sexta-feira, 15 de março de 2013

Internação e Política de Atendimento: judicialização ou politização?!



Por certo, não se trata de “abrigamento”, mas, sim, de medida socioeducativa de internação que deve ser sujeitada aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, nos termos do caput do art. 121 da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente); inclusive, é o que já se encontra consignado no inc. V, do § 3º do art. 227 da Constituição da República de 1988 – “obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade”.

Ademais, observe-se que para além das regras estabelecidas pelas “Leis de Regência”[1] – isto é, a Constituição da República de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) e, agora, também a Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Lei 12.594/2012 – SINASE) – a medida socioeducativa de internação, precisamente, por se caracterizar pela privação da liberdade, insofismavelmente, deve atender aos ditames e parâmetros estabelecidos através das Resoluções expedidas pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA.

As Resoluções do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) possuem caráter vinculativo a todos os gestores públicos, uma vez que são decorrentes das deliberações coletivas acerca das políticas sociais públicas destinadas à proteção integral de crianças e adolescentes.

Por isso mesmo, entende-se que o Poder Judiciário – ainda que por sua mais alta Corte, o Supremo Tribunal Federal; senão, mesmo pelo interposto Conselho Nacional de Justiça – não tem legitimidade para alterar os parâmetros estabelecidos por Resolução de Colegiado paritariamente constituído, através do qual fora prestigiada a participação popular pela representatividade da sociedade civil organizada (não-governamental) e, de outro lado, pelo setor governamental, para a formulação de diretrizes e parâmetros das políticas sociais públicas em prol da infância e da adolescência.

A decisão provisória – o que se afigura pior! –, então, adotada pelo Ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, por certo, remonta à discussão acerca da judicialização da necessária independência política e autonomia funcional das instituições públicas que legalmente são organizadas – estrutural e funcionalmente – para o cumprimento de determinadas e específicas atribuições.

Senão, que, de maneira semelhante, remonta à discussão da politização das decisões judiciais que apesar de não possuírem vinculação direta com a dimensão política, certamente, não se encontram totalmente alijadas de suas injunções, motivos pelos quais, as “Leis de Regência” e as Resoluções do CONANDA devem, sim, vincular a todos.

Mutatis mutandis, entende-se que as Resoluções decorrentes de deliberações que foram democrática e paritariamente adotadas pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) deveriam ser tão conhecidas quanto respeitadas são as determinações do Comitê de Política Monetária (COPOM) acerca das taxas de juros e outros índices econômico-financeiros – diretrizes da política monetária e definição da taxa básica de juros.

As Resoluções do COPOM são respeitadas a ponto de nenhum outro Poder Público legalmente constituído sequer questionar e muito menos alterar ou diminuir – política ou judicialmente – a taxa básica de juros, a título de adoção de “medidas drásticas” que devam ser adotadas para que se cumpra a função social da propriedade, senão, para “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, consoante o inc. III, do art. 3º da Constituição da República de 1988.

A discursividade jurídico-legal tem impedido o comprometimento político-social em prol do asseguramento das liberdades públicas do adolescente a quem se atribui a prática de ação conflitante com a lei.

Isto é, tem causado uma certa opacidade – segundo Carlos M. Cárcova[2] – impeditiva e veladora de interesses nem sempre confessáveis, mas, que, são pertinentes a assuntos que deveriam ser discutidos na espacialidade pública da palavra e da ação – conforme adverte Hannah Arendt[3] –, precisamente, por interessarem a todos; como por exemplo, a questão orçamentária, a (re)estruturação dos Juízos de Direito da Infância e da Juventude, a capacitação permanente de pessoal, dentre outras medidas administrativas, legais e judiciais.

Na verdade, toda e qualquer medida socioeducativa de internação (privativa de liberdade) deveria ser reavaliadas no máximo a cada 6 (seis) meses, inclusive, podendo a Autoridade Judiciária, se necessário, designar audiência, para tal desiderato, nos termos do art. 42 da Lei 12.549/2012 (Lei do SINASE)[4].

Por isso mesmo, nunca é demais lembrar que a determinação judicial de cumprimento da medida socioeducativa de internação (privação da liberdade) apenas deveria ser adotada quando “I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves; e III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta”, segundo o art. 122 da Lei 8.069/90.

Até porque, a reavaliação da manutenção, da substituição ou da suspensão das medidas socioeducativa de privação da liberdade e do respectivo plano individual pode ser solicitada a qualquer tempo, a pedido da direção do programa de atendimento, do Defensor, do Ministério Público, do próprio Adolescente, de seus Pais ou Responsável, conforme prescreve o art. 43 da Lei 12.549/2012.

Senão, que, constitui-se num dos direitos individuais, de cunho fundamental, então, reconhecido ao adolescente que cumpre medida socioeducativa, a sua inclusão em programa de meio aberto quando inexistir vaga para o cumprimento de medida de privação da liberdade, nos termos do inc. II, do art. 49 da Lei 12.549/2012.

