Eu
já tratei da oneomania, a doença das compras compulsivas, aqui nesta
coluna. O foco foram os adultos, vítimas desse verdadeiro vício. Hoje
resolvi voltar ao assunto, preocupado com esse tipo de comportamento ou
algo parecido verificado nas crianças e adolescentes.
Ninguém parece
estar livre desse "vírus" típico da sociedade capitalista contemporânea.
E, pior: um adolescente que não consegue controlar o impulso de comprar
pode se tornar um adulto viciado. Essa é uma doença que se prolonga no
tempo e, às vezes, é silenciosa: ela se instala, mas a própria pessoa ou
as que estão a seu redor não conseguem perceber.
Oneomania (também se escreve oniomania).
A palavra significa, ao pé da letra, "mania de comprar" e também é
utilizada para identificar os compradores compulsivos. Se uma pessoa tem
essa doença, age como um viciado e tem atitudes parecidas com as de
qualquer um deles.
O comprador compulsivo é aquele que se satisfaz não com o objeto da compra, mas com o ato
de comprar. Por isso, ele pode literalmente adquirir qualquer coisa que
lhe surja na frente. O ápice de sua satisfação se dá no momento da
aquisição. Depois, quando chega em casa, os objetos podem ser
abandonados porque não têm mais utilidade. Só a próxima compra o
satisfará.
O problema para
identificar a doença está em que, naturalmente, esse tipo de comprador é
um consumidor típico e, portanto, frequenta os mesmos lugares que os
demais. Daí, ele acaba comprando irrefreadamente, mas os objetos são
aqueles que todos compram, inclusive ele mesmo quando não tinha a crise.
Gasta em roupas, sapatos, bolsas, canetas, cds, etc. e, com isso, não é
raro que nem ele nem os que estão à sua volta percebem o problema.
Parece apenas que ele é exagerado ou uma espécie de colecionador.
No comportamento
de crianças e adolescentes, já é possível identificar o mesmo padrão ou
similar. Há meninas que possuem muitas bonecas, sapatos, tênis, roupas,
acessórios e demais badulaques. O mesmo se dá com meninos com suas
roupas, tênis, games, acessórios, etc. Claro que há de ser feita uma
evidente objeção: as aquisições não são feitas com recursos dos jovens.
São seus pais e responsáveis que autorizam ou aquiescem aos pleitos.
Mas, esse acúmulo de produtos pode significar um sintoma de que a doença
se instalou ou está em vias de. É mais uma preocupação que os adultos,
responsáveis pelos menores, devem ter. (Infelizmente, se os adultos já
foram infectados, a identificação pode se perder.).
Essa espécie de
"vírus" não surgiu do nada, nem de repente. Ele foi sendo incrementando
paulatinamente com o crescimento do mercado capitalista de massa e seus
instrumentos de expansão dos negócios. O estímulo para a compra de
produtos e serviços é feito pelo sistema de marketing, com
propagandas em profusão e todos os outros meios de indução. Crescemos
comprando e não conseguimos imaginar-nos vivendo sem fazê-lo. Como eu
costumo dizer, parafraseando Descartes: "Consumo, logo existo". Somos
uma sociedade de consumidores, na qual as pessoas são vistas, avaliadas,
medidas por aquilo que possuem, ostentam ou podem adquirir.
No século XX
houve um brutal incremento do sistema de créditos e de facilitação às
compras. A expansão do sistema financeiro internacional e o largo acesso
ao crédito tem como base o aumento da produção industrial, pois, se
assim não fosse, seria impossível vender o que se fabrica.
E, na atualidade,
com o espetacular incremento da web/internet, não só as compras
tornam-se instantâneas e feitas de dentro das casas, como os pagamentos
também. As transferências bancárias on-line (docs e teds), os
pagamentos automáticos de contas e faturas de todos os tipos, desde
serviços essenciais como gás, água e energia elétrica, até aluguéis de
tevê a cabo, compras parceladas, etc., tudo é feito rápida e
imperceptivelmente. Nos débitos automáticos, o consumidor nem precisa
mais participar: é o sistema que age por ele. Quanto aos menores,
milhões deles são portadores de iphones, smartphones, laptops, etc., que
facilitam a ida às compras virtuais; além disso, eles são levados a
jogos e sistemas que se apresentam como gratuitos, mas que acabam
oferecendo e vendendo alguma coisa.
Tudo isso vai
alienando o consumidor (jovem ou adulto) do que realmente ocorre e do
que tem valor substancial. Ele não se dá conta do gasto efetivo de suas
economias nem de seu endividamento constante. Logo, o mercado insufla os
"vírus" da doença que pode atingir qualquer um mais ou menos avisado,
eis que as armadilhas estão muito bem engendradas.
Assim, como em
qualquer tipo de vício, impõem-se a necessidade de instituição de
vigilância de uns sobre outros: é importante, por exemplo, que as
pessoas de uma família prestem atenção à atitude de compra e
endividamento dos demais, para tentar detectar a doença.
Um sintoma
frequente está, de fato, ligado ao endividamento. O comprador compulsivo
adquire produtos sem parar e vai se endividando para pagar por coisas
de que ele não precisa. Muitas vezes já as tem em excesso, mas continua
comprando. O compulsivo gasta todo seu salário, estoura o limite do
cartão de crédito e do cheque especial e até faz empréstimos apenas para
continuar adquirindo o que não lhe faz falta. Há pais que se endividam
para comprar bugigangas para os filhos.
É claro que, se o
comprador com oneomania for uma pessoa de posses e puder gastar muito
dinheiro, será mais difícil identificar a doença, pois ela acumulará
produtos e mais produtos ainda que nunca os utilize. Assim, um outro
modo de identificação da doença está em verificar o excesso da compra de
produtos, que jamais são usados.
Por
fim, anoto que, reconhecida a doença, uma terapia pode ajudar a
resolver o problema. E, lembro que, além da psicoterapia, é bom saber
que existem em várias cidades brasileiras grupos de autoajuda intitulado
"Devedores Anônimos", que funcionam nos mesmos moldes dos "Alcoólatras
Anônimos", e que acolhem e aconselham os doentes visando tratamento.
Basta uma consulta à web/internet para ter acesso a essas instituições.
Rizzatto Nunes é desembargador aposentado do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor.
http://www.migalhas.com.br/ABCdoCDC/92,MI211896,31047-As+compras+compulsivas+de+criancas++adolescentes+e+adultos
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