz um
redutor no tempo de serviço necessário para a aposentadoria, havendo uma
redução de dois anos para o grau leve, seis anos para o moderado e dez
anos para o grau grave.
O grande desafio trazido pela Legislação é como fazer esta gradação num
universo gigantesco, cheio de particularidades. Estabeleceu-se assim, a
competência pericial do INSS para esta avaliação, através de avaliação
médica e funcional.
Coube a Portaria Interministerial n.º 01, de 27 de janeiro de 2014,
elaborada em ato conjunto, aprovar o instrumento destinado à avaliação
do segurado, com objetivo de identificar os graus de deficiência, bem
como definindo impedimento de longo prazo. Esse documento também
estabelece o prazo de dois anos para identificar e avaliar os
deficientes para efeito de aposentadoria, podendo ser prorrogado se
houver necessidade. Esse prazo fixado é fundamental, pois permitirá que o
segurado já tenha uma previsão de quando poderá se aposentar e, não
concordando com a avaliação da perícia médica, haverá possibilidade de
discutir na justiça.
A portaria estabelece que a avaliação médica e funcional seja feita
conjuntamente entre a perícia médica e o serviço social e será feita
tendo como base a classificação internacional de Funcionalidade,
Incapacidade e Saúde (CIF), da OMS e mediante a aplicação do Índice de
Funcionalidade Brasileiro aplicado para fins de Aposentadoria, nos
termos do anexo.
A portaria representa um enorme avanço, pois se adéqua ao conceito
atual de deficiência, que não pode ser mais só analisado somente através
de critérios médicos, mas também os impedimentos de longo prazo, as
barreiras com que estes impedimentos irão interagir e a desigualdade de
oportunidade de participação plena e efetiva na sociedade em relação às
demais pessoas.
Para que alguém seja considerada pessoa com deficiência, alguns
critérios terão que estar presentes e estes critérios para determinação
de pessoa com deficiência estão inseridos no próprio conceito, quais
sejam, impedimentos de longo prazo, as barreiras e a desigualdade de
oportunidade como resultado da interação do primeiro com o segundo
elemento.
Entretanto, ainda há um longo caminho a ser trilhado
administrativamente, não sendo os instrumentos criados totalmente hábeis
para dirimir de vez com toda a problemática que envolve a questão.
No tocante ao impedimento de longo prazo, define a portaria o lapso
temporal mínimo de dois anos para que este seja caracterizado, o que
poderá conflitar com o caráter aberto do conceito de deficiência. Há de
ser mensurado o que este impedimento impõe a vida da pessoa, quais as
consequências trazidas no desenvolvimento de suas atividades do dia a
dia. Mais adequado seria sua fixação dentro do caso concreto.
No que concerne à avaliação conjunta por peritos médicos e assistentes
sociais, o modelo aproxima-se do caráter social, mais a participação
destes dois profissionais não exaure todas as situações a serem
examinadas.
4. DOS CRITÉRIOS DO EXAME
O segurado será submetido a avaliação pelo perito médico, onde após
ser identificado e caracterizado, será feita uma avaliação médica,
resultando em um diagnóstico médico, que deverá enquadrar-se na
Classificação Internacional das Doenças (CID 10), a causa principal e as
sequelas ou impedimentos. Constata-se qual o tipo de deficiência,
podendo haver associação de deficiências e se há alterações das funções
corporais.
A avaliação passa então a avaliar outros aspectos, como a descrição da
atividade desenvolvida, visando auferir com que independência o segurado
exerce sua atividade, pontuando-se de acordo com a resposta dada.
Identifica-se então, as barreiras externas, que são os fatores
ambientais que influem na realização das atividades habituais, tanto as
facilitadoras como as limitadoras. Estes fatores externos avaliados são a
melhora da funcionalidade pelo uso de produtos, instrumentos,
equipamentos ou tecnologia, não se incluindo ajuda humana; O ambiente
natural ou físico; Apoio e relacionamento, englobando apoio físico ou
emocional prático, educação, proteção e assistência, e de relacionamento
com outras pessoas em todos os aspectos da vida.; Atitudes da sociedade
que influenciam a vida da pessoa avaliada; Serviços, Sistemas e
Políticas ( garantias sociais ás pessoas com deficiência).
Aplicação do Método Linguístico Fuzzy, no qual, dentro de cada
deficiência, são utilizadas três condições que descrevem o grupo de
indivíduos, em situações de mais comprometimento funcional.
Os dados obtidos em cada etapa da avaliação são ao longo do processo
inseridos em formulários próprios constantes do anexo, onde se atribui
pontos de acordo com a funcionalidade constatada em cada atividade.
Ao término, de acordo com os scores de pontuação, é feita a
classificação da deficiência em seis graus ou se inferior aos padrões
mínimos, constatado a ausência de deficiência.
A legislação, na definição de pessoas com deficiência, traz um conceito
aberto e social, e qualifica como sendo uma condição de determinada
pessoa, a qual, interagindo com barreiras estruturais, urbanísticas,
atitudinais, de comunicação, além de outras, tenha impedimento ou
dificuldade de usufruir da sociedade em todas suas possibilidades, em
qualquer espaço ou ambiente, em igualdade de oportunidades com as demais
pessoas.
Conforme se vê, é um conceito por demais amplo, que dificilmente será
possível de ser compreendido apenas através da avaliação por médico e
assistente social. A avaliação a ser feita extrapola a competência
destes profissionais. Impõe-se uma avaliação multidisciplinar, que por
certo, envolve diversas especialidades.
