terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

A análise dos contratos de financiamento estudantil (FIES)

O objeto do contrato de FIES é proporcionar ao estudante de baixa renda um financiamento do curso de graduação de formação superior, ou seja, é fixado um limite de crédito global para o curso pretendido pelo estudante durante seu prazo regular.
É preciso, prefacialmente, asseverar que muitos estudantes inadimplentes não pretendem se furtar ao pagamento do financiamento que lhes possibilitou cursar a sonhada graduação.
Todavia, ainda que esteja habilitada, muitos são vítimas do mal que assola o país – o desemprego – situação inesperada que impossibilita o estudante, momentaneamente, de arcar com os custos entabulados, sob pena de retirar do necessário ao sustento de seus familiares ou mesmo depender do auxílio de terceiros, inclusive sob patente violação ao princípio da dignidade humana (art. 1º, III, CRFB/1988).
Mister esclarecer que o Programa de Financiamento Estudantil (FIES) foi criado em 1998, em substituição ao crédito educativo, que se tornou inviável financeiramente por causa da alta taxa de inadimplência (70%), quando ao percentual financiado deveriam ser aplicados elementos justos de capitalização, juros módicos e cobrança de multa razoável, ou mora, pelo atraso de pagamento.
Ocorre que tas prestações são reajustadas sobremaneira, de forma assustadora.
Muito embora se soubesse que, passada a fase dos primeiros 12 (doze) meses, após a conclusão do curso, se chegaria à fase de amortização da dívida, o montante que vem sendo cobrado exorbita qualquer valor justo, uma vez que, em sua essência, estão embutidas taxas, comissões de permanência, capitalização irregular, além de cobrança de juros sobre juros, e outras ilegalidades.
Como é cediço, recentemente, a jurisprudência tem consagrado o Contrato de FIES como um programa de governo, de natureza social, logo, podemos concluir que estamos diante de um Contrato Administrativo, de natureza mista, denominado pela doutrina como fomento administrativo.
Sebastian Matin-Retortillo Baquer esclarece que:
 “é antiga e generalizada a fórmula de que com o fim de impulsionar e estimular a realização de determinadas atuações dos cidadãos, o Poder Público oferece e facilita auxílios e ajudas de todo tipo; de modo principal, de caráter econômico e dinheiro. Técnicas de distintas naturezas que têm claros antecedentes medievais, e que se afirmam e se desenvolvem com a consolidação do Estado Absoluto.”[1]
Por sua vez, Diogo de Figueiredo Moreira Neto define fomento como:
“a função administrativa através da qual o Estado ou seus delegados estimulam ou incentivam, direta, imediata e concretamente, a iniciativa dos administrados ou de outras entidades, públicas e privadas, para que estas desempenhem ou estimulem, por seu turno, as atividades que a lei haja considerado de interesse público para o desenvolvimento integral e harmonioso da sociedade.”[2]
Assim, o contrato fomentado, na espécie o FIES deve se submeter ao regime de direito público, administrativo, cujas normas devem observar os princípios constitucionais da administração pública, quais sejam: legalidade, impessoabilidade, moralidade, publicidade e eficiência, motivação, igualdade, finalidade, dentre outros, e subsidiariamente no que for aplicável as normas do Código de Defesa do Consumidor. 
Como adverte Silvio Luis Ferreira da Rocha - no entanto sem fazer alusão a especificação de fomento econômico, mas apenas Fomento como regra geral – “a atividade de fomento, enquanto atividade administrativa, deve estar submetida ao regime jurídico administrativo, que, no Brasil, decorre, diretamente, da Constituição Federal.  Assim, a atividade de fomento submete-se aos princípios da legalidade, impessoabilidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput, redação da EC 19), além da motivação (art. 93, X), da igualdade e da finalidade, entre outros.”
