quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Tudo o que você filmar, gravar ou fotografar também poderá ser usado contra você no tribunal

Saiu na Rede Globo:
Nossa Constituição diz que ninguém é obrigado a constituir prova contra si mesmo, ou seja, ninguém é obrigado a dizer “sou culpado” ou dizer qualquer coisa que possa levar à presunção e sua culpa ou apresentar qualquer prova que possa levar à presunção de sua culpa. É o equivalente brasileiro ao que vemos todos os dias em filmes americanos: tudo o que você disser poderá ser usado contra você. A consequência dessa frase é que se você não quiser que seja usado contra você, não diga nada. É seu direito.

Mas a partir do momento em que você disse (seja à polícia ou a qualquer outra pessoa) ou filmou, o que você disse (ou filmou, ou fotografou ou assinou) poderá ser usado como prova contra você. Você abdicou de seu direito no momento em que você resolveu produzir a prova.

Ao contrário do que acontece com uma escuta telefônica ou seus arquivos de email, a polícia não precisa de autorização judicial para apreender o filme acima. A diferença é que quando a polícia grampeia seu telefone ou vasculha seu email, é ela quem está gravando, ou seja, violando sua privacidade e sigilo. Quando você filma ou grava sua própria conversa e esse filme ou gravação vai parar nas mãos da polícia, foi você quem produziu a prova. No primeiro caso, você não abdicou de seu direito à privacidade: foi a justiça que autorizou a sua violação. No segundo caso, você resolveu abdicar desse direito.

Óbvio que queremos que criminosos sejam condenados e presos. Mas existe um ‘quase outro lado da moeda’ aqui: às vezes você produz provas contra si mesmo embora não tenha cometido crimes. Nós vimos um exemplo recentemente: o do Brasileiro que divulgou em seu Twitter que iria trabalhar na Austrália com visto de turista. Ele acabou produzindo prova contra si mesmo, e essa prova foi usada contra ele pela polícia australiana. E vimos outros dois exemplos aqui: um no qual alguém, via Facebook, ajudou um bandido que estava cercado pela polícia; e outro no qual o ex-marido usou as fotos colocadas no Facebook pela esposa para alegar que ela não precisava da pensão alimentícia dele. Em ambos os casos, foram as pessoas que produziram provas contra si mesmas.

http://direito.folha.com.br/1/post/2011/07/tudo-o-que-voc-filmar-gravar-ou-fotografar-tambm-poder-ser-usado-contra-voc-no-tribunal.html

Médico não responde por danos em cirurgias de obesa

A 4ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina confirmou sentença da comarca de Joaçaba (SC) e isentou um médico e o Hospital e Maternidade São Miguel do pagamento de indenização a uma mulher que se submeteu a quatro cirurgias em 2002. A mulher precisou fazer uma cirurgia para retirada de pedra na vesícula, e teve complicações no pâncreas e abdome. Ela entrou com ação, pedindo indenização por danos morais, reparação estética, tratamento médico e pensão vitalícia.

O relator, desembargador substituto Ronaldo Moritz Martins da Silva, baseou-se nos dados técnicos apresentados pela perícia — enfática ao afirmar que os procedimentos cirúrgicos foram essenciais à sobrevivência da autora da ação. Ele observou que a obesidade da paciente foi um fator agravante na ocorrência das complicações. Além disso, não há provas nos autos de que a mulher tenha ficado infértil em razão das cirurgias realizadas, como alegou na ação.

"Ressalta-se que a obesidade da recorrente foi fator preponderante para a extensão dos prejuízos estéticos, visto que as grandes placas adiposas do organismo tornam o acesso ao órgão mais complexo, a incisão cirúrgica maior, e facilitam o desenvolvimento de hérnias incisionais. Inexiste, portanto, nexo de causalidade entre os danos estéticos sofridos pela autora e o atendimento prestado pelo médico réu, tendo em vista que as complicações experimentadas no pós-operatório e as cicatrizes no abdome são totalmente compatíveis com a gravidade da doença e o fator obesidade", concluiu Martins da Silva. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-SC.

2009.070374-9
Revista Consultor Jurídico

Por que o STF se envolve em tanta polêmica?

Saiu na Folha de hoje (2/2/12):
"Peluso nega crise e diz que juiz não pode ceder a pressão
Em discurso na abertura oficial do ano do Judiciário, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, negou que haja uma crise no Poder e afirmou que os juízes não podem ceder a pressões (...)
A fala do presidente do STF ocorre em meio a uma polêmica sobre privilégios e irregularidades envolvendo magistrados e os limites do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), órgão de fiscalização e controle externo do Poder.
Poucas horas depois do discurso, o Supremo começou a analisar uma decisão provisória, tomada pelo ministro Marco Aurélio Mello, que limitou a atuação do CNJ. O julgamento foi suspenso ontem e será retomado hoje
"


Quase sempre que você lê um artigo sobre o STF, o artigo diz que é por causa de uma polêmica. Normalmente achamos que a polêmica é culpa da personalidade desse o daquele ministro. E às vezes é. É por isso que magistrados falam (ou deveriam falar) 'apenas nos autos', ou seja, só devem dizer o que pensam quando estiverem decidindo algo processo. Quanto menos eles falam, menos polêmica geram.

