A boa-fé
objetiva é regra de conduta dos indivíduos nas relações jurídicas
obrigacionais. Interessam as repercussões de certos comportamentos na confiança
que as pessoas normalmente neles depositam[8]. Confia-se no significado comum, usual,
objetivo da conduta ou comportamento reconhecível no mundo social. A boa-fé objetiva
importa conduta honesta, leal, correta. É a boa-fé de comportamento.
A boa-fé
objetiva não é princípio dedutivo, não é argumentação dialética; é medida e
diretiva para pesquisa da norma de decisão, da regra a aplicar no caso
concreto, sem hipótese normativa pré-constituída[9], mas que será preenchida com a mediação
concretizadora do intérprete-julgador.
O novo
Código Civil brasileiro (art. 422) refere-se a ambos os contratantes do
contrato comum civil ou mercantil, não podendo o princípio ser aplicado
preferencialmente ao devedor, neste caso segundo a regra contida no art. 242 do
Código Civil alemão. Nas relações de consumo, todavia, ainda que o inciso III
do art. 4º do CDC cuide de aplicá-lo a consumidores e fornecedores, é a estes
que ele se impõe, principalmente, em virtude da vulnerabilidade daqueles. Por
exemplo, no que concerne à informação o princípio da boa-fé volta-se em grande
medida ao dever de informar do fornecedor.
Além dos
tipos legais expressos de cláusulas abusivas o Código de Defesa do Consumidor
fixou a boa-fé como cláusula geral de abertura, que permite ao aplicador ou
intérprete o teste de compatibilidade das cláusulas ou condições gerais dos
contratos de consumo. No inciso IV do art. 51 a boa-fé, contudo, a boa-fé está
associada ou alternada com a eqüidade (“...com a boa-fé ou a eqüidade”),
a merecer consideração. No que respeita aos princípios do contrato a eqüidade
não se concebe autonomamente, mas como critério de heterointegração tanto do
princípio da boa-fé quanto do princípio da equivalência material. O juízo de
eqüidade conduz o juiz às proximidades do legislador, porém limitado à
decidibilidade do conflito determinado na busca do equilíbrio dos poderes
contratuais. Apesar de trabalhar com critérios objetivos, com standards
valorativos, a eqüidade é entendida no sentido aristotélico da justiça do caso
concreto. O juiz deve partir de critérios definidos referenciáveis em abstrato
não os podendo substituir por juízos subjetivos de valor.
Por seu
turno, o art. 422 do Código Civil de 2002 associou ao princípio da boa-fé o que
denominou de princípio da probidade (“... os princípios da probidade e
boa-fé”). No direito público a probidade constitui princípio autônomo
da Administração Pública, previsto explicitamente no art. 37 da Constituição,
como “princípio da moralidade” a que se subordinam todos agentes públicos. No
direito contratual privado, todavia, a probidade é qualidade exigível sempre à
conduta de boa-fé. Quando muito seria princípio complementar da boa-fé objetiva
ao lado dos princípios da confiança, da informação e da lealdade. Pode dizer-se
que não há boa-fé sem probidade.
Outro
ponto relevante, em que se nota certa aproximação entre os dois códigos, é o
dos limites objetivos do princípio da boa-fé nos contratos. A melhor doutrina
tem ressaltado que a boa-fé não apenas é aplicável à conduta dos contratantes
na execução de suas obrigações mas aos comportamentos que devem ser adotados
antes da celebração (in contrahendo) ou após a extinção do contrato (post
pactum finitum). Assim, para fins do princípio da boa-fé objetiva são
alcançados os comportamentos do contratante antes, durante e após o contrato. O
Código de Defesa do Consumidor avançou mais decisivamente nessa direção, ao
incluir na oferta toda informação ou publicidade suficientemente precisa (art.
30), ao impor o dever ao fornecedor de assegurar ao consumidor cognoscibilidade
e compreensibilidade prévias do conteúdo do contrato (art. 46), ao tornar
vinculantes os escritos particulares, recibos e pré-contratos (art. 48) e ao
exigir a continuidade da oferta de componentes e peças de reposição, após o
contrato de aquisição do produto (art. 32).
O novo
Código Civil não foi tão claro em relação aos contratos comuns, mas, quando se
refere amplamente à conclusão e à execução do contrato, admite a interpretação
em conformidade com o atual estado da doutrina jurídica acerca do alcance do
princípio da boa fé aos comportamentos in contrahendo e post
pactum finitum. A referência à conclusão deve ser entendida como abrangente
da celebração e dos comportamentos que a antecedem, porque aquela decorre
destes. A referência à execução deve ser também entendida como inclusiva de
todos os comportamentos resultantes da natureza do contrato. Em suma, em
se tratando de boa-fé, os comportamentos formadores ou resultantes de outros
não podem ser cindidos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário