quarta-feira, 13 de maio de 2020

Análise da jurisprudência do STJ sobre epidemias: Dengue


Dengue - Fonte: STJ 

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No REsp 1.133.257, a Primeira Turma julgou ação de indenização por danos morais contra o estado e o município do Rio de Janeiro, ajuizada por um pai em razão da morte de sua filha por dengue hemorrágica, a forma mais grave da doença. Segundo o pai, a morte da criança ocorreu pela negligência do estado e do município no combate à epidemia ocorrida no estado em 2002.
O pedido de indenização foi julgado improcedente em primeira instância. Para o juiz, não foi comprovado o nexo de causalidade entre a conduta omissiva dos agentes públicos e a morte da menina, causada por uma doença que é adquirida pela picada de um inseto.
Ao julgar a apelação, contudo, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) reformou a sentença por entender que a epidemia de dengue era amplamente noticiada à época dos fatos. De acordo com o tribunal, o poder público alegou ter realizado um eficiente programa de combate à transmissão da doença, mas todos os documentos juntados aos autos diziam respeito a fatos posteriores à morte da criança.
Além disso, ao fixar indenização por danos morais de R$ 30 mil ao pai da criança, o TJRJ também considerou a existência de laudo da Coordenadoria de Controle de Vetores, feito dias depois do óbito, que constatou a existência de vários focos do Aedes aegypti no quarteirão onde morava a família.

Valor irr​​​isório

Relator do recurso especial do pai, o ministro Luiz Fux (hoje no Supremo Tribunal Federal – STF) afirmou que os danos morais não visam reparar a dor, a tristeza ou a humilhação sofridas pela vítima – posto que são valores inapreciáveis –, o que não impede que seja fixado um valor compensatório, com o objetivo de suavizar o dano.
No caso dos autos, o ministro entendeu que o valor de indenização arbitrado pelo TJRJ era irrisório, especialmente em virtude da lesão suportada pelo pai e da constatação de que os entes públicos foram omissos na tomada de providências que seriam necessárias para evitar a fatalidade.
Para o ministro, a verificação de que o valor da reparação é insuficiente diante das circunstâncias do caso exige a sua majoração, "de maneira que a composição do dano seja proporcional à ofensa" – razão pela qual a indenização a título de danos morais foi aumentada para R$ 50 mil.

Servidores doent​​es

Caso a epidemia que atinge a cidade contamine diversos servidores, a ponto de inviabilizar a prestação de serviços públicos, o município pode realizar contratações excepcionais sem concurso? Para a Segunda Turma, a resposta é positiva.
O episódio aconteceu em Visconde do Rio Branco (MG), no início dos anos 2000. Segundo o Ministério Público, o então prefeito fez uma série de contratações irregulares, sem prévia seleção pública. O prefeito, por sua vez, alegou que a epidemia de dengue que atingiu o município exigiu a contratação emergencial de agentes comunitários de saúde, e que outros profissionais, como professores e auxiliares de serviços gerais, tiveram que ser substituídos porque os servidores efetivos adoeceram.
A ação de improbidade administrativa foi julgada improcedente em primeira instância, com sentença mantida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Segundo o tribunal, não houve prova da ocorrência de fato danoso, ou de dolo ou culpa do prefeito, cujo objetivo seria combater a epidemia de dengue e conseguir administrar a prefeitura, a qual ele havia recebido em condições precárias.
No recurso especial dirigido ao STJ, o Ministério Público Federal insistiu na necessidade de se enquadrar a conduta do prefeito nas sanções do artigo 12, inciso III, da Lei de Improbidade Administrativa, sendo inadmissível reconhecer o erro do agente público sem lhe aplicar a correspondente consequência civil.
O ministro Og Fernandes mencionou jurisprudência do STJ no sentido de que a configuração de improbidade na contratação sem concurso público exige a comprovação do dolo. O relator também apontou que, conforme entendeu o TJMG, as contratações temporárias tinham o objetivo de atender ao interesse público, especialmente no momento da epidemia de dengue.
"Constituído tal quadro, tendo sido constatado motivo plausível para a não realização do concurso público, não há espaço para se cogitar de dolo, ou seja, de que teria havido consciência e vontade da autoridade pública de atuar em descompasso com a Constituição Federal e a legislação", concluiu o ministro ao manter o acórdão do TJMG (REsp 1.180.311).

Agentes sanit​​ários

No campo geral de proteção à saúde contra doenças transmissíveis, em 2002, a Sexta Turma firmou o entendimento de que o MPF possui legitimidade para promover ação civil pública visando a reintegração de agentes sanitários responsáveis por campanhas de prevenção e combate de epidemias e doenças endêmicas.
A tese foi firmada em ação ajuizada pelo MPF contra a União após 44 guardas sanitários terem sido demitidos de uma vez, sob a alegação de necessidade de redução do déficit público. Segundo o MP, a demissão generalizada poderia causar danos irreparáveis à saúde da coletividade.
O processo foi extinto em primeiro grau, sob o fundamento de ausência de interesse do Ministério Público. A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), que concluiu que o MPF não teria legitimidade ativa para a defesa de interesse disponíveis; apenas os interesses indisponíveis, para o TRF5, poderiam ser tutelados pela instituição.
Relator do recurso especial, o ministro Vicente Leal (já aposentado) lembrou que a Constituição de 1988 ampliou o campo de atuação do Ministério Público, conferindo-lhe legitimidade para promover o inquérito civil e a ação civil pública na defesa do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
Além disso – destacou o relator –, "a Carta Magna assegura que saúde, direito de todos e dever do Estado, deve ser garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (artigo 196, CF/1988)".
Como consequência, Vicente Leal apontou que é dever do MP zelar pelo efetivo respeito aos direitos assegurados pela Constituição, entre eles a tutela da saúde pública, interesse difuso de toda a coletividade.
Ao reconhecer a legitimidade ativa do MPF para a ação, o ministro ainda ressaltou as deficiências do sistema de saúde pública no Brasil, em grande parte decorrentes da falta de recursos materiais e humanos, motivo que torna ainda mais danosa a inviabilização de programa de prevenção de epidemias (REsp 177.883).

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