terça-feira, 8 de outubro de 2013

Princípio da boa fé objetiva nos contratos em geral (Paulo Lôbo)



A boa-fé objetiva é regra de conduta dos indivíduos nas relações jurídicas obrigacionais. Interessam as repercussões de certos comportamentos na confiança que as pessoas normalmente neles depositam[8]. Confia-se no significado comum, usual, objetivo da conduta ou comportamento reconhecível no mundo social. A boa-fé objetiva importa conduta honesta, leal, correta. É a boa-fé de comportamento.
A boa-fé objetiva não é princípio dedutivo, não é argumentação dialética; é medida e diretiva para pesquisa da norma de decisão, da regra a aplicar no caso concreto, sem hipótese normativa pré-constituída[9], mas que será preenchida com a mediação concretizadora do intérprete-julgador.
O novo Código Civil brasileiro (art. 422) refere-se a ambos os contratantes do contrato comum civil ou mercantil, não podendo o princípio ser aplicado preferencialmente ao devedor, neste caso segundo a regra contida no art. 242 do Código Civil alemão. Nas relações de consumo, todavia, ainda que o inciso III do art. 4º do CDC cuide de aplicá-lo a consumidores e fornecedores, é a estes que ele se impõe, principalmente, em virtude da vulnerabilidade daqueles. Por exemplo, no que concerne à informação o princípio da boa-fé volta-se em grande medida ao dever de informar do fornecedor.
Além dos tipos legais expressos de cláusulas abusivas o Código de Defesa do Consumidor fixou a boa-fé como cláusula geral de abertura, que permite ao aplicador ou intérprete o teste de compatibilidade das cláusulas ou condições gerais dos contratos de consumo. No inciso IV do art. 51 a boa-fé, contudo, a boa-fé está associada ou alternada com a eqüidade (“...com a boa-fé ou a eqüidade”), a merecer consideração. No que respeita aos princípios do contrato a eqüidade não se concebe autonomamente, mas como critério de heterointegração tanto do princípio da boa-fé quanto do princípio da equivalência material. O juízo de eqüidade conduz o juiz às proximidades do legislador, porém limitado à decidibilidade do conflito determinado na busca do equilíbrio dos poderes contratuais. Apesar de trabalhar com critérios objetivos, com standards valorativos, a eqüidade é entendida no sentido aristotélico da justiça do caso concreto. O juiz deve partir de critérios definidos referenciáveis em abstrato não os podendo substituir por juízos subjetivos de valor.
Por seu turno, o art. 422 do Código Civil de 2002 associou ao princípio da boa-fé o que denominou de princípio da probidade (“... os princípios da probidade e boa-fé”).  No direito público a probidade constitui princípio autônomo da Administração Pública, previsto explicitamente no art. 37 da Constituição, como “princípio da moralidade” a que se subordinam todos agentes públicos. No direito contratual privado, todavia, a probidade é qualidade exigível sempre à conduta de boa-fé. Quando muito seria princípio complementar da boa-fé objetiva ao lado dos princípios da confiança, da informação e da lealdade. Pode dizer-se que não há boa-fé sem probidade.
Outro ponto relevante, em que se nota certa aproximação entre os dois códigos, é o dos limites objetivos do princípio da boa-fé nos contratos. A melhor doutrina tem ressaltado que a boa-fé não apenas é aplicável à conduta dos contratantes na execução de suas obrigações mas aos comportamentos que devem ser adotados antes da celebração (in contrahendo) ou após a extinção do contrato (post pactum finitum). Assim, para fins do princípio da boa-fé objetiva  são alcançados os comportamentos do contratante antes, durante e após o contrato. O Código de Defesa do Consumidor avançou mais decisivamente nessa direção, ao incluir na oferta toda informação ou publicidade suficientemente precisa (art. 30), ao impor o dever ao fornecedor de assegurar ao consumidor cognoscibilidade e compreensibilidade prévias do conteúdo do contrato (art. 46), ao tornar vinculantes os escritos particulares, recibos e pré-contratos (art. 48) e ao exigir a continuidade da oferta de componentes e peças de reposição, após o contrato de aquisição do produto (art. 32).
O novo Código Civil não foi tão claro em relação aos contratos comuns, mas, quando se refere amplamente à conclusão e à execução do contrato, admite a interpretação em conformidade com o atual estado da doutrina jurídica acerca do alcance do princípio da boa fé aos comportamentos in contrahendo  e post pactum finitum. A referência à conclusão deve ser entendida como abrangente da celebração e dos comportamentos que a antecedem, porque aquela decorre destes. A referência à execução deve ser também entendida como inclusiva de todos os comportamentos resultantes da natureza do contrato. Em suma, em  se tratando de boa-fé, os comportamentos formadores ou resultantes de outros não podem ser cindidos. 

LÔBO, Paulo. Princípios contratuais. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3750, 7 out. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25359>. Acesso em: 8 out. 2013.

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