segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

A validade da promessa de doação no âmbito do direito das famílias e suas implicações práticas


1. INTRODUÇÃO

Deve ser ponderado inicialmente, que o Direito surgiu historicamente, objetivando realizar a ordem, a segurança e a paz social. Trata-se, em verdade, de movimento contínuo, que busca regular as relações jurídicas e solucionar os conflitos sociais mais variados que se apresentam na sociedade.

No Direito de Família, modernamente intitulado de Direito das Famílias, dado o pluralismo nas relações familiares, ocorrem rápidas e contínuas mudanças sociais, as quais o Direito naturalmente não acompanha.

As relações patrimoniais no Direito das Famílias são sempre objeto de grandes discussões doutrinárias, como por exemplo, a validade ou não da promessa de doação feita pelos divorciandos nos autos da ação de divórcio consensual por ocasião da partilha de bens, bem como as consequências jurídicas decorrentes desse ato.

Com isso, a doutrina e a jurisprudência devem estar sempre atentas às evoluções das relações familiares, as quais carecem de novas reflexões e novos questionamentos a todo o momento, objetivando, assim, garantir à sociedade uma prestação jurisdicional de qualidade e justa.

O presente artigo é de suma importância prática no âmbito do Direito de Famílias e visa, acima de tudo, demonstrar que o tema precisa de uma releitura pelos aplicadores do direito, tendo em vista que determinados princípios aplicáveis ao tema precisam ser observados pelos julgadores diante do caso concreto, como por exemplo, o princípio da boa fé objetiva, que rege todo o ordenamento jurídico brasileiro, da vedação ao comportamento contraditório, bem como o princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional.

É que o fato da promessa de doação muitas vezes não ser reconhecida nas relações convivenciais, acarreta diversos problemas na prática forense e na vida do jurisdicionado, que vem recebendo prestação jurisdicional aquém das suas expectativas, gerando no promitente donatário, inquestionavelmente, sentimento de injustiça e descrença no poder Judiciário.

Deste modo, o objetivo deste artigo é analisar se a promessa de doação pura e simples no âmbito do Direito das Famílias, mais especificamente aquela feita pelos divorciandos na ação de divórcio consensual por ocasião da partilha de bens, possui validade no ordenamento jurídico brasileiro e se há possibilidade jurídica do donatário, em caso de descumprimento, exigir a sua efetivação por meio de execução específica.

Ademais, a fim de propiciar melhor entendimento, serão analisadas no presente artigo as especificidades do instituto jurídico da doação pura e simples no ordenamento jurídico brasileiro. Além do mais, será preciso definir com base na doutrina nacional, se a promessa de doação constitui um contrato preliminar. Por fim, serão feitas breves análises dos princípios e das divergências doutrinárias que cercam o tema, bem como serão analisados acórdãos proferidos pelos Tribunais do país e a regulamentação da matéria no Direito Comparado.

A metodologia aplicada no presente artigo pauta-se em pesquisa bibliográfica, através de livros que tratam da matéria, buscando dessa forma consubstanciar o mesmo, com a opinião de renomados doutrinadores, bem como, pesquisa de julgados, visando corroborar a tese da validade da promessa de doação no âmbito do Direito das Famílias e dos efeitos práticos de tal reconhecimento.

2. CONCEITO DE DOAÇÃO E SUA NATUREZA JURÍDICA

Com o escopo de propiciar um melhor entendimento quanto ao tema proposto no presente trabalho, torna-se de suma importância definir de forma clara e objetiva o conceito jurídico de doação, mais precisamente a doação pura e simples, espécie de contrato típico previsto entre os artigos 558 e 554 da Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil Brasileiro)[1].

Segundo a definição legal, doação é a transferência gratuita de bens ou de vantagens de uma pessoa a outra, ou seja, por meio de um contrato escrito ou por escritura pública o doador separa certo patrimônio ou vantagem e o transfere por ato de liberalidade a terceiros: “Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”[2].