Para que se possa auferir a gradação da deficiência, há dois aspectos a
serem observados. O primeiro trata da limitação física, orgânica,
anatômica ou de cognição. A partir do diagnóstico médico, feito através
de sinais e sintomas, complementado ou não por exames, o medico perito
estará apto a determinar a deficiência e sua gravidade.
Outro aspecto é o da interação das limitações físicas com as barreiras
existentes, que irão delimitar as dificuldades e impedimentos,
suportados em relação a usufruir em igualdade de oportunidade com as
demais pessoas. Há que ser feita uma avaliação multidisciplinar, que vai
além da competência do médico e do assistente social. Precisa-se do
suporte de outros profissionais, como terapeutas ocupacionais,
engenheiros, arquitetos, educadores, enfim, de profissionais capacitados
que requererão cada caso concreto.
Não se pode esquecer ainda que a aposentadoria é um ato vinculado da
administração, ou seja, preenchidos os requisitos há que ser concedida.
Não há discricionariedade.
Se hoje as perícias feitas pelo INSS são tão ineficientes e injustas,
objeto de tanta celeuma , fica difícil visualizar que as concessões
nesta aposentadoria sejam pautadas naquilo que a lei estabelece.
O modelo social sustenta que a exclusão não é resultado dos
impedimentos corporais, mas das barreiras sociais.(CORKER; SHAKESPEARE,
2004).
Segundo dados do último Censo realizado no Brasil em 2010, existem mais
de quarenta e cinco milhões de brasileiros que apresentam algum tipo
de deficiência, que corresponde a 23,9% da polução total do país. Nesse
percentual, as pessoas com deficiência integram o mercado de trabalho,
seja o formal ou o informal, mas contribuem com a previdência social.
5. CONCLUSÃO
Não se pode afastar que tanto o conceito de deficiência como a
legislação especifica para proteção dos direitos inerentes aos mesmos
evoluíram muito ao longo do tempo.
Entretanto, para que haja a completa aplicação da lei, pautada nos
princípios constitucionais , há que se ter uma visão integral das
pessoas com deficiência e uma visão holista do trabalho, que compreenda a
interação desses indivíduos em diferentes esferas da sociedade.
Imprescindível que se tenha um olhar acurado acerca da integralidade do
indivíduo com deficiência e suas experiências na vida em sociedade. Há
que se buscar a perspectiva ampla do conceito de deficiência e o
entendimento que o trabalho transcende, e muito, o tempo trabalhado e as
atividades desenvolvidas. Essas questões são curiais para aplicação do
Índice de Funcionalidades Brasileiro para a Aposentadoria (IFBrA).
É preciso que se evite injustiças previdenciárias na antecipação do
tempo regulamentar de aposentadoria ao classificar a gravidade de
enfrentamento destas barreiras.
A única maneira para que isso não ocorra seria uma avaliação
multiprofissional, com concurso de especialistas que convivem com
avaliação funcional e de desempenho. Não há como tentar criar um modelo
dentro de um padrão, pois vão existir pessoas com condições biológicas
parecidas e com barreiras sociais muito diferentes.
É necessária esta reflexão, a compreensão das dificuldades que irão
surgir nestas avaliações, que se realizadas na forma regulamentada, sem a
concorrência de todos os profissionais aptos na determinação das
gradações das deficiências, transformarão em letra morta a conquista
desta aposentadoria, criando mais uma barreira a ser enfrentada pelos
deficientes físicos.
6. REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil, 5 de
outubro de 1988, Brasília, 1988. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao.htm>.
Acesso em: 12 jun.2014.
__________.Decreto n 8.145, de 3 de dezembro de 2013.
__________. Lei Complementar n. 142, Regulamenta o § 1o do art. 201 da
Constituição Federal, no tocante à aposentadoria da pessoa com
deficiência segurada do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, de 08
de maio de 2013. Brasília, 2013. Diário Oficial da União. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp142.htm>.
Acesso em: 12 jun.2014.
_________. Lei 47, Emenda Constitucional, de 05 de julho de 2005.
Brasília, 2005. Diário Oficial da União. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc47.htm.
>. Acesso em: 12 jun.2014.
_________. Lei 8.742, Dispõe sobre a organização da Assistência Social e
dá outras providências, de 07 de dezembro de 1993. Brasília, 1993.
Diário Oficial da União. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htm. >. Acesso em: 12
jun.2014.
_________. Lei 8.213, Dispõe sobre os Planos de Benefícios da
Previdência Social e dá outras providências, de 24 de julho de 1991.
Brasília, 1991. Diário Oficial da União. Disponível em:<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm. >. Acesso
em: 12 jun.2014.
__________. Portaria Interministerial SDH/MF/MOPG/AGU n 1, de 27 de janeiro de 2014.
CIF Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e
Saúde. Disponível em
:<http://lumiy.wordpress.com/2012/10/09/cif/>. Acesso em: 13
jun.2014.:<http://arquivo.ese.ips.pt/ese/cursos/edespecial/CIFIS.pdf>. Acesso em: 13 jun.2014.
CORKER, Mairiam; SHAKESPEARE, Tom. Mapping the terrain. In: CORKER,
Mairiam; SHAKESPEARE, Tom (Ed.). Embodying disability theory. London:
Continium, 2004. p. 1-17.
GELLY, Ivan Khairallah. Uma abordagem sobre as gradações dos tipos de deficiência e sua avaliação pelo INSS para a nova aposentadoria do deficiente.
Jus Navigandi, Teresina, ano 19,
n. 4133,
25 out. 2014.
Disponível em:
<http://jus.com.br/artigos/30317>. Acesso em:
25 out. 2014.
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