Saiu na Folha.com no dia 25/11/11:
“Desembargador é parado em blitz e dá voz de prisão a PM no Rio
Após ter seu carro oficial parado por agentes de uma blitz da Lei Seca em Copacabana (zona sul do Rio), o desembargador Cairo Ítalo França David, do Tribunal de Justiça do Estado, deu voz de prisão a um tenente da PM alegando que, por ser uma autoridade, não deveria ser fiscalizado. A informação foi divulgada pelo governo do Estado.
O desembargador, da 5ª Câmara Criminal, estava em carro oficial que era conduzido por Tarciso dos Santos Machado. Ao ser parado pelos policiais, o motorista se recusou a estacionar na baia de abordagem e parou o veículo no meio da rua. Além disso, se negou a fazer o teste do bafômetro e a entregar os documentos do carro.
David, então, desceu do veículo e disse aos agentes que não deveria ser fiscalizado por ser uma autoridade e deu voz de prisão para um dos integrantes da operação (…)
Após ouvir as declarações, o delegado Sandro Caldeira concluiu que não houve abuso de autoridade por parte dos agentes da operação e liberou o policial”
E no dia anterior, também na Folha.com:
“Agentes de trânsito cometem infrações, e fotos vão parar na internet
Nas últimas semanas, diversos usuários da rede social Facebook divulgaram e reproduziram fotos que mostram agentes da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) em situações que desrespeitam a legislação de trânsito na cidade de São Paulo (…)
Segundo o Código de Trânsito Brasileiro, veículos oficiais e de emergências possuem privilégios de livre parada e trânsito apenas se estiverem com ‘o sistema de iluminação vermelha intermitente’ ligado.
Procurada pela Folha, a CET informou que seus agentes e funcionários são treinados e orientados sobre as regras do código e que ‘também respondem pelas infrações de trânsito que cometem’. A companhia também informa que denúncias e reclamações podem ser feitas por meio do telefone 1188 ou pelo site cetsp.com.br”.
As duas matérias tratam de um mesmo problema: os servidores públicos não estão acima da lei. Pelo contrario: eles existem para fazer cumprir a lei.
No primeiro caso, o desembargador que deu voz de prisão ilegalmente ao policial dizendo que ele agiu com abuso de autoridade acabou cometendo um crime: abuso de autoridade. No Brasil, você só pode ser preso em duas situações: em flagrante (quando está cometendo ou acabou de cometer um delito) ou por ordem de um magistrado. No caso da primeira matéria, o magistrado (que é um servidor do poder Judiciário) deu a ordem de prisão, logo entraria na segunda hipótese, certo? Não. A ordem de prisão dada pelo magistrado (chamado de ‘mandado’) precisa ser legal, isto é, estar em uma das hipóteses autorizadas pela lei. O magistrado não está acima da lei. O magistrado existe para interpretar a lei e aplica-la. Ele nem pode criar uma lei e nem pode contrariar uma lei.
No segundo caso, os servidores são do poder Executivo. Como no caso dos servidores do Judiciário, eles também não estão acima da lei. Eles devem aplica-la e respeita-la.
E o mesmo acontece no caso dos servidores do Legislativo: ainda que eles possam fazer leis, eles não estão acima delas. Além disso, eles só podem fazer leis quando agem coletivamente (um único senador não pode fazer uma lei). Isso justamente para evitar que eles façam normas para atender seus objetivos pessoais.
Mas então por que há leis que os tratam de forma mais benéfica?
Na verdade, as leis não beneficiam (ou não deveriam beneficiar) os servidores públicos. Quando elas tratam os servidores públicos de forma diferenciada é por que (ou deveria ser porque) eles representam o interesse coletivo. É por isso, por exemplo, que uma ambulância ou um carro de polícia pode avançar o sinal fechado, o policial da primeira matéria pôde parar os carros na blitz ou, como explicado na segunda matéria, um carro da CET pode parar em qualquer lugar quando está com o sistema de iluminação vermelha intermitente ligado. Eles têm esses direitos não porque são pessoas especiais – não são – mas porque precisam ter esse direito para fazer cumprir as demais leis. Se o policial não pudesse parar os carros na blitz, como ele conseguiria aplicar a lei que proíbe as pessoas de dirigirem embriagadas, ou como ele poderia saber que o carro não é furtado? Se a CET não pudesse parar em um canteiro central, como é que ela poderia reorientar o tráfego depois de uma colisão? O interesse protegido nesses casos é público e por isso justifica o comportamento do servidor. Por outro lado, esses servidores não poderiam parar um carro só para atrasar a vida do motorista ou parar seu carro no passeio apenas para ir comprar rosquinhas na padaria. O interesse protegido, nesses casos, é particular e, por isso, não justifica o comportamento do servidor.
E é essa a grande pergunta que o servidor público deve se fazer antes de qualquer ação ou decisão, e que a Justiça fará sempre que tiver que julgar a conduta do servidor. Se o interesse protegido era o do servidor, ele terá agido ilegalmente ou, no mínimo, imoralmente (e tudo o que o servidor faz precisa ser não só legal, mas também moral). Além disso, ele terá infringido um outro princípio do artigo 37 de nossa Constituição: a impessoalidade. A impessoalidade não significa apenas que ele não deve agir para beneficiar ou prejudicar uma outra pessoa porque gosta ou desgosta dela, mas também não deve agir para se beneficiar.
PS: desde 1988 não existe funcionário público. Existem servidores públicos. Eles existem para servir o interesse da sociedade e não para servirem seus próprios interesses.