Como dito, nos termos da legislação civil atual, a doação somente pode ser efetivada por meio da lavratura de escritura pública ou instrumento particular constituído especialmente para esse fim, é o que dispõe expressamente o artigo 541 do mencionado diploma legal: “Art. 541 A doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular”[3].

Nas palavras de Sílvio de Salvo Venosa, a doação é um contrato gratuito, formal ou solene e, em regra, unilateral, no entanto, há de ser considerada a vontade do donatário o que torna essa espécie de contrato também bilateral, deste modo, segundo os ensinamentos do doutrinador, a doação possui natureza jurídica contratual[4].

Segundo Flávio Tartuce, a doação pura e simples é um contrato benévolo, unilateral e gratuito, onde o doador transfere para o patrimônio de outrem, bens ou vantagens sem qualquer contraprestação e, como tal, produz diversas consequências no mundo jurídico[5].

Em sendo assim, após breve síntese do conceito, bem como da natureza jurídica da doação no ordenamento jurídico brasileiro, imprescindível avançar e analisar se a promessa de doação no Direito das Famílias constitui um contrato preliminar, haja vista que nesse ramo do direito existem peculiaridades e princípios que devem ser considerados para uma boa e correta prestação jurisdicional.

3. A PROMESSA DE DOAÇÃO NO ÂMBITO DO DIREITO DAS FAMÍLIAS COMO UM CONTRATO PRELIMINAR

Na prática forense, é frequente nas ações de divórcio e separação consensuais, bem como nas ações de reconhecimento e dissolução de união estável, que os cônjuges ou companheiros, por ocasião da partilha de bens comuns do casal, convencionem cláusula onde se comprometem a doar bens a um deles ou aos filhos, fazendo assim, a polêmica promessa de doação.

Entretanto, a matéria é extremamente controvertida, encontrando diversos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais nos tribunais do país.

Dessa forma, antes de analisar a promessa de doação como um pré-contrato, mostra-se de suma importância trazer, ainda que de forma breve, o conceito de contrato preliminar, o qual encontra previsão no artigo 462 do Código Civil brasileiro[6].

Segundo definição disposta no artigo mencionado linhas acima, o contrato preliminar é aquele que se faz de forma prévia pelas partes contratantes, é um pré-contrato, com cláusulas e condições que serão dispostas no contrato principal futuro, é também chamado de contrato preparatório e deve conter, com exceção à forma, todos os requisitos que a lei determina para o contrato definitivo ou principal.

Importante destacar ainda que o artigo 466 do mesmo Diploma Legal prevê expressamente a possibilidade da promessa de contratar: “Se a promessa de contratar for unilateral, o credor, sob pena de ficar a mesma sem efeito, deverá manifestar-se no prazo nela previsto, ou, inexistindo este, no que lhe for razoavelmente assinado pelo devedor”[7].

Venosa em sua obra tece importantes considerações sobre o tema, afirmando que o contrato preliminar é uma fase da contratação, o qual possui autonomia no ordenamento jurídico brasileiro, não se confundindo com as negociações preliminares, as quais, via de regra, não geram direitos aos contratantes[8].

Deste modo, muito embora o contrato de doação seja, em regra, solene por expressa determinação legal, à luz das regras dispostas no Código Civil, é juridicamente possível a celebração de um contrato preliminar de doação, ou seja, a promessa de doação, principalmente no âmbito do Direito das Famílias.

No entendimento de Venosa, a promessa de doação é perfeitamente admitida no ordenamento jurídico brasileiro, logicamente quando o promitente doador, sendo pessoa maior e capaz, manifeste sua vontade sem qualquer vício, e tal ato não acarrete violação a nenhum princípio jurídico[9].

Continua Venosa em outro importante trecho de sua obra:

[...] Não é suficientemente convincente o argumento em contrário, afirmando que, se o doador pretende fazer liberalidade, que o faça logo e não em momento posterior. A vida prática ensina que razões várias podem determinar o pré-contrato, por exemplo, quando, na separação conjugal, prometem os consortes fazer doações entre si ou para a prole [...][10].