Ademais, a Constituição da República Federativa do Brasil, em diversos dispositivos, trata da atividade de Fomento. No art. 3º, especifica como objetivos garantir o desenvolvimento nacional e promover o bem de todos (inc. I e IV), erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, a fim de construir uma sociedade livre, justa e solidária (inc. III e I). Ao disciplinar a ordem social, afirma que o seu objetivo é o bem-estar e a justiça social (art. 193). A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados dentre os princípios (art. 170): a redução das desigualdades regionais e sociais, e a busca do pleno emprego (inc. VII e VIII). Por sua vez, determina que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art. 205).
Nessa perspectiva, o contrato de FIES, por também estar submetido ao regime de direito privado, neste aspecto, faz parte do micro sistema do Código de Defesa do Consumidor, nos termos do art. 3º, § 2º, da Lei 8.078/90, in verbis:
“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”
O Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade decidiu que as instituições financeiras estão sujeitas ao Código de Defesa do Consumidor, in verbis:
“EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. LEGITIMIDADE RECURSAL LIMITADA ÀS PARTES. NÃO CABIMENTO DE RECURSO INTERPOSTO POR AMICI CURIAE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS PELO PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA CONHECIDOS. ALEGAÇÃO DE CONTRADIÇÃO. ALTERAÇÃO DA EMENTA DO JULGADO. RESTRIÇÃO. EMBARGOS PROVIDOS. 1. Embargos de declaração opostos pelo Procurador Geral da República, pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor - BRASILCON e pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - IDEC. As duas últimas são instituições que ingressaram no feito na qualidade de amici curiae. 2. Entidades que participam na qualidade de amicus curiae dos processos objetivos de controle de constitucionalidade, não possuem legitimidade para recorrer, ainda que aportem aos autos informações relevantes ou dados técnicos. Decisões monocráticas no mesmo sentido. 3. Não conhecimento dos embargos de declaração interpostos pelo BRASILCON e pelo IDEC. 4. Embargos opostos pelo Procurador Geral da República. Contradição entre a parte dispositiva da ementa e os votos proferidos, o voto condutor e os demais que compõem o acórdão. 5. Embargos de declaração providos para reduzir o teor da ementa referente ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.591, que passa a ter o seguinte conteúdo, dela excluídos enunciados em relação aos quais não há consenso: ART. 3º, § 2º, DO CDC. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5o, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE.1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. 3. Ação direta julgada improcedente. Decisão  O Tribunal, por maioria, não conheceu dos embargos opostos pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor-BRASILCON e pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor-IDEC, vencido o Senhor Ministro Carlos Britto. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. No mérito, por unanimidade, o Tribunal recebeu parcialmente os embargos, nos termos do voto do Relator. Votou o Presidente, Ministro Sepúlveda Pertence (art. 37, inciso I do RISTF), ante a ausência ocasional da Ministra Ellen Gracie (Presidente). Impedido o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Plenário, 14.12.2006.” (ADI-ED 2591/DF - DISTRITO FEDERAL; EMB. DECL. NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE; Relator(a):  Min. EROS GRAU; Julgamento: 14/12/2006; Órgão Julgador: Tribunal Pleno; Publicação DJ 13-04-2007 PP-00083; EMENT VOL-02271-01 PP-00055)[3].
Com efeito, entendemos que o contrato de FIES – Financiamento Estudantil, visa incrementar, incentivar, apoiar, os jovens a se profissionalizarem, através da educação em nível superior, de forma a contribuir com o desenvolvimento da sociedade e da nação brasileira, a fim de se concretizar as normas constitucionais do art. 3º., 170, 193, 205, acima especificadas. Ressalva-se que tal finalidade, somente poderá ser atingida se houver respeito aos princípios constitucionais da administração pública e subsidiariamente as normas do Código de Defesa do Consumidor.

BARBOSA, Igor de Andrade. A análise dos contratos de financiamento estudantil (FIES) assinados durante a vigência das Leis nº 8.436/92 e 10.260/01, sob a ótica do consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3488, 18 jan. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23490>. Acesso em: 19 fev. 2013.

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