“Desembargador é parado em blitz e dá voz de prisão a PM no Rio
Após ter seu carro oficial parado por agentes de uma blitz da Lei Seca em Copacabana (zona sul do Rio), o desembargador Cairo Ítalo França David, do Tribunal de Justiça do Estado, deu voz de prisão a um tenente da PM alegando que, por ser uma autoridade, não deveria ser fiscalizado. A informação foi divulgada pelo governo do Estado.
O desembargador, da 5ª Câmara Criminal, estava em carro oficial que era conduzido por Tarciso dos Santos Machado. Ao ser parado pelos policiais, o motorista se recusou a estacionar na baia de abordagem e parou o veículo no meio da rua. Além disso, se negou a fazer o teste do bafômetro e a entregar os documentos do carro.
David, então, desceu do veículo e disse aos agentes que não deveria ser fiscalizado por ser uma autoridade e deu voz de prisão para um dos integrantes da operação (…)
Após ouvir as declarações, o delegado Sandro Caldeira concluiu que não houve abuso de autoridade por parte dos agentes da operação e liberou o policial”
E no dia anterior, também na Folha.com:
“Agentes de trânsito cometem infrações, e fotos vão parar na internet
Nas últimas semanas, diversos usuários da rede social Facebook divulgaram e reproduziram fotos que mostram agentes da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) em situações que desrespeitam a legislação de trânsito na cidade de São Paulo (…)
Segundo o Código de Trânsito Brasileiro, veículos oficiais e de emergências possuem privilégios de livre parada e trânsito apenas se estiverem com ‘o sistema de iluminação vermelha intermitente’ ligado.
Procurada pela Folha, a CET informou que seus agentes e funcionários são treinados e orientados sobre as regras do código e que ‘também respondem pelas infrações de trânsito que cometem’. A companhia também informa que denúncias e reclamações podem ser feitas por meio do telefone 1188 ou pelo site cetsp.com.br”.
As duas matérias tratam de um mesmo problema: os servidores públicos não estão acima da lei. Pelo contrario: eles existem para fazer cumprir a lei.
No primeiro caso, o desembargador que deu voz de prisão ilegalmente ao policial dizendo que ele agiu com abuso de autoridade acabou cometendo um crime: abuso de autoridade. No Brasil, você só pode ser preso em duas situações: em flagrante (quando está cometendo ou acabou de cometer um delito) ou por ordem de um magistrado. No caso da primeira matéria, o magistrado (que é um servidor do poder Judiciário) deu a ordem de prisão, logo entraria na segunda hipótese, certo? Não. A ordem de prisão dada pelo magistrado (chamado de ‘mandado’) precisa ser legal, isto é, estar em uma das hipóteses autorizadas pela lei. O magistrado não está acima da lei. O magistrado existe para interpretar a lei e aplica-la. Ele nem pode criar uma lei e nem pode contrariar uma lei.
No segundo caso, os servidores são do poder Executivo. Como no caso dos servidores do Judiciário, eles também não estão acima da lei. Eles devem aplica-la e respeita-la.
E o mesmo acontece no caso dos servidores do Legislativo: ainda que eles possam fazer leis, eles não estão acima delas. Além disso, eles só podem fazer leis quando agem coletivamente (um único senador não pode fazer uma lei). Isso justamente para evitar que eles façam normas para atender seus objetivos pessoais.
Mas então por que há leis que os tratam de forma mais benéfica?
Na verdade, as leis não beneficiam (ou não deveriam beneficiar) os servidores públicos. Quando elas tratam os servidores públicos de forma diferenciada é por que (ou deveria ser porque) eles representam o interesse coletivo. É por isso, por exemplo, que uma ambulância ou um carro de polícia pode avançar o sinal fechado, o policial da primeira matéria pôde parar os carros na blitz ou, como explicado na segunda matéria, um carro da CET pode parar em qualquer lugar quando está com o sistema de iluminação vermelha intermitente ligado. Eles têm esses direitos não porque são pessoas especiais – não são – mas porque precisam ter esse direito para fazer cumprir as demais leis. Se o policial não pudesse parar os carros na blitz, como ele conseguiria aplicar a lei que proíbe as pessoas de dirigirem embriagadas, ou como ele poderia saber que o carro não é furtado? Se a CET não pudesse parar em um canteiro central, como é que ela poderia reorientar o tráfego depois de uma colisão? O interesse protegido nesses casos é público e por isso justifica o comportamento do servidor. Por outro lado, esses servidores não poderiam parar um carro só para atrasar a vida do motorista ou parar seu carro no passeio apenas para ir comprar rosquinhas na padaria. O interesse protegido, nesses casos, é particular e, por isso, não justifica o comportamento do servidor.
E é essa a grande pergunta que o servidor público deve se fazer antes de qualquer ação ou decisão, e que a Justiça fará sempre que tiver que julgar a conduta do servidor. Se o interesse protegido era o do servidor, ele terá agido ilegalmente ou, no mínimo, imoralmente (e tudo o que o servidor faz precisa ser não só legal, mas também moral). Além disso, ele terá infringido um outro princípio do artigo 37 de nossa Constituição: a impessoalidade. A impessoalidade não significa apenas que ele não deve agir para beneficiar ou prejudicar uma outra pessoa porque gosta ou desgosta dela, mas também não deve agir para se beneficiar.
PS: desde 1988 não existe funcionário público. Existem servidores públicos. Eles existem para servir o interesse da sociedade e não para servirem seus próprios interesses.
Fonte: http://direito.folha.com.br/1/post/2011/12/servindo-o-pblico-ou-servindo-se-do-pblico.html
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