Na mesma linha de entendimento, Maria Berenice Dias leciona que a promessa de doação feita pelos divorciandos nas ações de divórcio é válida, posicionando-se favoravelmente à chancela pelo Poder Judiciário de tal manifestação de vontade.

Segundo os ensinamentos da doutrinadora, a promessa de doação não é mero ato de liberalidade, e sim, a forma encontrada pelas partes para compensar a partilha de bens comuns do casal, não havendo óbice ao seu reconhecimento pela doutrina e jurisprudência pátria[11].

O civilista Alexandre Cortez Fernandes, afirma em sua obra que na promessa de doação há uma obrigação de fazer, onde o promitente doador se compromete a doar determinado bem em favor de outra pessoa, e que tal ato deve ser cumprido de acordo com os termos que constaram no contrato[12].

Ainda que assim não o fosse, este ramo do direito civil, por sua natureza, é regido por diversos princípios que o distingue dos demais, destacando-se dentre eles o princípio da informalidade, também chamado de princípio da instrumentalidade[13] [14].

Deste modo, a inobservância de alguma formalidade legal, principalmente no âmbito do Direito das Famílias, por si só, não é capaz de ilidir o reconhecimento da validade da promessa de doação, não havendo óbice na legislação civil vigente para que seja atribuída validade a essa espécie de pré-contrato.

No entanto, a maior controvérsia que cerca a temática, cinge-se principalmente nos efeitos e implicações práticas da atribuição de validade à promessa de doação, ou seja, a possibilidade jurídica de sua exigibilidade em caso de descumprimento por parte do promitente doador, razão pela qual, a seguir serão analisados posicionamentos favoráveis e desfavoráveis da doutrina e da jurisprudência nacional acerca do tema.

4. A POSSIBILIDADE JURÍDICA DA EXECUÇÃO ESPECÍFICA DA PROMESSA DE DOAÇÃO EM CASO DE DESCUMPRIMENTO PELO PROMITENTE DOADOR

Como dito alhures, o ponto mais controvertido que envolve o tema é a possibilidade do promitente donatário exigir do promitente doador, por meio de ação cominatória, o cumprimento forçado da promessa de doação, uma vez que a validade de tal promessa, em casos específicos, vem sendo admitida há algum tempo pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e pela maioria dos Tribunais Estaduais, no entanto, os Juízos de primeira instância divergem em relação à matéria e apresentam decisões conflitantes em relação às instâncias superiores[15] [16].

Ao julgar o recurso especial (REsp 742.048/RS, que foi relatado pelo Ministro SIDNEI BENETI em 14/04/2009 e publicado no DJe no dia 24/04/2009), a Terceira Turma do STJ posicionou-se acerca da matéria, reconhecendo a validade e a exigibilidade da promessa de doação em casos específicos, como aquelas feitas pelos genitores entre si ou para a prole por ocasião da partilha de bens nas ações de divórcio ou separação consensuais[17].

O recurso especial mencionado acima foi interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que negou provimento à apelação interposta pelas partes, ao fundamento de que os filhos não teriam legitimidade para exigir o cumprimento da promessa de doação, e que, por se tratar de ato de mera liberalidade, seria passível de retratação.

Todavia, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se de forma contrária à tese adotada pelo Tribunal Estadual, afirmando que a promessa de doação de bens comuns do casal por ocasião da partilha, não é um ato de mera liberalidade, podendo plenamente ser exigida pelos beneficiários do referido ato. Com esse entendimento, deu total provimento ao recurso especial, determinando o retorno dos autos ao Juízo de primeira instância a fim de que proferisse novo julgamento no feito.