Mas há dois outros motivos que têm pouca relação com suas personalidades.

O primeiro é que, ao contrário do que muita gente pensa, o STF não é um tribunal político, mas constitucional. E um julgamento político é exatamente o oposto de um julgamento constitucional. Vamos entender:

Na Constituição colocamos tudo aquilo que é mais essencial em nossa vida como sociedade. O direito à vida é essencial? Então vamos protege-lo na Constituição. A separação dos poderes é importante? Então vamos protege-la na Constituição. Evitar que o presidente da República se torne um ditador vitalício é importante? Então vamos restringir o número de reeleições possíveis. Onde fazemos isso? Na Constituição.

Já um tribunal político é movido pelas necessidades do momento. E, quase sempre, pela emoção. E, por isso mesmo, ele é um tribunal menos justo porque as emoções e as necessidades do momento mudam a todo instante, enquanto os valores essenciais de uma sociedade permanecem os mesmos.

Vamos entender isso através de dois exemplos práticos:

Impeachment: O ex-presidente Fernando Collor sofreu um impeachment. O julgamento do impeachment não foi feito pelo STF. Ele foi julgado pelo Senado Federal, que naquele processo funcionou como um tribunal político. Tanto é assim que – querendo ou não (e aqui não vai nenhum julgamento de valor) – o ex-presidente foi absolvido de todas as acusações feitas contra ele no STF. O Senado julgou politicamente, ou seja, baseado no que eles percebiam como necessidade imediata.

Ficha limpa: Você provavelmente vai se lembrar que no julgamento da Lei da Ficha Limpa o STF decidiu que a lei não seria aplicada nas eleições de 2010. Isso porque, por um princípio constitucional, uma lei eleitoral modificada só passa a ser aplicada às eleições que ocorrerem 12 meses depois que ela passou a vigorar. Como a Lei havia entrado em vigência em meados de 2010, ela só poderia ser aplicada a partir de meados de 2011.

Pois bem, todo mundo sabia – inclusive os ministros do STF - que uma consequência daquela decisão seria que vários políticos com sentenças contra eles acabariam virando senadores e deputados. E foi o que ocorreu. Óbvio que quase ninguém ficou feliz com isso. Então por que o STF julgou daquela forma? Justamente porque ele é um tribunal constitucional. Ele precisava levar em conta os efeitos de sua decisão no longo prazo: se ele mudasse a interpretação da Constituição naquele momento apenas para resolver o caso de uma lei específica, ele teria que aplicar aquela interpretação no futuro para outras leis, inclusive para leis que viessem a desproteger a sociedade. É por isso que, embora impopular, ele tomou a decisão que protegesse as estruturas jurídicas de longo prazo do país. Em outras palavras, a Constituição.

Algumas pessoas acreditam que o STF é um tribunal político porque seus magistrados são nomeados pelo presidente da República. Mas há magistrados nomeados pelo presidente e pelos governadores em todos os tribunais brasileiros. Isso é uma prerrogativa desses cargos. Logo, todos os tribunais seriam políticos.


E, a bem da verdade, há mais pressão política para a indicação dos magistrados nesses outros tribunais (porque imprensa e população prestam menos atenção neles) do que no STF.

A segunda razão é que quando uma questão chega ao STF é porque ela já era provavelmente controversa antes de chegar lá.

Óbvio que o Judiciário só julga casos controversos (caso contrário, não precisaria julgar). Mas o STF julgar casos especialmente complicados (mesmo porque o STF tem a prerrogativa de dizer que não irá julgar recursos que não sejam importantes).

A maior parte das questões juridicamente controversas são controversas justamente porque ainda não está clara qual é a melhor forma de decidi-las.

Os ministros do STF, ainda que estudem e entendam muito de direito, são seres humanos. E há duas qualidades fundamentais dos seres humanos: nós nunca sabemos tudo, e cada um pensa de uma forma diferente. No STF, são 11 cabeças que não só não sabem tudo, mas que pensam de formas diferentes umas das outras, e precisam, em conjunto, decidir algo muito controverso. Obviamente muitas vezes eles não chegarão a um consenso e algumas vezes a decisão da maioria acabará sendo detestada por boa parcela da sociedade.

Como o STF é a instância máxima do Judiciário, ele está constantemente no holofote. Uma decisão que vá contra o gosto popular e que esteja no holofote da mídia obviamente vai gerar mais polêmica do que uma decisão parecida tomada por um juiz de primeira instância em uma comarca pequena no interior de algum estado.

Ademais, a decisão do juiz da pequena comarca raramente afetará mais do que um par de pessoas (réu e autor), enquanto muitas das decisões do STF – especialmente aquelas que chegam lá em forma de recurso, Adins e ADCs – vão afetar uma quantidade enorme de pessoas (ou mesmo o país inteiro) porque elas têm o que chamamos de repercussão geral: elas valem pra todo mundo.

Em suma, não é que necessariamente que o STF tome decisões polêmicas, mas que, por natureza, as questões que chegam a ele são polêmicas; ele precisa tomar decisões olhando não a opinião popular no momento, mas a proteção de princípios fundamentais da sociedade; e, em boa parte dos casos que ele julga, não há consenso sobre qual é a melhor forma de interpretar esses princípios e é por isso mesmo que a questão foi parar em suas mãos.

http://direito.folha.com.br/1/post/2012/02/por-que-o-stf-se-envolve-em-tanta-polmica.html

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

CNJ: quando juízes pedem e o Ministério Público decide

Saiu na Folha de hoje (01/02/12):
Procuradoria diz que CNJ não violou sigilo de juízes
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, rechaçou ontem os argumentos presentes no pedido de investigação feito pelas três principais associações de juízes do país contra a corregedora do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), Eliana Calmon.
As associações protocolaram pedido na Procuradoria-Geral, no final do ano passado, para que o órgão apurasse se Calmon cometeu crime ao determinar varredura na movimentação financeira de juízes e servidores de tribunais de todo o país.
Para a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), a Ajufe (Associação de Juízes Federais) e a Anamatra (Associação dos Magistrados do Trabalho), a corregedora do CNJ violou a Constituição ao pedir uma investigação sem autorização judicial, além de, segundo elas, ter vazado os dados para a imprensa.
No ofício em que determina o arquivamento do pedido, Roberto Gurgel afirmou que não há indícios de crimes cometidos por Eliana Calmon, que, além de corregedora do CNJ, é ministra do Superior Tribunal de Justiça.
Segundo ele, os dados divulgados ‘não contêm a identificação de magistrados e servidores que eventualmente realizaram operações qualificadas de atípicas’, como mostrou recentemente relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão de inteligência financeira ligado ao Ministério da Fazenda.


Em suma, três associações de juízes pedem algo em nome dos juízes, mas o procurador-geral da República, que é o chefe do Ministério Público, nega o pedido.

Estamos acostumados a ouvir falar que o Ministério Público pediu alguma coisa e os juízes negaram, mas não o contrário. Isso porque quem decide alguma coisa no processo é o magistrado. É ele quem pode aceitar ou negar os pedidos. O Ministério Público é uma das partes do processo e a ele só cabe pedir.

Então o que ocorreu na matéria acima para as posições serem invertidas? É o fato de eles serem juízes que faz com que o papel seja invertido? Não. Um juiz ou uma associação de juízes é julgada pelo Judiciário, e nunca pelo Ministério Público. Duas coisas diferentes ocorreram na matéria acima:

Primeiro, os juízes (ou as associações que os representam) pediram porque eles estão agindo como indivíduos/partes, e não como magistrados. É a mesma coisa de um juiz bater na esposa: ele será julgado como uma parte (no caso, réu) do processo. Ele é um magistrado, mas ele também é um indivíduo com direitos e obrigações, que pode ser réu ou autor em um processo (ou vítimas ou suspeitos em uma investigação). É por isso que, no caso acima, os juízes pediram algo.

Segundo, porque ainda não se trata de um processo, mas do pedido dos juízes para que o Ministério Público investigue algo. A investigação acontece antes do processo e é feita pela polícia ou pelo Ministério Público.

No caso do Ministério Público, ele possui o que chamamos de autonomia funcional. Normalmente falamos da autonomia funcional para dizer que o chefe do poder Executivo (como o presidente da República ou um governador) não pode influenciar o trabalho do Ministério Público, ainda que o MP faça parte daquele poder. Mas a autonomia funcional também significa que os outros dois poderes – inclusive o Judiciário – também não podem interferir ou forçar o MP a investigar ou acusar alguém que ele não considere suspeito ou culpado.

Pois bem, no caso acima, o procurador-geral da República, usando dessa autonomia funcional, disse às três associações que não irá perder seu tempo investigando algo ou alguém que não considera errado ou suspeito.

Se já houvesse um processo, o pedido das associações seria ao Judiciário e não ao Ministério Público, e a decisão sobre esse pedido seria feito por um magistrado.