Contudo, observa-se que nas hipóteses de ação conflitante com a lei cometida, mediante grave ameaça ou violência à pessoa, quando o adolescente deverá ser internado em Unidade mais próxima de seu local de residência.

No entanto, tem-se que a “gravidade” da ação conflitante com a lei, os antecedentes e o tempo de duração da medida não são fatores que, por si sós, justifiquem a não substituição da medida socioeducativa por outra menos gravosa, nos termos do § 2º do art. 42 da Lei 12.549/2012.

Ademais, toda e qualquer transferência de adolescente que se encontre em cumprimento de medida privativa de liberdade deve obedecer rigorosamente ao que dispõem as “Leis de Regência”, quando não especificamente ao que se encontra disposto na Lei 12.594/2012, cuja objetividade fora exatamente determinar a jurisdicionalização do cumprimento das medidas socioeducativas, e, assim, limitar as arbitrariedades e desvios dos atos administrativos destinados ao acompanhamento do adolescente.

Pois, como se sabe, a eventual mudança da “situação jurídica do adolescente”, importará, sim, na reformulação do plano individual de atendimento, bem como a jurisdicionalização de seu processamento, consoante os ditames do princípio do devido processo legal, e, os seus consectários da ampla defesa e do contraditório, nos termos dos art. 36, 37, 39, 40, 41 e principalmente o 44 da Lei 12.594/2012.

Logo, toda e qualquer transferência de adolescente em cumprimento de medida socioeducativa privativa de liberdade depende, sim, de prévia e indispensável autorização judicial, haja vista as regras procedimentais vinculadas aos direitos individuais e garantias fundamentais que deverão ser respeitadas para o asseguramento da plenitude do desenvolvimento da personalidade do adolescente, e, que, assim, funcionam como limitação à discricionariedade dos gestores públicos das entidades de atendimento.

Uma vez que, a posterior e “imediata comunicação ao juízo competente”, nos termos do art. 50 da Lei 12.594/2012 (Lei do SINASE), apenas deveria ser utilizada nas hipóteses de autorização, pela Direção do Programa de Execução, da “saída, monitorada, do adolescente nos casos de tratamento médico, doença grave ou falecimento, devidamente comprovados, de pai, mãe, filho, cônjuge, companheiro ou irmão”; e, não, diversamente, para transferência de adolescente.

Até porque, a eventual manutenção da privação de liberdade do adolescente a quem se atribui a prática de ação conflitante com a lei não pode ser fundamentada na falta ou irregular oferta de “programas de atendimento socioeducativo em meio aberto”, consoante dispõe o § 2º do art. 49 da Lei 12.594/2012 (Lei do SINASE).

Portanto, não se trata de ampliar o percentual, e, sequer, o número de “vagas”, mas, sim, já é hora de convincentemente se render aos ditames da doutrina da proteção integral, segundo a qual a internação – e de igual maneira a semiliberdade (§ 2º do art. 120 da Lei 8.069/90) – deve ser medida excepcional e breve, quando não sempre evitada quando houver outra medida legal – protetiva e ou socioeducativa – que se afigure adequada à emancipação do adolescente a quem se atribui a prática de ação conflitante com a lei.

É preciso uma mudança radical do Sistema de Justiça Infanto-Juvenil – em especial, no Estado de São Paulo, haja vista o critério quantitativo das intervenções estatais – fundada na cultura humanitária da proteção integral e efetividade dos direitos individuais e das garantias fundamentais especificamente destinadas à criança e ao adolescente – aqui, submetido ao cumprimento de medida privativa de liberdade.

Talvez, para a resolução adequada dos denominados problemas que suscitaram a adoção – indevida! – de “medidas drásticas para que sejam devidamente equacionados” fosse importante iniciar pelo respeito ao regime democrático, no qual o Estado (Poderes Públicos) não só agem de acordo com a lei – aqui, as “Leis de Regência” do Direito de Criança e do Adolescente –, mas, também, de forma convincente, submetem-se aos ditames da lei – então, estabelecidos através de políticas sociais públicas deliberadas, de forma democrática, pela ativa e paritária participação popular nas Resoluções do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

[1] RAMIDOFF, Mário Luiz. Direitos difusos e coletivos IV: Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Saraiva. 2012 (Coleção Saberes do Direito. Vol. 37).
[2] CÁRCOVA, Carlos María. A opacidade do Direito. São Paulo: LTr. 1998.
[3] ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2007.
[4] RAMIDOFF, Mário Luiz. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE: comentários à Lei 12.594, de 18 de janeiro de 2012. São Paulo: Saraiva. 2012.

Autor: Mário Luiz Ramidoff , doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (2007). Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná

Fonte: http://atualidadesdodireito.com.br/marioluizramidoff/2013/03/13/internacao-e-politica-de-atendimento-judicializacao-ou-politizacao/

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