Trataremos de assuntos extremamente delicados e controversos onde a
esfera racional por variados instantes cede espaço para que a esfera da
emoção se faça prevalecer. Até para nós, estudiosos do direito, há
inelutável dificuldade para se emprestar uma análise cognitiva que se
mostre satisfativa. O artigo divide-se em duas temáticas distintas, mas
complementares.
Neste momento é que os métodos de Alexy e Dworkin
parecem falhos, quando inferimos a necessidade de sopesarmos,
ponderarmos bens tuteláveis de tão expressivo valor e realidades, mas o
direito não pode se acabrunhar e deve viabilizar uma decisão
interpretativa que na maior medida possível mostre-se aproximada da
justiça e da equidade.
Pelo menos 400 pessoas morreram na Nigéria
em um novo ataque supostamente cometido pela seita radical islâmica
Boko Haram no estado de Borno, no norte da Nigéria nos primeiros meses
de 2014. Você que leu esta notícia hoje, lembra de tê-la visto nos
noticiários? Lembra-se, por quantos dias? Com que perplexidade?
Pois
no final da 2ª quinzena de janeiro de 2015 (dia 12), a Organização
Humanitária Anistia Internacional calcula que cerca de 2.000 pessoas
foram chacinadas pela mesma seita de extremistas islâmicos que teriam
assumido o controle de Baga e arredores há 15 dias. Pergunto: Você
leitor, teve conhecimento deste fato? Quantas vezes já ouviram ou leram
nos noticiários? O mundo está reunindo-se em alguma marcha histórica que
reunirá 3,7 milhões de pessoas pelas vidas dos Nigerianos massacrados?
Em
outro hemisfério, com outra visibilidade, com outra perspectiva de
“comoção mundial”, desta vez na França, 17 mortos, entre eles as 12
pessoas que morreram em um atentado contra a sede do jornal "Charlie
Hebdo", este a mais de uma semana tomou conta dos noticiários do mundo,
que participou de uma marcha histórica que reuniu grande parte dos
principais representantes de Estados e de Governos de todo o ocidente em
um verdadeiro “tsunami humano” que tomou conta das ruas de Paris.
Neste
momento, sem qualquer grão de hipocrisia, mas de certa forma impactado
pelas perspectivas humanas de valor, perguntemos: Franceses valem mais
que nigerianos? A morte de dezessete franceses causa maior revolta,
repulsa e comoção que a morte de 2000 nigerianos? A morte de brancos
europeus é mais dolorosa que a morte de negros africanos?
Estas
perguntas deixamos com o fim de provocar uma autorreflexão de nossas
representações neste mundo, de nossas diferenças, importâncias e
prioridades. Mensuremos nosso potencial para produzirmos hipocrisias em
nossas relações humanas e o valor que atribuímos aos humanos, negros,
brancos, amarelos ou da cor de pelé que representemos aos olhos do
mundo. Será que somos capazes de conscientemente tarifarmos a vida
humana pela cor, Estado, fé religiosa ou cultura que representamos?
Já
articulamos a respeito deste trágico e lamentável acontecimento
ocorrido em território francês, artigo publicado em diversos meios: “A
hostil relação entre o terrorismo e as liberdades de expressão
democráticas: algumas inferências pontuais”. No artigo tivemos a
oportunidade de assentar por outras palavras, que liberdade só é
possível de ser atribuída se acompanhada de responsabilidade. Liberdade
irresponsável é anarquia e não Estado Democrático de Direito. Assim,
devemos assentar que liberdade é um valor relativo e não absoluto, e por
isso deve ser sopesado com outros valores que estejam em conflito, para
extrairmos o máximo de cada um evitando-se o aniquilamento do outro, aí
incluindo-se a liberdade de expressão. Esta, uma visão
neoconstitucionalista que ilumina a ciência do Direito Constitucional
contemporâneo.
Ao analisarmos boa parcela das charges do jornal
"Charlie Hebdo", que teve 12 de seus chargistas brutalmente
assassinados, percebemos que muitas destas charges não cumprem o seu
papel de promover uma ironia política de bom gosto, ao contrário, muitas
delas são grosseiras, de menor potencial criativo e apenas promovem de
forma tosca uma violência emocional absolutamente desnecessária.
Aqui
não se quer defender a reação absolutamente desproporcional dos
extremistas islâmicos, ao contrário, desta reação há que se ter o maior
repúdio. Aqui se assenta que, a liberdade de expressão “à priori” é de
fato livre, (com o perdão da redundância), mas quando tomada pelo
excesso capaz de promover dano sem fundamento razoável em qualquer de
suas formas, deve sim, ser responsabilizada na medida de seu excesso.
Censura jamais, responsabilidade sempre, que entendamos seus limites.
Talvez,
se no passado o Estado Francês houvesse responsabilizado o jornal
"Charlie Hebdo" por seus excessos costumeiros absolutamente
despropositados e de gosto duvidoso, este absurdo promovido pelos
extremistas não houvesse sido praticado, apenas a título de mera
suposição, conjeturando. Não estamos aqui culpando como responsável
direto o Estado francês por uma reação tão desproporcional de uma fé
extremista, mas pode de certa forma haver contribuído para o resultado
absolutamente lamentável que prosperou.
Lembremos para finalizar
que, para cultura Muçulmana, precipuamente aos extremistas muçulmanos, a
vida e a morte possuem outros significados que os atribuídos no seio
das culturas ocidentais, em boa parte catequizada pela fé Cristã. Aos
muçulmanos (significado: aqueles que se submetem a Alá), o Islã
prevalecerá sobre a terra, os extremistas acreditam que a realização da
profecia do Islã e seu domínio sobre todo o mundo, como descrito no
Corão, é para os nossos dias. Cada vitória de um extremista Muçulmano
convence milhões de muçulmanos moderados a se tornarem extremistas.
Matar e morrer por Alá, para os extremistas do Islã, é sinal de um poder
absoluto que passam a ostentar para um posterior descanso no paraíso do
além-vida.
Cultura absolutamente estranha e doentia aos olhos do
ocidente, mas que está incrustada na cultura religiosa dos mais
ortodoxos do Islã, que recebem já durante nos primeiros anos da infância
uma verdadeira lavagem cerebral de uma doutrina desviada do que pregam
os bons praticantes do Islã.
Nesta absoluta discrepância do
entendimento de vida e morte que carregamos e que os extremistas
muçulmanos carregam, que deveríamos, se não por respeito ao que nos
parece absolutamente doentio e desviado da boa fé, por questão de
segurança dos não praticantes do Islã, abdicarmos de satirizar o que
para eles é intocável. Senão por repeito, por inteligência.
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