Em Roma reconhecia-se que o indivíduo do sexo masculino poderia
tornar-se chefe de família, ou paterfamilias, sendo o ancestral mais
antigo de todo um núcleo familiar extenso. A família romana, de fato,
excedia os limites do núcleo formado pelos pais e seus filhos:
“Em nossos dias, em sentido estrito, família é a unidade formada pelo casal e filhos. Cada filho que se casa constitui nova família, da qual se torna chefe, de tal modo que os netos não estão subordinados ao avô, mas ao pai. Em Roma, ao contrário, família é o complexo de pessoas colocadas sob a patria potestas de um chefe - o paterfamilias. A patria potestas não se extingue pelo casamento dos filhos que, tendo a idade que tiverem, sejam casados ou não, continuam a pertencer à família do chefe. Daí, o grande número de membros da família romana (CRETELLA JR, 2000, p. 77).”
Percebe-se que a patria potestas não se restringia ao exercício da
função paterna, porque também abarcava o poder de comando de um extenso
clã formado por pessoas que compartilhavam com o paterfamílias não
apenas laços sanguíneos. Além da abrangência deste poder, salta aos
olhos de todo o estudioso do direito a sua intensidade, tendo em vista a
peculiar prerrogativa de decisão sobre a vida e a morte dos filhos, o
denominado ius vitae ac necis.
“O paterfamilias poderia dispor da vida dos filhos, vende-los, abandoná-los e puni-los. Quanto à esposa, o paterfamílias exercia o manus, ou potestas maritalis, que era análogo ao pátria potestas, não permitindo à mulher nenhum poder sobre seus filhos, vez que, estaria sob a tutela de seus filhos homens quando da morte do marido (QUINTAS, 2010, p.10).”
No direito romano, portanto, conclui-se que havia a outorga de poderes
absolutos a um único indivíduo e que este não poderia ser do sexo
feminino, caracterizando assim o embrião de um modelo de família
patriarcal e hierarquizado (DIAS, 2010).
Inspiradas neste ordenamento jurídico da antiguidade é que surge, no
Brasil colônia, a primeira legislação tratando do pátrio poder:
ordenações, leis e decretos promulgados em Portugal, legitimadores da
exclusividade do homem em possuir a pátria potestade. Mas haviam deveres
expressamente previstos que o pai deveria cumprir, por exemplo: educar
os filhos de acordo com suas posses e condições; nomear-lhes tutor
testamentário; defendê-los em juízo ou fora dele e reclamá-los de quem
ilegitimamente os detenha (COMEL, 2003).
Frise-se que tais incumbências somente recaiam sobre os filhos
legítimos, excluindo-se aqueles classificados como incestuosos, espúrios
ou adulterinos, já que a legislação brasileira ainda distinguia a prole
conforme se originasse de relações dentro do casamento ou não (DIAS,
2010). O único modelo de família que merecia tratamento do legislador
era aquela formada por homem, mulher e filhos, oriunda do matrimônio
religioso católico.
De regra a mulher não chegava a exercer a pátria potestade propriamente
dita; quando muito apenas se reconhecia que os filhos lhe deviam
respeito e obediência. Caso fosse viúva, pela ausência do marido é que
deveria ocupar o lugar deste último, mas só continuaria nesta posição
até que se casasse novamente, quando perderia o poder familiar sobre os
filhos do primeiro leito (COMEL, 2003).
O Código Civil de 1916 repetiu a ideia de que o papel de chefe da
família cabia ao homem, sendo que a mulher ganhava ainda posição
secundária, conforme o art. 380: “Durante o casamento, exerce o pátrio
poder o marido, como chefe de família (art. 233), e, na falta ou
impedimento seu, sua mulher.” Até então o ordenamento jurídico
brasileiro, por consagrar a supremacia dos interesses do pai, obviamente
não concebia a autoridade parental como um conjunto pura e simplesmente
de deveres. Ressalta Silvio Baptista (2000) que os doutrinadores da
época conceituavam o pátrio poder como o conjunto de direitos subjetivos
do chefe de família. As obrigações que lhe cabiam frente aos filhos
(como o dever de sustento e educação) na verdade decorriam de
imperativos de ordem moral, subprodutos da sua própria autoridade
naturalmente emanada da figura paterna.
Como a questão da guarda está relacionada ao poder de direção exercido
sobre os filhos menores, à época as regras que definiam o exercício da
guarda levavam em conta o direito do pai, ou o direito da mãe, não
havendo preponderância dos interesses da prole. Prova disto eram as
disposições do Código que cuidavam do assunto. Se o fim do matrimônio
ocorresse por “culpa” da mãe, por exemplo, caberia ao pai obter a
guarda. A discussão acerca da quebra dos deveres conjugais era decisiva
para o estabelecimento da nova dinâmica familiar pós-separação. E caso a
mãe obtivesse a guarda os filhos do sexo masculino só ficariam com ela
até os seis anos de idade, restando-lhe a guarda das filhas (QUINTAS,
2010).
O Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121/62) não chegou a alterar
substancialmente o Código de 1916, pois manteve a prevalência masculina
no exercício do pátrio poder, embora de início se tenha a impressão de
que houve a primeira tentativa em atribuir também à mulher parcela
idêntica do referido poder (DIAS, 2010), conforme a nova redação dada ao
art. 380:
“Durante o casamento, compete o pátrio poder aos pais, exercendo-o o marido com a colaboração da mulher. Na falta ou impedimento de um dos progenitores, passará o outro a exercê-lo com exclusividade. Parágrafo único. Divergindo os progenitores quanto ao exercício do pátrio poder, prevalecerá a decisão do pai, ressalvado à mãe o direito de recorrer ao juiz para a solução da divergência (grifo nosso).”
Até este ponto nenhuma modificação radical foi percebida, exceto em
relação à viúva que contraía novas núpcias. O art. 393 passaria a dispor
que ela não perderia mais os direitos decorrentes do pátrio poder sobre
os filhos do matrimônio anterior (COMEL, 2003). Embora não tenha sido
suficiente para revolucionar o panorama jurídico referente ao exercício
da patria potestas, percebe-se que nesta época o legislador já entrava
em contato com ideais atenuantes da rígida noção hierarquizada e
patriarcal de família, que até então vinha sendo consagrada de modo
absoluto nas leis civis.
Em 1.977 a Lei do Divórcio trouxe verdadeiras inovações no tocante à
guarda de filhos. Extinguiu-se a antiga regra que determinava limite de
idade para que os filhos permanecessem sob a guarda da mãe e foi ainda
mais explícito do que o Código de 1916 na situação em que se verificasse
a inépcia de ambos os pais para serem guardiões. A nova lei estabelecia
expressamente que o juiz, convencido da falta de condições propícias ao
exercício da guarda por parte dos pais, poderia colocar os filhos do
ex-casal sob a guarda de outro familiar levando-se em conta do grau de
parentesco e proximidade (BAPTISTA, 2000).
Ressalte-se que, até então o ordenamento brasileiro não alterou a regra
de que caberia o estabelecimento de comum acordo acerca da guarda
sempre que a separação fosse consensual.
Também se deve atentar para outra modificação trazida pela Lei do
Divórcio: a fundamentação da sentença não deveria mais restringir-se ao
conjunto de mandamentos estáticos que regiam a guarda; o juiz estaria
autorizado a levar em consideração o interesse dos filhos, conforme se
infere da expressão contida no final do § 1º do art. 10: “Se pela
separação judicial forem responsáveis ambos os cônjuges, os filhos
menores ficarão em poder da mãe, salvo se o juiz verificar que de tal
solução possa advir prejuízo de ordem moral para eles.” Expressamente
esta prerrogativa do magistrado surge mais adiante, no art. 13: “Se
houver motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos
filhos, regular por maneira diferente da estabelecida nos artigos
anteriores a situação deles com os pais.” (BAPTISTA, 2000).
Pela primeira vez a lei delimitou as obrigações do ex-cônjuge que não
dispunha da guarda, regulando que a este (genitor visitante) caberiam as
atribuições de fiscalizar a manutenção e educação dadas aos filhos pelo
guardião, bem como estabeleceu a expressão “direito de visitas”,
correspondente à prerrogativa que o genitor visitante possuiria de
manter contato com a prole conforme acordado judicialmente (DIAS, 2010).
Outras disposições de cunho menos inovador também trazia a lei: quando
houvesse separação de fato, a guarda caberia preferencialmente ao
cônjuge com quem os filhos já estavam à época da ruptura matrimonial.
Quando a separação fosse motivada por doença mental de um dos consortes,
o magistrado conferia o dever de assumir a guarda e a educação dos
filhos ao cônjuge que tivesse melhores condições. Em qualquer hipótese,
sempre que o juiz verificasse a existência de sérios motivos para não
deferir a guarda a nenhum dos pais, poderia o filho ficar sob a
responsabilidade de pessoa idônea da família.
Até aqui, de maneira significativa o modo de exercício do pátrio poder
não se modificou, devido à tradicional concepção de família que ainda se
achava arraigada na mentalidade do brasileiro, devido à enorme
influência do direito romano na elaboração das primeiras leis e nos
costumes vigentes no Brasil: um homem e uma mulher, que através do
casamento se uniam e procriavam. Sobre a regência da vida conjugal e dos
filhos, prevaleceria a vontade final do marido, por força do modelo
patriarcal que a lei expressamente não chegava a vedar.
Apesar disto, em outro aspecto do pátrio poder já se observa o início
de uma sensível e gradativa modificação: aos direitos inerentes à patria
potestas se contrapunham deveres, pois o exercício do pátrio poder não
se resumia à autoridade, à voz de mando; também passava a compreender o
respeito aos direitos do filho, sobretudo à sua integridade moral e
física, conforme se denota na lei do Divórcio, ao permitir que o juiz
relativizasse suas normas levando em conta os “interesses do filho”.
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