Partindo do conceito de ato ilícito como ato contrário ao direito, afasta-se desde logo a prova da culpa ou dolo na atividade probatória destinada à deflagração da inibição, assim como a própria ocorrência de um dano ou prejuízo. Nesse particular, cumpre estabelecer que o objeto da prova da inibição é a a probabilidade da violação de ato contrário ao direito, sendo desimportante que outrora algum ilícito tenha se verificado.
Nessa marcha, Luiz Guilherme Marinoni estabelece a seguinte premissa:
"O dano é apenas uma eventual consequencia do ilícito. O dano e o elemento subjetivo somente importam para o caso de ressarcimento, mas não para as hipóteses de inibição e de remoção do ilícito. No caso de remoção do ilícito, basta a transgressão da norma, pouco importando o motivo que conduziu o infrator a assim proceder." [06]
Decerto, expurgando-se os elementos objetivo (dano) e subjetivo (culpa e/ou dolo), pode-se estabelecer que o primeiro pressuposto da ação inibitória, com vistas à prevenção do ilícito, é a provável violação de um direito um dos pilares da tutela inibitória. Nesse contexto, pode-se concluir que a prova da ilicitudade é um ato indispensável à concessão da tutela inibitória, devendo-se obtemperar, todavia, que a ameaça ao ilícito é móvel suficiente para a tutela inibitória, sendo desnecessária que a violação do direito já tenha iniciado o seu iter, bastando o fundado receio de que tal ocorra num futuro iminente.
A prova da provável violação de um direito ou a ocorrência de um futuro ato ilícito (=juízo de probabilidade) demanda prova indiciária - o que se torna mais difícil de se estabelecer quando a tutela inibitória classifica-se como "pura", ou seja, voltada a não ocorrência do ilícito, o que não se verifica em tal grau de intensidade na tutela de inibição voltada à remoção ou não continuação do ilícito (=tutela inibitória impura), onde pode-se estabelecer um padrão de conduta ou modus operandi. Em outras palavras, esse juízo de probabilidade corresponde ao requisito do "fumus boni iuris", exigível, modo geral, das tutelas de urgência.
Luiz Guilheme Marinoni, outrossim, delineia com acerto a dificuldade em estabelecer esse juízo de probabilidade do ilícito em cada uma das categorias de inibição:
"Problema diverso é o da prova da afirmação de que o ato (admitido como ilícito) será praticado, repetido ou continuará. Quando ato anterior já foi praticado, da sua modalidade e naturea se pode inferir com grande aproximação a probabilidade da sua continuação ou repetição no futuro. Com efeito, a grande dificuldade da ação inibitória está na produção da prova de que um ato será praticado, quando nenhum ilícito anterior foi cometido. Frignani admite que esta é a questão de fundo da ação inibitória (a qual pode ser denominada de inibitória "pura"), ou melhor, um obstáculo contornável para a admissibilidade desta modalidade de tutela. Afirma Frignani que a peculiriadade da tutela inibitória "pura" consiste no fato de que a prova do perigo da prática do ilícito é mais difícil, ao passo que é extremamente árduo valor ex ante a idoneidade dos meios utilizados como preparativos ao fim de prática do ilícito." [07]
Movendo-se adiante, uma vez estabelecido o pressuposto da probabilidade da ocorrência do ilícito per se, o segundo pressuposto para a deflagração da tutela antecipada inibitória do ilícito corresponde ao requisito do periculum in mora, ou seja, a necessidade de outorga jurisdicional tempestiva e efetiva, afastando-se tanto quanto possível a ocorrência do chamado "dano marginal" ao autor que tem razão, dano este que advém precisamente da morosidade judiciária.
Exsurge de vital relevância o senso comum (art. 355 do CPC) para possibilitar um juízo presuntivo que vise a comprovar o futuro ato temido e, por isso, a necessidade do deferimento da tutela antecipatória da inibição do ilícito, modo a possibilitar a concretude do direito material. Logicamente, cabe ao juiz temperar, no caso concreto, se o provimento judicial inibitório puder acarretar prejuízo irreparável ao réu, o que certamente vai de encontro as fins da inibição e à lógica da proporcionalidade.
Por vezes, a concessão da tutela inibitória antecipadamente poderá ensejar um conflito de interesses igualmente protegidos (em certos casos, caracterizando-se uma colisão de direitos fundamentais), competindo aos magistrados decidir prudentemente pelo interesse ou direito prevalente, com supedâneo nos princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade. Essa é a perspectiva do magistério de Paulo Rogério de Oliveira:
"Um aspecto que permeia a tutela inibitória, especialmente quando se trata da sua antecipação, é a grande importância da observação ao princípio da proporcionalidade. Com efeito, por vezes o julgador se vê diante do conflito de dois interesses dignos de tutela, e deve optar por um, em detrimento de outro. E como não existe uma hierarquização de bens e valores, como bem ressalta Marinoni, o juiz deve optar pelo que tem maior relevância, em face da situação concreta." [08]
Impende destacar, nesse passo, a plasticidade e a fungibilidade da tutela inibitória antecipada, diante do poder outorgado ao magistrado a fim de conceder a medida adequada para a salvaguarda do direito material, podendo o provimento judicial requerido ser alterado, vale dizer, diminuído ou aumentado e, inclusive, modificado. Trata-se da aplicação do princípio da fungibilidade em matéria de pedido de antecipação de tutela, no desiderato de se outorgar a efetiva e adequada prestação jurisdicional, sem qualquer ofensa ao princípio da adstrição da lide aos limites do pedido, por força do que disposto no artigo 461 do CPC e 84 do CPC.
Logo, é dado ao magistrado o poder-dever de outorgar a inibitória positiva (fazer) e a inibitória negativa (não fazer), correspondendo, respectivamente, aos mandatory injuction e prohibtory injuction do direito norte-americano, sendo erro imaginar que a tutela inibitória reduza-se a uma imposição de um não fazer pelo juiz.
No entanto, tecnicamente a tutela preventiva pura do ilícito é conhecida no direito norte-americano como "quia timet injunction", modalidade do gênero injuction a exemplo dos mandatory injuction e prohibtory injuction (estes aplicáveis quando violado em momento anterior o direito), o que pode ser deduzido da seguinte passagem da obra de Luiz Guilherme Marinoni:
Note-se, porém, que a prohibitory e a mandatory injuction, ainda que exercendo função preventiva, exigem anterior violação do direito; é apenas a quia timet injuction, como já se disse, que viabiliza a prevenção do ilícito na forma pura, muito embora acabe consistindo, também, em uma injunction. A quia timet injunction, em outras palavras, é uma espécie de injunction, assim como também o são a prohibitory e a mandatory injuction e a interlocutory e a final injunction. [09]
Em vista do exposto, a prova de uma futura ilicitude é necessária, embora não se exija um rigor exacerbado em sua comprovação (não se exige um juízo de certeza), exigindo-se, ainda, a prova da indispensabilidade da tutela jurisdicional pronta e efetiva. O(a) magistrado(a) deverá permanecer atento(a) e sensível a esta espécime de tutela jurisdicional, evitando o equívoco de pretender fazer uma leitura dos pressupostos da inibição (fato futuro) a partir da tutela da reparação (fato passado).
_____________________________________________________________________KERN, Ricardo Alessandro. A tutela inibitória do ilícito: apontamentos doutrinários. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3142, 7 fev. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21025/a-tutela-inibitoria-do-ilicito-apontamentos-doutrinarios>.
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