Ninguém espera ter seu benefício da previdência social cancelado, de uma hora para outra. Muito menos ainda ter que devolver tudo aquilo que já recebeu e foi utilizado, normalmente para despesas essenciais do dia a dia. Contudo, para o Poder Judiciário, a possibilidade da devolução de valores recebidos a título de benefícios previdenciários é possível, e não apenas naqueles casos em que for comprovada a má fé (recebimento indevido por fraude), mas, também, nas hipóteses de deferimento de tutelas provisórias em ações judiciais que, posteriormente, não são confirmadas na sentença.
A matéria é bastante controversa, porém já pacificada no Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 692. Ela se encaixa nas hipóteses em que uma pessoa postula benefício nos tribunais e, em razão da necessidade, o juiz concede o benefício antecipadamente, no início do processo ou na hora de decidir, ainda na primeira instância, nesta última hipótese caso a previdência tenha recorrido da sentença. Ao final, tendo o segurado perdido a ação judicial, além da determinação do cancelamento do pagamento do benefício, está o INSS autorizado a cobrar os valores até então recebidos pelo segurado.
Recentemente, o INSS regulamentou administrativamente a cobrança dos valores recebidos provisoriamente e não confirmados ao final do processo, por meio da Portaria n° 02/18, em conjunto com a procuradoria Federal. Este ato administrativo substitui regra anterior, contida na Portaria interministerial 107/2010.
Pelas novas regras, o INSS deve cobrar os valores prioritariamente no processo judicial. Caso não seja possível, este tipo de cobrança deverá notificar a pessoa para pagamento pela GRU (Guia de Receita da União).
Se desta forma não houver o ressarcimento, a autarquia poderá descontar até 30% do débito em eventual outro benefício que o segurado receba. Em última hipótese, pode encaminhar o caso à equipe de dívida ativa para a inclusão no cadastro e futura execução fiscal. A alçada para o ajuizamento destas ações foi modificada, caindo para aproximadamente R$ 5 mil.
A portaria editada pelo INSS tem gerado grandes controvérsias. Uma delas é a previsão de dispensa de instrução do processo administrativo de cobrança, sob o argumento da eficácia preclusiva da coisa julgada formada pelo processo judicial já transitado em julgado, no bojo do qual o segurado já pôde exercer o seu direito à ampla defesa e ao contraditório, em feito conduzido pelo Poder Judiciário de acordo com a legislação processual civil, que culminou na formação de um título executivo judicial apto a ser exigido, na forma do art. 515, I, do Código de Processo Civil/2015.
O ato administrativo também dispensa o direito do contraditório e da ampla defesa. Bastante estranho este aspecto, considerando o princípio constitucional do devido processo legal, inclusive no processo administrativo, bem como a real possibilidade de que possa haver divergências, até mesmo em relação ao montante cobrado, os índices de correção monetária, etc.
A realidade da devolução dos benefícios previdenciários nos casos de tutela provisória não confirmadas em sentença passa a fazer parte do cotidiano dos segurados e seus advogados. Isso faz com que o cuidado no manejo das ações judiciais seja redobrado, visando a evitar prejuízos, justamente, para a parte mais fraca do processo: o cidadão.
Alexandre S. Triches é advogado especialista em Direito Previdenciário.
Revista Consultor Jurídico, 25 de fevereiro de 2018, 10h41
https://www.conjur.com.br/2018-fev-25/alexandre-triches-devolucao-previdencia-realidade
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