quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Requisito negativo da tutela antecipada

Há previsão legal expressa, no art. 273, parágrafo 2º, do CPC, no sentido de que: "Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado". O texto legal é claro, e, a interpretação dada a ele, pela doutrina mais abalizada, não poderia ser outra que não a de que: "... Toda vez que houver perigo de ‘irreversibilidade do provimento antecipado’, a tutela antecipada deve ser indeferida. É este o rigor da regra" (Bueno, 2007, p. 63).

A fim de que se evite, contudo, qualquer sombra de dúvida, importante, com mais pesar, esclarecer, na esteira da melhor doutrina, que:
Quanto à redação: a "irreversibilidade do provimento antecipado" a que se refere o § 2º do art. 273 não é, propriamente, irreversibilidade da decisão que concede ou não concede a tutela antecipada. Não se trata de irreversibilidade da decisão interlocutória que antecipa a tutela em favor de seu requerente. Essa decisão, presentes determinadas circunstâncias e fatos novos, é passível de ser revogada ou modificada, no que é expresso o § 4º do art. 273 (...). A irreversibilidade de que trata o dispositivo em comento diz respeito aos efeitos práticos que decorrem da decisão que antecipa a tutela, que lhe são conseqüentes, que são externos ao processo. É, propriamente, irreversibilidade daquilo que a "tutela jurisdicional" tem de mais sensível e importante: seus efeitos práticos e concretos. (Bueno, 2007: p. 63).
A regra visa, claramente, resguardar os interesses do réu que vem a ser atingido pelos efeitos da antecipação da tutela, e tem o intuito de sempre possibilitar o retorno ao status quo ante, em caso de revogação da medida.

Esta mesma regra da não concessão da antecipação em caso de irreversibilidade de seus efeitos práticos, contudo, não é absoluta. Entende a melhor doutrina que, em havendo conflito de direitos, entre autor e réu, deve ser privilegiado o direito mais provável, por ser este, justamente, o espírito da antecipação da tutela. Colhe-se, do Curso de Marinoni e Arenhart, o seguinte trecho:
Em virtude dessa regra, seria possível pensar que o juiz não pode conceder tutela antecipatória quando ela puder causar prejuízo irreversível ao réu. Contudo, se a tutela antecipatória, no caso do art. 273, I, tem por objetivo evitar um dano irreparável ao direito provável (é importante lembrar que o requerente da tutela antecipatória deve demonstrar um direito provável), não há como não admitir a concessão dessa tutela sob o simples argumento de que ela pode trazer um prejuízo irreversível ao réu. Seria como dizer que o direito provável deve sempre ser sacrificado diante da possibilidade de prejuízo irreversível ao direito improvável. (2010: p. 230).
Da mesma forma, estando em conflito os valores defendidos por autor e réu, conforme seus interesses, e visando a evitar o sacrifício de um direito qualitativamente diverso, a regra da vedação da antecipação da tutela cujos efeitos podem ser irreversíveis, deve ser abrandada, para benefício e realização do valor mais elevado. Segundo prega Cassio Scapinella:
Em suma, cabe ao magistrado verificar, em cada caso em que se requer a tutela antecipada, justamente porque ela opera, nesse estágio, com base em cognição sumária (daí o uso de "probabilidade" na fórmula), em que medida o dano a ser experimentado pelo autor que pretende a tutela antecipada e maior que o do réu. Se o dano do autor for maior, mesmo que em juízo de cognição sumária, a tutela antecipada deve ser concedida. Caso contrário, isto é, caso o juiz do caso concreto, sopesando os fatos e as razões, verifique que a tutela antecipada que favorece o autor cria maiores prejuízos para o réu, a tutela antecipada deve ser indeferida. (2007, p. 65).
As ideais defendidas por Didier Jr., Braga e Oliveira não diferem das de Scarpinella:
Mas essa exigência legal deve ser lida com temperamentos, pois, se levada às últimas conseqüências, pode conduzir à inutilização da antecipação de tutela. Deve ser abrandada, de forma que se preserve o instituto.
Isso porque, em muitos casos, mesmo sendo irreversível a medida antecipatória – ex.: cirurgia em paciente terminal, despoluição de águas fluviais, dentre outros -, o seu deferimento é essencial, para que se evite um "mal maior" para parte/requerente. Se o seu deferimento é fadado à produção de efeitos irreversíveis para o requerido, o seu indeferimento também implica conseqüências irreversíveis para o requerente. Nesse contexto, existe, pois, o perigo da irreversibilidade decorrente da não-concessão da medida. Não conceder a tutela antecipada para a efetivação do direito à saúde pode, por exemplo, muitas vez, implicar a conseqüência irreversível da morte do demandante (sic.). (2008: p. 629/630).

A discricionariedade dada ao aplicador do direito para decidir pela antecipação da tutela, ainda que com efeitos práticos irreversíveis, em que pese possa aparentar afronta direta ao texto do CPC, encontra fundamento, guarida e incentivo na Constituição Federal, e não apenas em suas regras gerais, mas também, no que ela estabelece como diretrizes básicas do próprio processo civil.

Ao lado de princípios processuais que, obrigatoriamente, devem ser seguidos, tais como o da efetividade processual e o da razoável duração do processo, a Constituição estabelece valores que lhe são caros, como o respeito à vida e à dignidade da pessoa humana, e, como forma de ponderação e equilíbrio entre eles, o princípio da proporcionalidade.

Mais uma vez, da sóbria e objetiva doutrina de Cassio Scapinella:
... Essa "preponderância de valores" deriva da Constituição. É o que a doutrina, usualmente, tem denominado "princípio da "proporcionalidade", que, em termos muito diretos, é muito bem representado pela balança que segura Têmis, a "estátua" da justiça. Pelo tal "princípio da proporcionalidade", é dado ao magistrado ponderar as situações de cada um dos litigantes para verificar qual, diante de determinados pressupostos, deve proteger, mesmo que isso signifique colocar em situação de irreversibilidade a outra. É por intermédio desse "princípio" que o magistrado consegue medir os valores dos bens jurídicos postos em conflito e decidir, concretamente, qual deve proteger, qual deve prevalecer, mesmo em detrimento (ou eliminação) do outro. Se o caso é mesmo de preponderância do princípio da efetividade da jurisdição, porque a tutela antecipada é adequada e necessária para tutelar um direito mais evidente que o outro, que assim seja. O sistema autoriza o magistrado à concessão da tutela antecipada, não sendo, nesse caso específico, a irreversibilidade óbice. (2007, p. 67/68).
Portanto, citando, novamente, palavras de Didier Jr., Braga e Oliveira:
Toda vez que forem constatados a verossimilhança do direito e o risco de danos irreparáveis (ou de difícil reparação) resultantes de sua não satisfação imediata, deve-se privilegiar esse direito provável, adiantando essa fruição, em detrimento do direito improvável da contraparte. Deve-se da primazia à efetividade da tutela com sua antecipação, em prejuízo da segurança jurídica da parte adversária, que deverá suportar sua irreversibilidade e contentar-se, quando possível, com uma reparação pelo equivalente em pecúnia. (2008: p. 630).
Chega-se, assim, à afirmação de que o requisito negativo estabelecido no artigo 273, § 2º, do Código de Processo Civil, verdadeira vedação legal à concessão da tutela antecipada, não é óbice absoluto à sua concessão, e pode ser afastado, em prol de valores qualitativamente diversos e que gozam de diferenciado prestígio no ordenamento jurídico nacional.
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FERREIRA, Rodrigo Emiliano. Tutela antecipada: linhas gerais e requisitos para sua concessão . Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3080, 7 dez. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20599>.

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