Em outro importante acórdão, (REsp 32.895/SP, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/04/2002, DJ 01/07/2002, p. 335), o Superior Tribunal de Justiça conferiu à sentença de homologação do acordo firmado entre as partes nas ações de divórcio e separação consensual, que contenha cláusula de promessa de doação, a mesma eficácia da escritura pública, possibilitando que o promitente donatário, de posse da referida sentença, promova perante o Cartório de Registro de Imóveis competente a transferência da propriedade do bem doado em seu favor[18].

No entendimento do STJ, a promessa de doação vem se tornando frequente no âmbito do direito de família, sendo recorrente nas ações de divórcio e separação consensuais, fazendo com que, o entendimento de que a promessa de doação não possui validade e exigibilidade no ordenamento jurídico brasileiro, seja mitigado, para conceder plena validade e eficácia a tal ato nas relações familiares.

Com dito, o STJ não cria grandes entraves ao reconhecimento da validade e da exigibilidade da promessa de doação no âmbito do direito de família, considerando válido e exigível o referido ato se feito como condição para obtenção de acordo na partilha de bens do casal. Segundo o Tribunal, retirar a eficácia da promessa de doação tornaria inútil o acordo firmado pelas partes, possuindo, o promitente donatário, beneficiário do ato, plena legitimidade para exigir o cumprimento da avença e a efetivação da doação em caso de descumprimento.

A 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em julgamento de recurso de apelação cível nº 1.0024.13.305842-0/001 proferido no dia 30 de junho de 2016[19], o qual foi relatado pela Desembargadora Heloisa Combat, firmou posicionamento conforme entendimento do STJ, vez que no caso concreto, reconheceu a validade e a exigibilidade da promessa de doação feita por ocasião da partilha de bens do casal nas ações de divórcio.

No entanto, no caso especifico, o Tribunal negou provimento ao recurso face a ilegitimidade ativa da autora para requerer o cumprimento forçado da promessa de doação, a qual, no entendimento dos julgadores, cabia aos filhos do casal, promissários donatários, haja vista que os mesmos já haviam atingido a maioridade civil naquela oportunidade.

Ainda sobre a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ressalta-se que a 16º Câmara Cível, no dia 24/06/2015, proferiu acórdão em julgamento de Apelação Cível nº 1.0251.13.000386-5/001, que foi interposta contra sentença de primeira instância que extinguiu a Ação de Obrigação de Fazer ajuizada com o objetivo de compelir o promitente doador a efetivar a promessa de doação de imóvel aos filhos; ao julgar o recurso, o órgão julgador deu provimento à apelação, cassando a sentença recorrida e determinando o retorno dos autos ao Juízo de primeiro grau para regular prosseguimento da ação[20].

No caso objeto do julgamento, as partes celebraram acordo nos autos da ação de reconhecimento e dissolução de união estável, devidamente homologado, comprometendo-se a doar determinado imóvel aos dois filhos do casal com reserva de usufruto vitalício em favor de ambos os genitores. Todavia, passaram-se mais de cinco anos desde a celebração da avença sem que o promitente doador efetivasse a doação prometida, o qual argumentou em seu favor, que o imóvel prometido não se encontrava registrado em seu nome perante o Cartório de Registro de Imóveis e, portanto, a obrigação não poderia ser exigida pelos promitentes donatários.

Entretanto, no entendimento dos julgadores, a promessa de doação de imóvel aos filhos que tenha constado de acordo judicial, é válida e exigível perante o ordenamento jurídico brasileiro, e caso inexista a possibilidade de execução específica deve a obrigação ser convertida em perdas e danos. Ao final, os desembargadores concluíram que o devedor pode ser compelido a adimplir obrigação não atendida voluntariamente, e que manter a decisão recorrida soaria como prêmio ao devedor inadimplente que, mesmo ciente da obrigação que assumiu, intenta meios e subterfúgios de eximir-se de seu efetivo cumprimento.

