Causou profundo furor, nos Estados Unidos, as
lições de uma mãe chinesa sobre como criar seus próprios filhos. O
abismo que separa a educação ocidental daquela exercida pela “mamãe
tigresa” fez com que, imediatamente, duas correntes logo se formassem. A
primeira afirmando o absurdo de se tratar uma criança de maneira que
beira a própria crueldade, tanto física quanto psicológica. A segunda
questionando o modelo oposto, ocidental, onde os pais já não encontram
força para impor limites a seus pequenos pimpolhos.
Este debate,
para muito além do objeto imediatamente percebido — a educação infantil
—, redunda em verdadeira crise de identidade do próprio sistema penal,
quando confrontado com os atos que o menor infrator pode cometer. Sempre
se discute qual o momento adequado para que possamos imputar a alguém
uma consciência de seus próprios atos e, consequentemente,
responsabilizá-lo por tudo aquilo que, derivado de sua intenção, vier a
praticar. No Brasil, como bem se sabe, o limite imposto por lei é
derivado de uma concepção biopsicológica do indivíduo, ou seja: primeiro
há que se averiguar se o cidadão, biologicamente, se encontra apto a
entender as consequências de seu ato. Somente quando implementado tal
quesito é que se verifica, então, se a sua formação psicológica
acompanhou tal evolução. E, em se falando de limites biológicos, a
menoridade penal brasileira é legislativamente fixada nos 18 anos.
Tal
limite encontra-se seriamente confrontado, por sua vez, em dois
argumentos cuja simbologia efetivamente gera repercussão. O primeiro,
residente no direito a voto, faz com que seja difícil entender o motivo
pelo qual uma pessoa de 16 anos teria consciência o suficiente para
entender a importância de uma eleição e, ao mesmo tempo, não teria
capacidade para entender plenamente as consequências de seus atos.
O
segundo nasce do constante “estado de emergência” no qual vive imerso
nosso país, cuja violência, amplificada por uma mídia absolutamente
desprovida de qualquer capacitação técnica adequada para o debate a que
se propõe, acaba por trazer ao cidadão uma necessidade implícita de
punir a todos, o tempo todo. E, infelizmente, esta é uma triste verdade.
No Brasil, nos sentimos sempre como vítimas em potencial e tal
sentimento tem como consequência a demonização do outro. Em suma, somos
todos inimigos, até que se prove o contrário. E para os inimigos, bala
primeiro, conversa depois.
A junção destes dois argumentos
fortalece uma corrente neopunitivista que exige repressão severa aos
“meninos delinquentes”. Tal corrente afirma que o limite imposto pela
lei brasileira, 18 anos, para estabelecimento de repressão penal acaba
por gerar verdadeira impunidade aos “menores”. E mais: que tal situação
apenas aumenta a violência encontrada em nosso dia a dia.
Com todo
respeito aos argumentos contrários, apostar na punição como remédio
para a violência social é ignorar, acintosamente, as mazelas de nosso
sistema prisional. É ignorar que, ao se prender alguém, o remetemos para
uma verdadeira “escola do crime”. É ignorar ser filosoficamente
impossível ressocializar o menor com a sua retirada do convívio familiar
e social, taxando-o de marginal e etiquetando-o com qualidades
negativas que o acompanharão pelo resto de sua vida. Ainda nessa linha,
acreditar na punição como solução, direcionando recursos públicos para a
construção de presídios, é ignorar que a educação preventiva, com
saúde, alimentação e lazer, são as únicas alternativas viáveis para que
algo plantado venha, efetivamente, a florescer. Acreditar na pena é, ao
fim, acreditar na guerra como solução para nossos males. Ainda que
verdadeiro o dito se vis pacem, parabellum, temos que existe
uma larga distância que separa o “estar preparado”, da instituição em si
de tal estado, principalmente quando se fala de um mesmo povo, em uma
mesma nação.
Não se está, aqui, propondo soluções, até porque
apenas o esforço diário de tolerância e compreensão do próximo pode nos
levar a um caminho melhor. No entanto, não há motivos que nos levem a
acreditar que, por falta de caminhos imediatos a serem adotados, devemos
continuar apostando nossas fichas em uma ideia que sabemos não
funcionar. Se, como disse o ministro Cernicchiaro, a prisão serve para
enjaular a fera, torna-se óbvio que não é para esta jaula que devemos
mandar nossas crianças.
Daniel Gerber é
advogado criminalista, sócio do escritório Daniel Gerber Advocacia
Penal, em Porto Alegre (RS), e do escritório Eduardo Antônio Lucho
Ferrão, em Brasília (DF).
Revista Consultor Jurídico, 2 de junho de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-jun-02/daniel-gerber-apostar-punicao-menor-ignorar-mazelas-prisoes
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