Entre a doutrina favorável ao instituto, destacam-se juristas como Maria Berenice Dias, Silvio de Salvo Venosa, Flávio Tartuce e Pontes de Miranda, que lecionam com certo consenso acerca do tema, reconhecendo a exigibilidade da promessa de doação pelo promitente donatário nos casos em que o promitente doador se torna inadimplente, ou seja, não efetiva a doação prometida.

Nas palavras de Diniz, nos acordos entabulados entre as partes por ocasião da partilha de bens dos cônjuges ou companheiros, não há óbice para que o magistrado homologue a cláusula de promessa de doação, a qual, após a chancela do Poder Judiciário, produz todos os seus efeitos jurídicos, haja vista que a tal promessa gera expectativa de cumprimento nas partes envolvidas, fazendo com que acreditem na higidez e eficácia da transação celebrada.

A doutrinadora leciona ainda em sua obra, que em caso de inadimplemento pelo promitente doador, não poderá o Poder Judiciário se negar a reconhecer as implicações práticas da promessa de doação devidamente homologada em Juízo, haja vista que nos casos homologados judicialmente, bem como naqueles efetivados por escritura pública ou por instrumento particular subscrito por duas testemunhas a obrigação é válida e plenamente exigível[21].

Diniz tece novas considerações sobre o tema:

[...] Constando do termo de acordo a descrição do bem, a própria transação pode ser levada a registro, sendo desnecessário lavrar escritura ou propor execução de obrigação de fazer. Como não se trata de mero ato de liberalidade, o próprio beneficiário pode buscar o seu adimplemento. Em se tratando de promessa de doação em favor de filho menor, cabível invocar o Estatuto da Criança e do Adolescente: nas ações que tenham por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica, ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento (ECA 213) [...][22].

Na mesma linha de entendimento, Venosa leciona que a partir do momento em que se admite a validade, bem como eficácia à promessa de doação, respeitando os princípios gerais de direito, mais especificamente os que são aplicáveis aos contratos preliminares, o promitente donatário passa a ser titular do direito de exigir o cumprimento forçado em face do promitente doador, a fim de buscar a tutela específica perante o Poder Judiciário, podendo, ainda, a obrigação ser convertida em perdas e danos[23].

Por oportuno, deve ser ressaltado o posicionamento de Pontes de Miranda (1972, v.46:261), citado por Venosa: “[...] Se houve pacto de donando, e não doação, o outorgante não doa, isto é, não conclui o contrato de doação, contrato unilateral, tem o outorgado a pretensão ao cumprimento. Para exercê-lo judicialmente, ou propõe ação condenatória, ou a ação de preceito cominatório [...]”[24].

Compartilhando o mesmo posicionamento, Tartuce leciona que não há qualquer dispositivo legal no ordenamento jurídico capaz de obstar o reconhecimento da validade da promessa de doação, e que tal instituto não contraria nenhum princípio de ordem pública, como por exemplo, o da boa fé objetiva e o da função social dos contratos, ademais, o artigo 466 do Código Civil[25], trata sobre a promessa de contratar, o que, a seu ver, reforça a tese de viabilidade e validade do referido ato.

Além do mais, o civilista destaca em sua obra que o promitente doador ao realizar a promessa de doação, atua dentro da sua autonomia da vontade e manifesta, de forma livre e espontânea, a intenção de doar determinado bem, admitindo em seguida, tanto a validade quanto a eficácia desse negócio.

Ademais, como bem ponderou Tartuce, a VI Jornada de Direito Civil realizada pelo Conselho de Justiça Federal (CJF) em 2013, aprovou o enunciado de nº 549[26], o qual dispõe expressamente que: “A promessa de doação no âmbito da transação constitui obrigação positiva e perde o caráter de liberalidade previsto no art. 538 do Código Civil”[27].

Por oportuno, destaco a justificativa apresentada para aprovação do enunciado nº 549, mencionado linhas acima:

“[...] Na jurisprudência, comum é a identificação de que, nos casos em que a promessa de doação é realizada no âmbito de uma transação relacionada a pacto de dissolução de sociedade conjugal, inexiste a possibilidade de retratação do doador; [...]. Todavia, inegável é que a promessa expressa vontade negocial e, no âmbito da autonomia, não é sustentável restringir tal possibilidade somente aos negócios bilaterais comutativos e onerosos. É, pois, legítimo cogitar-se de promessa de cumprir liberalidade que, após a chancela estatal, deixa de apresentar tal caráter”[28].

Após estas considerações, Tartuce firma posicionamento no sentido de que sendo a promessa de doação um contrato preliminar válido e eficaz, o futuro beneficiário do ato, ou seja, o promitente donatário, passa a ser titular do direito de exigir seu cumprimento forçado em caso de descumprimento pelo promissário doador, pois a intenção de praticar a liberalidade ocorreu no momento da manifestação do desejo de doar e, qualquer entendimento contrário vai de encontro à visão pós-moderna do Direito Contratual[29].

No entanto, entre os doutrinadores civilistas, existem aqueles que apresentam certa resistência ao reconhecimento da validade e exigibilidade da promessa de doação, ao argumento de que admitir uma doação coativa, acarretaria violação ao caráter de liberalidade e gratuidade, que são elementos essenciais a este instituto, dentre eles estão Miguel Maria Serpa Lopes e Caio Mário da Silva Pereira, ambos citados por Venosa em sua obra[30], já o doutrinador Cézar Fiúza, é mais cauteloso quanto ao tema.

Fiuza faz uma análise crítica e geral da promessa de doação[31], posicionando-se em sua obra de maneira intermediária, admitindo que ocorrendo promessa de doação pura e simples, o donatário somente poderia pleitear a reparação em Juízo dos danos efetivamente sofridos em decorrência do inadimplemento do promitente doador.

No entendimento do doutrinador, caso a promessa de doação seja revogada, o beneficiário do ato poderia, comprovando que a revogação da promessa lhe acarretou prejuízo, ajuizar demanda de natureza indenizatória, a fim de obter reparação pelas eventuais perdas e danos sofridos.

A fim de deixar sua explicação mais didática, Fiuza cita o seguinte exemplo: “Se João promete doar R$ 100.000,00 a Manoel, e este, contando com o dinheiro, matricula seus filhos em curso especial de inglês, revogada a promessa, poder-se-ia pensar em perdas e danos”.

Em sua obra, Fiuza admite a exigibilidade da promessa de doação somente em casos muito específicos, a qual dependerá sempre das circunstâncias presentes no caso concreto, levando-se em conta, por exemplo, a presença da boa fé e a expectativa gerada no promitente donatário.

Segundo o civilista, somente uma análise profunda do caso concreto poderá autorizar e dar legitimidade ao promitente donatário para, por meio de ação reparatória ou cominatória, promover perante o Poder Judiciário o cumprimento forçado da promessa de doação não cumprida, uma vez que além das circunstâncias acima descritas, deverão ser observados os motivos que levaram o promitente doador a quebrar a promessa.

Assim, em que pese os posicionamentos contrários, é notório que a jurisprudência favorável ao instituto encontra forte respaldo na doutrina civilista moderna, e ambas tem rechaçado o entendimento contrário apresentado por alguns Juízos de primeira instância e por determinados Tribunais Estaduais, os quais tem proferido sentença e acórdãos única e exclusivamente com base na letra da lei.

Por esta razão, em seguida serão analisados os princípios que gravitam ao redor do tema, a fim de demonstrar que a matéria deve ser aplicada de acordo com a visão pós-moderna do Direito Contratual, principalmente pelo fato das relações familiares estarem sempre pautadas na confiança, no afeto familiar, e sofrem contínuas e rápidas mudanças sociais.

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Leia a íntegra em:

SÁ, Gillielson Maurício Kennedy de. A validade da promessa de doação no âmbito do direito das famílias . Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 22, n. 4955, 24 jan. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/55114>. Acesso em: 30 jan. 2017.

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